A partir do mês de novembro, o Centro de Memória do TRT-2 começa a disponibilizar um de seus projetos mais queridos e conjecturados ao longo dos últimos meses: o “Memórias Narradas”.
Trata-se de uma série de entrevistas realizadas ao longo do ano de 2019, com servidores e magistrados aposentados, nas quais eles contam suas trajetórias de vida dentro da instituição, relembrando alguns de seus mais marcantes momentos no TRT-2.
“Memórias Narradas” é um projeto que usa como recurso a história oral, uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que testemunharam acontecimentos em determinadas épocas, em outras conjunturas, e que recontam os fatos como eles próprios os vivenciaram e da maneira como se recordam.
As entrevistas de história oral são mais uma fonte de pesquisa da história do Tribunal e nos ajudam a compreender o passado, a completar as lacunas da história que ficaram sem registro. Ajudam-nos ainda a entender, por meio de uma visão pessoal, e algumas vezes “tendenciosa” (independentemente do viés ideológico de quem fala), o significado ou o reflexo de determinadas ações ou mudanças no TRT-2 na trajetória de quem vivenciou aquele momento.
As entrevistas dão interpretações a eventos, mostrando como pessoas, indivíduos, enxergaram determinados acontecimentos, humanizando histórias, que, muitas vezes, são contadas apenas a partir de documentos.
Por meio das lembranças, temos a possibilidade de “reviver” fatos que ficaram no passado. Fatos que são contados de acordo com interpretações individuais – e que são, sem dúvida, frutos das experiências pessoais de cada um que participa daquele instante. E são essas experiências pessoais que nos mostram o quanto cada um vive, interpreta e reconta um determinado momento de forma diferente (clique para saber como o Centro de Memória trabalha e processa as informações que são por nossa equipe obtidas).
As entrevistas permitem ainda redescobrir personagens que acabaram, por alguma razão, omitidos ou esquecidos em nossa história, dando voz, visibilidade e atenção a servidores e magistrados de nosso Regional. Pessoas que ajudaram, de forma ativa, a construir a história da instituição e que agora, aposentados há algum tempo, já se encontram “perdidos” entre documentos e processos.
Mais do que nos entreter com seu resultado final (fruto de edição), matar uma simples curiosidade a respeito de um fato ainda sem explicação, ou acariciar um ego de um servidor ou magistrado (convidado a participar do projeto não por simples adulação, mas por mérito, pelo reconhecimento de um trabalho bem realizado ao longo do tempo), a entrevista de história oral serve ainda como registro e torna-se documento integrante do acervo do Tribunal, disponível a pesquisadores e a quem tiver interesse – ou curiosidade – quanto ao assunto abordado.
A história oral no Brasil
Apesar de ter seu uso difundido desde o fim da década de 40 nos Estados Unidos, com a criação do primeiro departamento de História Oral na Universidade de Columbia, pelo historiador e jornalista norte-americano Allan Nevins (criador da “Moderna História Oral”), a história oral começou a ser utilizada no Brasil apenas a partir da década de 70. O trabalho desenvolvido pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, pioneiro no país, iniciado em 1975, é referência quando se fala no assunto.

Nossas referências não podiam ser diferentes. Foi a partir da leitura de livros de importantes nomes da história oral no Brasil, como José Carlos Sebe Meihy, Verena Alberti e Marieta de Moraes Ferreira, além da pesquisa dentro dos próprios arquivos do CPDOC, que começamos nosso trabalho.

Os livros nos deram embasamento teórico. Fizeram nossa mente pensar e repensar conceitos, analisar a situação que tínhamos em mãos e refletir sobre o resultado que gostaríamos de alcançar.
Já o CPDOC nos deu o resultado prático, a ideia do que poderíamos ter, se tivéssemos começado antes, décadas antes.
Nos arquivos do CPDOC, conseguimos localizar diversas informações a respeito de personagens que passaram pelo TRT-2. Um exemplo recente é Euzébio Rocha Filho. Euzébio foi o primeiro secretário da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento da Capital (atual cargo de diretor de secretaria). Em 1945, candidatou-se a deputado federal. Eleito, exonerou-se do cargo no Tribunal, assumiu o mandato de deputado e participou da constituinte, que resultou na Constituição de 1946, que, por sua vez, inseriu a Justiça do Trabalho no Poder Judiciário. Foi Maurício Lenine Pires, servidor aposentado mais antigo do TRT-2, cuja posse aconteceu em 1º de agosto de 1941, quem nos contou sobre Euzébio pela primeira vez, ao telefone. Seu Maurício estava lá. Atuou na 6ª Junta de Conciliação e Julgamento. É testemunha viva dessa história. Ainda não nos concedeu uma entrevista. Não foi por falta de tentativa de nossa parte.

