A história por trás do processo n° 1/1944, da 1ª JCJ de Santos
No dia 19 de abril, a 1ª Vara de Santos completa 75 anos de funcionamento. Hoje bem equipada e pronta para atender com eficiência servidores, magistrados e jurisdicionados, a 1ª Vara de Santos está a anos-luz do que foi aquela 1ª Junta de Conciliação e Julgamento, instalada no longínquo ano de 1944.
Foi um começo difícil. Marcado pelo atraso na instalação da junta, pela falta de equipamentos (como uma simples máquina datilográfica – item básico para permitir a realização dos trabalhos), pela falta de mobiliário ou ainda de verba para conseguir locar o espaço físico ou contratar funcionários. E pior: quando finalmente tudo estava pronto, o juiz designado não toma posse. Pensa que não dá pra piorar? Quando é autuado o primeiro processo, o reclamante não comparece e a ação é arquivada. Não parece nada justo. Mas são fatos que tornam a história da Justiça do Trabalho em Santos ainda mais interessante.
A primeira JCJ de Santos
Criada em 1943, por meio do Decreto-lei nº 5.926/1943, a 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Santos foi instalada apenas no ano seguinte, em 1º de abril de 1944, à Praça Ruy Barbosa, n° 23, 2° andar (ao lado da igreja Nossa Senhora do Rosário). A junta foi a primeira da Baixada Santista.
Na época, a jurisdição da 2ª Região abarcava os estados do Paraná, Mato Grosso e todo o estado de São Paulo. O CRT-2 era formado por seis juntas na Capital, existentes desde sua criação, em 1941, além de uma junta em Cuiabá (instalada em 1941), uma junta em Curitiba (instalada em 1941), além de uma junta em Campinas, uma em Jundiaí e uma em Sorocaba (as últimas três criadas em 1943 e instaladas em 1944), além, da recém-instalada junta de Santos.
Salva pelos sindicatos
Naquele tempo, com um tribunal ainda incipiente, a dificuldade financeira e a falta de pessoal eram realidades. Apesar da grande necessidade de uma nova junta, que pudesse receber a alta demanda identificada na localidade, não havia verba suficiente para a instalação. Por tal razão, foi fundamental o auxílio financeiro de sindicatos de empregados e empregadores da região. Ao todo, 33 sindicatos contribuíram para a instalação da 1ª Junta de Santos.
O fato consta no Relatório Anual de Atividades do CRT-2 (a partir da página 12 do pdf), do ano de 1944, documento pertencente ao acervo histórico do Regional (aliás, é possível a consulta aos relatórios produzidos desde o ano de 1941). Redigido anualmente pelos presidentes dos Regionais ao TST, o documento tem como objetivo informar os principais acontecimentos e os números dos tribunais.
Sobre a instalação da junta de Santos, o presidente do Regional à época, Nebrídio Negreiros (juiz que, por sinal, dá nome à Biblioteca do TRT-2), conta:
Informa a Junta que os sindicatos locais decoraram as janelas com cortinas, deram um grupo estofado com mesa de centro e tapete para o gabinete da Presidência, porta-chapéus e dois arquivos de madeira (para fichário) para a Secretaria, além de cinzeiros, bandeja, jarra e copos para água.
Negreiros ainda complementa:
Continuando a se referir à colaboração dos sindicatos, informa a Junta que tem em uso duas máquinas de escrever cedidas, por empréstimo, pelo Sindicato dos Operários no Serviço Portuário de Santos, por não dispor a Junta de máquinas próprias”. Desde o início o Sindicato dos Portuários marcaria os trabalhos na Justiça Trabalhista da Baixada.

A ajuda foi fundamental para a instalação da Justiça do Trabalho na cidade mais sindicalizada do país. Em março de 1944, em edição especial de 50 anos do jornal A Tribuna, eles comemoravam:



O primeiro juiz de Santos
O primeiro magistrado de Santos foi José Ney Serrão. Naquele tempo, os juízes eram nomeados por ato do presidente da República. O suplente era Charles Alexander de Souza Dantas Forbes (advogado que, anos mais tarde, seria prefeito da cidade vizinha, São Vicente).
Fato curioso é que a junta seria entregue a um outro juiz (cujo ato ainda não foi localizado em nosso acervo), mas que não tomou posse. Com isso, o juiz-presidente da junta de Teresina (Piauí, vinculada à 7ª Região) foi removido para Santos.

