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UMA JUSTA HOMENAGEM

Em homenagem ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, o Centro de Memória do TRT-2 homenageia um dos maiores juristas da história do direito do trabalho nacional, o professor Cesarino Júnior.

Antônio Ferreira Cesarino Júnior nasceu em 1906, na cidade de Campinas. Sendo o filho mais velho de uma família humilde, Cesarino teve de trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da casa. Em sua infância, perdeu quatro de seus irmãos, convivendo precocemente com a dor e privações de ser pobre e negro no Brasil do início do século XX.

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O professor Cesarino Júnior.

O bisavô de Cesarino Júnior, Antônio Cesarino, durante a segunda metade do século XIX, juntamente com sua esposa Balbina, encabeçaram o Colégio Perseverança, na cidade de Campinas. O colégio inclusive recebeu a visita do então imperador do Brasil, Dom Pedro II em agosto de 1875, quando relatou que o “Colégio Perseverança do Cesarino e sua mulher pardos tem muitas meninas e é conceituado” (Kabengele, Daniela do Carmo – A trajetória do “pardo” Antonio Ferreira Cesarino (1808-1892) e o trânsito das mercês, p. 4, Campinas, 2002). A instituição era destinada às filhas de industriais campineiros, senhores de engenho e barões do café, lecionando matemática, português, francês, história, costura e piano. Antônio Cesarino é reconhecido como um dos grandes nomes da educação campineira, sendo objeto de diversos estudos, livros e trabalhos acadêmicos. 

O “velho Cesarino”, como era conhecido na Campinas do século XIX, ganhou respeito da sociedade conservadora campineira a duras penas, utilizando o maior recurso que aqueles que são nascidos marginalizados da sociedade têm: o conhecimento. Nos relatos da época, ele é retratado como “pardo”, como se a sociedade fecha-se os olhos para as privações e dificuldades que ela mesma impôs a ele, enquanto menino negro e pobre, agora que ele promovia a educação das filhas da elite da cidade. É triste notar que seu bisneto também passaria por provações devido a sua cor. E assim como o velho Cesarino, Cesarino Júnior lançaria mão das mesmas armas para superar o preconceito e o conservadorismo: utilizaria da perseverança, palavra comum à família Cesarino, e do conhecimento, o combustível que sempre permeou seu sangue.

Antônio Ferreira Cesarino e Balbina Cesarino bisavós de Cesarino Júnior. Reproduzido da tese de doutorado de Daniela do Carmo Kabengele, intitulada A trajetória do “pardo” Antonio Ferreira Cesarino (1808-1892) e o trânsito das mercês, que pode ser lida aqui no repositótio de produções acadêmicas da Unicamp.

Também o pai de Cesarino Júnior esteve de alguma forma ligado à educação. Ele era bedel no Colégio Culto à Ciência, atual Escola Estadual Culto à Ciência, tradicional centro de ensino destinado à elite de Campinas. Com uma mente aguçada e curiosa, desafiando estigmas de classe e raça, Cesarino Júnior ingressou no colégio. Finalizados seus estudos básicos, cursou seu bacharelado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Em 1929, o filho do bedel retornou ao Colégio Culto à Ciência como professor titular da disciplina de história universal. Seu ingresso no colégio como professor não seria diferente de seu ingresso como aluno: com dificuldades a serem superadas. Embora Cesarino tenha obtido nota superior no concurso, seu nome foi preterido, sendo nomeado outro candidato. Após recurso, o concurso foi realizado novamente, e Cesarino mais uma vez encabeçou a lista como primeiro colocado, desta vez sendo nomeado para a cadeira.

Mas Cesarino, o “anticonformista”, adjetivo que intitula a biografia escrita pela professora aposentada da USP, Marly A. Cardone, que foi aluna e assistente do jurista, romperia muitas outras barreiras. Seria vanguarda e um farol a guiar muitas pessoas, em um mundo relativamente novo e ainda pouco desbravado: o direito do trabalho.

Seu interesse pela legislação social, nome dado ao direito do trabalho na época, advinha da importância desse ramo do direito em proteger pessoas em situações sociais vulneráveis, de hipossuficiência. Cesarino estudava a legislação social esparsa, incipiente, muitas vezes conflitante, procurando entre as diferentes leis suas conexões. Isso tudo antes mesmo da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943. Um trabalho de vanguarda e de paixão.

Cesarino Junior, direito social
O professor Cesarino Junior: pai do direito social, professor titular da Faculdade de Medicina da PUCSP, professor catedrático da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e professor catedrático e emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Em 1939, torna-se professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, ocupando a cátedra de legislação social, função que exerceria com maestria durante décadas. Instituiu estágios para os alunos do curso, para que tivessem contato com a dimensão prática do direito do trabalho. Por sinal, Cesarino seria um dos nomes mais influentes do direito do trabalho no Brasil e no mundo.