Euzébio Rocha Filho concedeu duas entrevistas ao CPDOC. A primeira entrevista, com mais de seis horas de duração, foi no ano de 1984. E conta-nos coisas tão interessantes quanto as citadas por seu Maurício.
A primeira revelação é que a de que foi seu cargo no Tribunal que permitiu que Euzébio tivesse uma relação próxima com Getúlio Vargas, com quem fundou o PTB, na década de 40. Por ser diretor da 1ª JCJ e falar bem, era sempre convidado a discursar em nome dos servidores, quando acontecia uma visita de “alta autoridade” ao Tribunal (e essas eram constantes). Foi assim que, um dia, mesmo a contragosto, discursou para Getúlio, durante o Estado Novo, e manifestou, polidamente, sua tristeza ao saber que existia gente presa por lutar pela liberdade. O discurso foi ouvido – e bem recebido.
Algum tempo depois, Euzébio foi chamado ao Catete – e assim começou sua nova carreira, na política. Tinha 28 anos quando se elegeu deputado federal, abandonando de vez a Justiça do Trabalho.




Chegou a ser presidente da ala paulista do PTB, partido, aliás, ao qual se dedicou até 1966 (quando, com a edição do AI-2, que “adotou” o bipartidarismo no país, o PTB foi extinto).
Euzébio foi ainda autor da Lei nº 2.004/1953, que criou a Petrobras, sendo também um dos líderes da campanha “O Petróleo é Nosso”. Falecido em 1995, hoje dá nome a escola municipal em São Paulo e a uma termoelétrica, em Cubatão. Era ainda escorpiano, do dia 20 de novembro, como esta que aqui vos escreve.

Não é preciso muito para perceber o quão rico são os detalhes que surgem das entrevistas realizadas. E a importância da guarda de tais documentos transcritos nos acervos para pesquisa constante. Não temos nós, do Centro de Memória do TRT-2, a oportunidade de conversar com Euzébio Rocha Filho, como dito, falecido em 1995. Mas ficam os registros (há ainda uma segunda entrevista, feita em 1987, com duas horas de duração).
História oral no TRT-2
Por mais que as atividades relacionadas à memória institucional no TRT-2 não sejam de longa data, esta não é, no entanto, a primeira vez que o Tribunal realiza um trabalho de história oral.
Em 2002, quando da organização da primeira exposição sobre a história do Regional, uma empresa foi contratada para a realização da mostra e para a realização de entrevistas com servidores e magistrados. Naquele momento, alguns deles foram entrevistados. Apesar de já estarmos em uma época em que as câmeras digitais já se proliferavam, a captação foi realizada por meio de gravadores de fita cassete. Os áudios, lamentavelmente em baixa qualidade, estão disponíveis no Centro de Memória Virtual do TRT-2.


A segunda experiência com história oral aconteceu em 2015, quando a Secretaria de Comunicação Social do TRT-2, em parceria com o Comitê Gestor do Programa Nacional de Resgate da Memória do TRT-2, realizou uma série de entrevistas com servidores, magistrados e advogados. A série “História Oral” conta com 17 episódios, todos disponibilizados em versão reduzida e em sua íntegra no canal do YouTube do Tribunal.


















E agora nosso terceiro projeto. O segundo em vídeo. E a primeira experiência audiovisual do Centro de Memória: “Memórias Narradas”.
Memórias Narradas
Identificar dentro de nosso projeto de setor a maneira mais adequada de selecionar nossos entrevistados, contatá-los, interagir com eles, obter as informações adequadas às nossas pesquisas e assim alcançar nossos objetivos como centro de pesquisa é primordial. Tudo, ainda, alinhado aos conceitos estabelecidos pelos estudiosos da história oral.
Acreditamos que história oral não seja apenas um método de se obter informações. E que entrevistas não sejam apenas encontros aleatórios. Cada passo é pensado, pesquisado e analisado. Ainda que feito de forma bastante relaxada. Mas metodologicamente atenta.
Quando pensamos em nossa versão da história oral, queríamos que nossos olhos, ouvidos e sentidos estivessem voltados ao conteúdo. Queríamos que as emoções e as lembranças fossem o principal elemento de nossos vídeos. Que o conteúdo fosse o rei.
Por isso, pedimos licença à Secretaria de Comunicação Social, com seu belo e rico projeto de 2015/2016, para fazermos de uma forma bastante simplificada a nossa versão. Não teremos nove episódios (a quantidade já gravada até este momento em que escrevo). Ou 17, como foi lançado em 2016. A ideia é que sejam muitos. E constantes. Para isso, a simplicidade de recursos torna-se um aliado. Valemo-nos, no entanto, da pesquisa, do contato, da interação, das conexões com as histórias já conhecidas e com aquelas que ainda estão por serem descobertas. E assim ampliamos nosso conhecimento e nosso acervo.
A ideia pode ser bem simples, com vídeos gravados com apenas uma câmera – ou com um celular mais moderninho que faça as vezes de câmera. Mas o resultado é gigantesco.