A chegada de José Ney Serrão à cidade aconteceu no dia 11 de abril. O magistrado começou de fato a trabalhar somente oito dias depois, em 19 de abril, aniversário do presidente à época, Getúlio Vargas. No dia seguinte, aconteceria a solenidade de instalação da junta, que reuniria representantes do Conselho Nacional do Trabalho, do Departamento Estadual do Trabalho e da própria Justiça do Trabalho.



A permanência de José Ney Serrão em Santos não seria longa. Em 1946, já é possível localizar processos do magistrado atuando como juiz-presidente da 2ª JCJ da Capital. Em Santos, o novo juiz-presidente seria Rolando Pierri e o suplente, Vitor Malheiros Miranda.
O processo nº 1/1944
O primeiro processo recebido em Santos, número 01/1944, faz parte do acervo histórico do TRT-2. Trata-se de ação de trabalhador que pede saldo de salário e aviso prévio. O reclamante é o português José Assunção Alves, residente em Minas Gerais. Naquele início de século XX, ainda era bastante comum o uso de mão de obra portuguesa e espanhola na cidade de Santos, em especial no porto. A reclamada é a Cia. Atlântico Hotel Teatro Casino, um dos mais elegantes hotéis da cidade.


Autuado no dia 22 de abril de 1944 na JCJ de Santos (três dias após o início dos trabalhos na junta), ele foi recebido originalmente na 2ª Vara Cível de Santos, no dia 30 de março.
Quem autua o processo é a secretária da 1ª JCJ, Zélia Martins Brandão, que, mais tarde, em 1955, seria classificada na 34ª posição no II Concurso da Magistratura (no qual foi empossada a primeira magistrada do TRT-2: Neusenice Barretto de Azevedo Küstner, considerada, de fato, a primeira magistrada trabalhista do país), mas que só tomaria posse anos mais tarde, em 1962, após a realização do concurso de 1960.


No dia 29 de abril, às 10h, aconteceria a primeira audiência na recém-instalada JCJ de Santos, que reuniu o juiz-presidente José Ney Serrão, os vogais Gustavo Martini (representante dos empregadores – presidente do Sindicato de Hotéis e Similares de Santos) e Jonas Pereira dos Anjos Filho (representante dos empregados – presidente do Sindicato dos Operários nos Serviços Portuários de Santos, que hoje em dia dá nome a uma rua no bairro do Castelo, em Santos), a reclamada, Waldemar Ribeiro Xisto e seu advogado, Abilio Jordão de Magalhães (da turma de 1930 da Faculdade de Direito da USP), além do representante do reclamante, o procurador do Departamento Estadual do Trabalho, Paulo do Nascimento.
Diante da ausência de José Assunção, o reclamante revel (situação que havia sido, inclusive, previamente informada na notificação), o processo foi arquivado. Um começo de trabalho um tanto quanto sem graça para uma instalação repleta de emoções.
Antes do arquivamento do processo, porém, consta um aditivo, em que as partes envolvidas naquela primeira audiência realizada em Santos (seria a primeira das 102 audiências que aconteceriam naquele ano) parabenizam os presentes pelo momento e discursam sobre a importância da chegada da Justiça do Trabalho a Santos.
Movimentação
No primeiro ano de funcionamento, a JCJ de Santos recebeu 601 processos. Em 1945, a JCJ já recebia quase o dobro de novos processos (1166). Números que dão uma ideia do crescimento da importância da Justiça do Trabalho em Santos. Para fins de comparação, em 1945, cada uma das juntas da Capital recebeu 1338 novos processos. Campinas recebeu 1071 novos processos. Jundiaí, 507. E Sorocaba, 844. Mesmo diante dos altos números, a 2ª JCJ de Santos seria instalada somente dez anos após a instalação da 1ª JCJ, em 1954.
Acervo histórico
Mensalmente, o Centro de Memória do TRT-2 disponibiliza parte do acervo histórico para consulta on-line. Além de processos, há fotografias, documentos administrativos, material audiovisual, objetos, dentre outros itens que compõem o acervo.
Para localizar os processos, basta acessar o Centro de Memória Virtual do TRT-2 e, na aba Processos, colocar o termo de interesse no campo de pesquisa, como “portuários” ou o ano da ação. Paulatinamente, novos conteúdos estão sendo digitalizados, descritos e disponibilizados na plataforma.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.
Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.
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