Ainda em 1939, fundou o Instituto de Direito Social; realizou e presidiu, em 1941, o primeiro Congresso Brasileiro de Direito Social, cujos anais são fontes para a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943; em 1950, fundou a Sociedade Internacional de Direito Social, que se tornaria, em 1958, a Sociedade Internacional de Direito do Trabalho. Aliás, em 1954 o professor organizou o primeiro Congresso Internacional de Direito do Trabalho. Foi também autor dos primeiros livros da área, que hoje integram o acervo da Biblioteca Nebrídio Negreiros, do TRT-2.

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Edição da CLT de 1943, autografada pelo jurista e professor Cesarino Junior. Acervo TRT-2
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Os dois volumes dos “Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Direito Social” e o livro “Professor Cesarino: o anticonformista”, de Marly A. Cardone, obras que compõem o acervo da Biblioteca Nebrídio Negreiros, do TRT-2.

Na seara política, seu nome ficou registrado como fundador do Partido Democrata Cristão, em 1945. Sempre comprometido com os interesses sociais sobre os privados, acabou se afastando do partido, por divergências com políticos de carreira. Cesarino Júnior ainda tentaria uma nova incursão na política, como deputado federal, mas chocado com pichações durante a campanha, fazendo alusão à cor de sua pele, abandonaria de vez a militância política formal partidária.

Cesarino representou o Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT) por três mandatos, além de participar de inúmeros Congressos Internacionais.

Em 1954, organizou e presidiu o I Congresso Internacional de Direito Social e em 1982, foi eleito presidente da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e Segurança Social. Criou, também, a Academia Paulista de Direito, em 1972. Acreditava na justiça, na retidão de caráter e na imparcialidade das decisões. Sua obra reúne quase 30 livros, inúmeras teses e centenas de trabalhos publicados.

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Professor Cesarino.

Homenagens

Falecido em 1992, aos 85 anos, é patrono e dá nome a uma sala no Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e é reverenciado como o primeiro catedrático de direito do trabalho (legislação social) da Faculdade de Direito.

A Sala dos Advogados do TRT-2 tem o nome de Cesarino Júnior, desde 1971, quando o professor foi homenageado pelo presidente do TRT-2 à época, Homero Diniz Gonçalves, que, por meio da Portaria SPE 136, reconheceu a contribuição do prof. Cesarino para o ensino e difusão do Direito do Trabalho, atribuindo seu nome à Sala dos Advogados existente no prédio do TRT-2 da av. Ipiranga, 1225, que abrigava as antigas juntas de conciliação da capital. Após a saída do Tribunal daquele prédio, a homenagem seria perdida, não fosse a iniciativa, em 2007, de novamente homenageá-lo (13 anos após sua morte), atribuindo o nome de Cesarino à Sala dos Advogados existente no atual Fórum Ruy Barbosa, na Barra Funda, em homenagem ao grande jurista.

Confira o discurso feito pela desembargadora aposentada Vânia Paranhos à época da reinstalação da placa em homenagem ao professor Cesarino na Sala dos Advogados no Fórum Ruy Barbosa.

O Instituto Brasileiro de Direito Social também ostenta orgulhosamente seu nome. Em fato, Cesarino Júnior é o nome que ilustra diversas outras salas e departamentos de direito no estado. Homenagens mais do que justas. E por falar em justiça, um texto tão pequeno é incapaz de prestar honraria suficiente ao grande professor Cesarino.

Por isso, o Centro de Memória recomenda duas leituras, caso haja interesse em se aprofundar na ilustre história de Cesarino Júnior: a biografia escrita por Marly A. CardoneProfessor Cesarino: o Anticonformista” (Cardone é hoje presidente do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior – IBDSCJ); e o livro de Irene Maria Ferreira Barbosa, “Enfrentando Preconceitos“, que acompanha a trajetória do jurista.

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Capa do livro de Marly A. Cardone “Professor Cesarino: o anticonformista”.

Antônio Ferreira Cesarino Júnior rompeu com estruturas sociais preconceituosas, trilhando seu caminho com perseverança, retidão e honra, legando a amigos, alunos e colegas de trabalho o melhor exemplo que uma pessoa pode deixar: resistência e inconformismo diante de tudo aquilo que fere a existência de outras pessoas, principalmente das que são socialmente excluídas, seja pela raça ou pela classe social.

A história de Cesarino Júnior é uma representação material da coragem que todos deveríamos ter diante das injustiças. E serve de bom exemplo para todas as gerações.


Leia a homenagem feita por Ari Possidonio Beltran para a Revista da USP.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.

Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.


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Publicado por Belmiro Fleming

Cientista social, faz parte do TRT-2 desde 2016, tendo integrado anteriormente o TRT-15 por quase três anos. De ascendência nipo-irlandesa, sempre se interessou por história, seja de seus antepassados, seja dos lugares em que viveu. Acredita que a modernidade de São Paulo traz uma carga histórica, algumas vezes esquecida.

18 comentários em “UMA JUSTA HOMENAGEM

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