Em nosso projeto, damos voz a pessoas que foram, por tantos anos, acostumadas a serem ouvidas plenamente. Sentamos ali por uma, duas horas. Às vezes por mais de um dia para ouvir com atenção o que elas têm a nos contar. Damos atenção a quem por tantos anos dedicou-se oito horas por dia (às vezes bem mais que isso!) à instituição. E por muito mais do que 20, 30 anos. E que hoje estão esquecidas. Ou quase esquecidas, no passar dos dias e correr do tempo.
Nosso trabalho de história oral busca, sim, preencher lacunas. Isso é fundamental. Mas vai além. Objetiva valorizar a passagem desses personagens pela instituição, mostrar o quanto a contribuição de cada uma deles foi importante para a construção de nosso Regional. Estimular a participação de tantos outros e construir e ampliar nosso acervo. E assim permite que as atuais gerações conheçam a história do TRT-2. E que as futuras possam ter acesso fácil a esse conteúdo. E, se tudo der certo, que elas também deem continuidade a esse trabalho.
A atividade de história oral não tem fim. Afinal, enquanto existirem pessoas participando do dia a dia do Tribunal, existirão histórias a serem contadas. Por meio delas, descobrimos os “comos”, os “quens” e os “porquês”.
Estamos ainda engatinhando. Em um ano, realizamos nove entrevistas (com uma décima agendada ainda no mês de outubro). Entramos em contato com dezenas de outras pessoas. Infelizmente, a agenda de uns, a saúde de outros, os desencontros do acaso não permitiram que outros episódios fossem realizados. A falta de braços é mais um fator. E talvez um dos mais relevantes.
No meio do caminho, deparamo-nos com algumas infelicidades da vida. Dona Isabel de Castro foi uma delas. Esteve muito próxima de nos receber. Mas o destino não quis assim. Silvio Comba Esteves, a quem carinhosamente chamamos de Comba, foi outro. Deixou-nos uma carta, como um presente, e, assim, esperamos poder contar sua história.

Clelia Checchia foi outra. Quando soube de seu falecimento, por meio da intranet do Tribunal, não tinha sequer ideia de que um dia trabalharia em um Centro de Memória no TRT-2. Mal sabia eu quem era ela. Apenas surpreendeu-me o fato de a mãe da Vera Miranda, servidora que conheci pouco antes de sua aposentadoria, ter sido também servidora do Tribunal. Quanta história teria ela para contar!
Não foram os únicos. A cada busca no SGRH (de potencial entrevistado constando como pensionista – às vezes, recente!), um misto de desilusão e tristeza paira em nossa sala. Porque nos envolvemos com essas histórias, como se eles fossem próximos, como se os tivéssemos conhecido. Porque repassamos tantas vezes os acontecimentos, repetimos tantas vezes esses nomes, recontamos tantas vezes as histórias, que acabamos por formular personalidades, inventar trejeitos, como se estivéssemos criando um personagem de um roteiro, baseado em indícios que temos da realidade. E tentamos, assim, verificar, a partir das informações dadas por nossos entrevistados, se o que visualizamos em nossas cabeças corresponde, ainda que mais ou menos, à verdade. Já erramos várias vezes. A tendência é essa mesmo.
E isso não acontece apenas com servidores ou magistrados. Uma das primeiras pessoas sobre a qual pesquisamos foi o professor Cesarino Junior, precursor do direito do trabalho no Brasil. Figura brilhante e dono de uma biografia invejável. O advogado Agenor Barreto Parente, um dos fundadores da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, homenageado recentemente pelo Tribunal com uma sala dos advogados que leva seu nome, foi outro que nos chamou a atenção. Ele, por sua vez, chegou aos nossos ouvidos ao lado de outros dois grandes nomes da advocacia trabalhista: Ennio Sandoval Peixoto e Rio Branco Paranhos. Pessoas que pareciam incríveis. Daquele tipo que você realmente gostaria de conhecer (falo por mim, ao menos), mas que, com certeza, precisam ter suas histórias contadas.





Infelizmente, não tivemos sorte nesses momentos. Em que descobrimos que pesquisamos tarde demais, que começamos a existir tarde demais, que não temos braços suficientes, tempo suficiente, agenda suficiente… Para fazer tudo o que gostaríamos, no ritmo que gostaríamos. E às vezes acabamos por perder oportunidades. São milhares de histórias a serem contadas – em quanto tempo?
Mas deixo aqui uma ideia. Quem sabe, lá na frente, não podemos contar a história dessas pessoas por meio de outras pessoas? Mas isso fica para um outro projeto.
Somos, no entanto, privilegiados por ainda termos contato com tantas pessoas que ajudaram a transformar aquela pequena Justiça do Trabalho da 2ª Região no maior tribunal trabalhista do país. Pessoas que lutaram, que aprenderam a trabalhar no dia a dia, que enfrentaram as dificuldades que existiam e souberam sair delas e vencê-las. Seremos ainda mais privilegiados se todos eles aceitarem nosso convite de entrevista. E conseguirmos realizar todas elas. Nossa lista é gigantesca. E nosso trabalho, infinito.
Um banco de histórias
A partir do dia 8 de novembro, Dia do Aposentado, o Centro de Memória começa a disponibilizar mensalmente uma entrevista com um servidor ou magistrado aposentado. Cada episódio tem duração de cerca de 10 minutos. E virá acompanhado da transcrição da íntegra da entrevista (cada uma delas tem entre 40 minutos e 3 horas de duração – disponível para consulta, mediante solicitação ao Centro de Memória), além de um artigo, contando um pouco sobre a história de nosso homenageado. No artigo, será ainda possível conferir trechos extras, que acabaram por não entrar na edição final do “Memórias Narradas”, mas que serão separados e disponibilizados dentro deste “Memórias Trabalhistas”.
Queremos, com isso, criar um banco de histórias, disponibilizando, a quem tiver interesse, histórias de diversas pessoas que passaram, em algum momento, pela Justiça do Trabalho, e com ela contribuíram.
Juntam-se ao nosso banco, iniciado com os 17 nomes que participaram do projeto de 2015/2016:
- Luiz da Silva Falcão: conhecido pelo sorriso aberto, Falcão foi servidor do TRT-2 entre 1982 e 2019. Trabalhou no Almoxarifado do Regional, onde conheceu muita gente. Ficou lotado na Presidência durante a década de 80 até tornar-se oficial de justiça, por concurso interno. Teve forte atuação no sindicato, em especial no período que envolveu a mudança das varas trabalhistas para o Fórum Ruy Barbosa e a greve de 2006. Em seus últimos anos no Tribunal, foi diretor de secretaria, tendo se aposentado como diretor da 57ª VT-SP. Ao longo dos anos de Tribunal, acumulou amigos e histórias. Tantas que um vídeo de 10 minutos não deu conta.

Luiz Antonio de Toledo Leite: servidor do TRT-2 entre 1957 e 1990, é filho de Décio de Toledo Leite, um dos primeiros magistrados do TRT-2 (assumiu em 1941 a 5ª JCJ) e presidente do Regional entre 1959 e 1963. É irmão de Décio Luiz de Toledo Leite (outro personagem entrevistado) e Renée Leite Garcia (também entrevistada). Totó, como é conhecido, atuou nas juntas de Campinas (quando a cidade ainda pertencia à jurisdição do TRT-2 e contava com uma única junta), São Paulo e Santos (esta com duas juntas). Foi fundador, ao lado do também servidor Maurício Lenine Pires (mais um que promete nos atender, qualquer dia) da Associação dos Servidores Públicos, que daria origem ao atual sindicato. Contador de causos, mora em Santos.

José Carlos da Silva Arouca: desembargador do TRT-2 entre 1999 e 2005, nomeado pelo quinto constitucional, dr. Arouca foi o quinto colocado do quarto concurso da magistratura. Mas nunca foi nomeado. A causa? Seu possível envolvimento com o Partido Comunista. É por essa história que, ainda hoje, nomeia-se os magistrados respeitando-se a ordem de classificação nos concursos (naquela época, as coisas não eram assim). Atuante advogado sindical, viu-se preterido inúmeras vezes por suas convicções ideológicas. Mas nada que fizesse com que ele desistisse de sua luta. Sempre ao lado dos trabalhadores, defendeu suas causas, conquistou suas vitórias e, em 1999, chegou finalmente ao TRT-2. Era uma espécie de pedido de desculpas do Estado pelo grande erro cometido. Faltava pouco tempo, no entanto, para sua aposentadoria compulsória, aos 70 anos, o que aconteceu em 2005. Foi tempo suficiente para deixar sua marca na Justiça do Trabalho da 2ª Região.

Benedicta Savi: servidora do TRT-2 entre 1963 e 1989, Benedicta foi demitida em 1971 por abandono de emprego. À época, estava exilada no Uruguai, ao lado do juiz do TRT-2 Carlos de Figueiredo Sá, aposentado em decorrência do AI-5, em 1969. Teve um processo administrativo contra si instaurado. Por não comparecer, foi defendida por uma colega. Soube disso em fevereiro de 2019, quando contamos a ela, às vésperas de sua primeira entrevista. Não tinha ideia do que acontecera. Tanto ela quanto Carlos foram reintegrados ao Tribunal, após a anistia. E por isso, todo o período de exílio foi considerado no momento de sua aposentadoria. Ao lado de Carlos, viveu no Uruguai, no Chile, na Argentina, na França e em Portugal. Teve grandes amigos: Darcy Ribeiro, com quem ela e Carlos trabalharam no projeto de um novo código civil, no Chile de Allende – e com quem ela, Benedicta, trabalhou anos depois no Memorial da América Latina; Geraldo Vandré, companheiro de passeatas nas praças chilenas, era outro. Vandré tocava violão na sala de seu apartamento (há gravações disso, por sinal). Mas a história vai além. Benedicta e Carlos não eram do Partido Comunista. Mas apoiavam a causa. No que era possível apoiar. Tinham, ambos, longas fichas no Dops. Conheciam Lamarca e Marighella. Transitavam por um mundo que parece (pra mim, nascida nos anos 80 em uma família da classe média paulistana) irreal. As histórias contadas por ela parecem sair de páginas de livros e deixaram algumas de nossas tardes do mês de fevereiro encantadoramente interessantes. Com aquela vontade de que não tivessem fim.

Maria Antonia Savi: servidora do TRT-2 entre 1962 e 1980, Maria Antonia é irmã de Benedicta. Com uma pasta funcional impecável, foi a “Savi” que restou no Tribunal (isso porque o irmão, Osvaldo, também foi servidor e também foi demitido, assim como Benedicta – mas, no caso dele, com provas forjadas pelo SNI). “Arrimo de família”, como ela própria se qualifica, serviu como sustento e porto seguro dos pais. Cuidou do apartamento de Carlos no Brasil; “recebia” os policiais do Dops na casa da família, quando vinham procurar pela irmã e por Carlos; foi perseguida na rua; prestou depoimentos. Não casou ou teve filhos. Viveu uma vida impecável, inquestionável. Também era assim no Tribunal. Não poderia ser diferente. Qualquer pisada em falso poderia justificar uma ação do governo. A linda senhorinha de 93 anos, com memória invejável, inteligência ímpar e muita opinião, tem também muita história a contar. Por mais que ela própria possa dizer que não.

Floriano Corrêa Vaz da Silva: magistrado de carreira do TRT-2, entrou no Tribunal no terceiro concurso da magistratura. Assumiu em 1961. No ano seguinte, já como juiz-presidente, assumiu a Junta de Ponta Grossa, onde passou por apuros, por ter sido considerado de esquerda. De lá, seguiu para a Junta de Curitiba, onde, nos idos de 1975, tinha a oportunidade de ser promovido por antiguidade, quiçá presidente, no Tribunal que se formava (o TRT-9 seria criado em 1975 e instalado em 1976). Voltou para São Paulo, onde foi promovido apenas em 1984. Em 1998, foi eleito presidente do TRT-2, em um momento delicado, cercado pelo escândalo que envolviam as obras do fórum da Barra Funda. Aposentou-se em 2004.

Decio Luiz de Toledo Leite: servidor do TRT-2 entre 1948 e 1982, Decinho, como é lembrado pelos colegas da época, é filho de Décio de Toledo Leite, um dos primeiros magistrados do TRT-2 (assumiu em 1941 a 5ª JCJ) e presidente do Regional entre 1959 e 1963. É irmão de Luiz Antonio de Toledo Leite (outro personagem entrevistado) e Renée Leite Garcia (também entrevistada por nossa equipe). Apesar de ter entrado como interino, prestou, em 1949, o primeiro concurso de servidores do TRT-2, ainda voltado apenas para o público interno. Foi diretor de secretaria de junta por muitos anos, tendo obtido sua primeira oportunidade quando da nomeação do antigo diretor da 2ª JCJ, Nelson Ferreira de Souza, para magistrado do TRT-2. Nelson Ferreira seria, anos depois, presidente do Regional.

Dayse Conrado Bacchi: servidora do TRT-2 entre 1958 e 1987, Dayse vem de uma tradicional família paulista. Vem daí seu apelido, “A Baronesa”, ainda que ele só tenha chegado a seu conhecimento no dia do contato para a realização da entrevista. Educada e de fala mansa, Dayse viveu seu cotidiano no Tribunal entre os colegas do setor, com quem ainda mantém algumas poucas, porém intensas amizades.

Edison Vieira Pinto: servidor do TRT-2 entre 1964 e 1986, Dedé, como é conhecido, sempre atuou na área administrativa, em especial no setor de Pagamentos. Simpático e sorridente, Dedé foi testemunha de diversos acontecimentos da história do TRT-2. Esteve diretamente envolvido em mudanças, compras, criação de Tribunais (como os TRT-s da 9ª e da 15ª Região), informatização. Conheceu muita gente, sabe de muita história e possui uma capacidade ímpar de transformar tudo em uma deliciosa conversa.

Primeiros resultados
Impossível descrever a sensação de ouvir histórias tão distantes de nós, por quem delas participou. Não pertencemos a essa época. Não éramos nascidos ou, se éramos, não cogitávamos um dia atuar na Justiça do Trabalho. E, ainda assim, elas nos parecem tão familiares. Presentes em nossas loucas conexões e reconexões. Em nosso trabalho diário de ligar pontinhos e montar quebra-cabeças.
Ouvir cada um de nossos entrevistados é uma viagem. No tempo e no espaço. Às vezes, vivemos como em uma realidade paralela, em que Geraldo Vandré toca violão na sua sala e participa de manifestações com você. Ou que você se pega dirigindo por horas a fio com ninguém menos que Carlos Lamarca abaixado no banco de trás do seu Fusca.
Vivemos um passado distante em que a cidade era pequena, o trânsito, quase inexistente, o que permitia trabalhar em uma cidade, morar em outra e fazer faculdade em uma terceira. Tudo em um mesmo dia.
Vivemos o dia a dia de quem não compreendeu como tudo mudou. E que se viu perdida quando as pessoas deixaram de se conhecer, as festas acabaram e a grande família existente ficou dispersa pelo meio do caminho.
Porque em uma época de um Tribunal de proporções tão menores… era uma grande família. Que aproveitou tudo o que existia disponível no momento. Que trabalhou muito. Com os poucos recursos existentes. Que contava com ninguém menos a não ser o outro. Porque sabia que o outro estaria ali, sempre. E por isso dedicou-se. Ao Tribunal, ao seu colega, ao seu serviço, aos jurisdicionados. E assim fez história. História essa que a gente tenta contar um pouquinho agora.
Nosso projeto, no entanto, não tem fim – e isso já mencionei. Nossa vontade de continuar as entrevistas, muito menos. Mas gostaríamos de incluir você também. Por isso, deixamos aqui um convite a você, caro colega. A você que conhece alguém que tenha histórias para contar, que tenha causos relacionados ao Tribunal, que tenha participado de grandes momentos do Regional. Alguém que tenha ajudado na construção dessa história e que poderia conversar com a equipe do Centro de Memória.
Deixe sua indicação de colega aposentado aqui embaixo, nos comentários – servidor, magistrado ou advogado.
Toda sugestão é sempre muito bem-vinda. Afinal, esta aqui também é uma construção coletiva.
E não perca. A partir do dia 8 de novembro, o “Memórias Narradas”. O primeiro episódio com o servidor recém-aposentado Luiz da Silva Falcão. Exemplo de alegria, perseverança, amizade, dedicação e simpatia. Nosso primeiro entrevistado. E que delícia de entrevista.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.
Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.
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