O dia 21 de abril é uma data comemorada por diversos motivos, o mais conhecido deles é o Dia de Tiradentes, em homenagem ao inconfidente mineiro executado nessa data, em 1792. O dia também é reservado para comemorarmos algumas categorias laborais, entre elas, uma muito importante, que ajudou a forjar o direito trabalhista no país, além de ter desafiado diretamente a ditadura, ajudando a preparar o terreno para a redemocratização: os metalúrgicos.
Antes de iniciar esta narrativa, tenho que fazer uma observação: este é um texto panorâmico. Seria impossível esmiuçar todas os eventos aqui levantados, suas origens e resultados, assim como explorar a contento os períodos históricos envolvidos. Paradoxalmente, é um texto um pouco longo, dada a quantidade de assuntos abordados. Por isso, peço desculpas e paciência para quem se aventura a lê-lo. Gostaria de dizer aos corajosos que aceitarem essa empreitada que o considerem como uma faísca: ela pode servir de ignição para acender a curiosidade de vocês, incentivando-os a conhecer um pouco mais sobre a história dessa categoria que é resiliente como aço.
Dos engenhos de cana aos engenhos de ferro
Embora nosso país seja extremamente rico em minério de ferro (estima-se que as jazidas nacionais sejam responsáveis por abrigar cerca de 8,3% de todo o minério de ferro do planeta), e o Brasil ocupar hoje a quinta colocação na produção de ferro mundial, o interesse pela metalurgia em nosso país logo após o seu “descobrimento” não foi dos mais promissores.
Afonso Sardinha descobriria ainda no século XVI jazidas de ferro em Iperó, no interior paulista, fundando ali a primeira forja no país em 1591. No entanto, o pouco interesse da Coroa portuguesa na produção e beneficiamento de ligas metálicas que não fossem o ouro e a prata desestimularam a exploração do setor. Outras forjas rudimentares, semelhantes à de Sardinha, foram construídas em Minas Gerais e na Bahia, não logrando produção representativa.

O Tratado de Methuen, de 1703, seria o prego definitivo a selar o caixão da precoce iniciativa siderúrgica do país, uma vez que Portugal se comprometia com a Coroa inglesa na importação de bens manufaturados britânicos, dentre eles, ferro forjado.
Com a crescente decadência do ciclo da cana-de-açúcar e a mudança do vetor de exploração econômico para os metais preciosos no século XVIII, as jazidas de ferro começariam a ter algum espaço novamente.
No início do século XIX, surgiram novas fundições no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Os engenhos de cana, que tinham suas benfeitorias utilizando basicamente madeira, salvo os tachos e utensílios de cobre, cedia espaço para a mineração, principalmente de metais preciosos, mas também de uma metalurgia rudimentar, que tentava parcamente sustentar a demanda nacional. No Vale do Paraíba, engenhos decadentes de cana agora coexistiam com os “engenhos de ferro”.

A Companhia Siderúrgica Nacional
Se durante o final do período colonial e início da Monarquia o Brasil ainda engatinhava na siderurgia e metalurgia, na República era necessário aquecer mais os fornos. A produção de ferro no país era fundamental para que se pudesse desenvolver um parque industrial robusto, possibilitar insumos necessários para infraestrutura (como estradas de ferro e pontes), além de fomentar a construção civil e bélica. Eram fatores fundamentais para que o país abandonasse os resquícios e grilhões de um país colonizado, escravista e agrário, e se inserir no contexto mundial como potência industrial.
No Estado Novo, a implantação de uma siderúrgica nacional havia sido colocada como um dos objetivos do governo getulista. Levantada a bandeira de defesa da soberania nacional e de desenvolvimento industrial, o tema foi abraçado por militares e governo como horizonte necessário. A implantação de uma siderúrgica nacional seria o símbolo do Brasil do futuro, representação material de um país que ensaiava seu desenvolvimento econômico e social. Assim, a promessa de uma nação industrializada e mais próspera estava, de certa forma, fundida ao aço que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) produziria.
Há de se ressaltar que o Brasil ainda sofria com os impactos da crise do café, tentando redirecionar e adaptar sua economia para uma vertente mais industrial. Assim, embora a CSN tenha iniciado efetivamente suas atividades em 1946, após o fim do Estado Novo, sua idealização ocorreu ainda durante o governo Vargas, no final de 30 e início de 40, sendo sua fundação datada de 1941.


A CSN nasceu também com um viés peculiar, a de cidade-fábrica, onde os trabalhadores viveriam em moradias subsidiadas pelo Estado, nas imediações da usina. A cidade contaria com serviços e facilidades, demonstrando um interesse do governo em implantar um modelo de bem estar social para os trabalhadores que ali laboravam. Os metalúrgicos seriam o modelo do brasileiro moderno: operários inseridos em uma sociedade industrial e de consumo. No entanto, como a siderúrgica era o “metal” mais precioso dentre as estatais da época, o controle político sobre seus trabalhadores também era grande.




Uma situação de paradoxo entre condições de trabalho progressistas e sociais autoritárias era desenhada em torno das caldeiras. Isso fomentaria ao mesmo tempo um grupo de trabalhadores extremamente unificado, conscientes de suas necessidades e direitos, mas sob vigilância constante. Esses fatores são muito importantes de serem observados, uma vez que a categoria dos metalúrgicos seria protagonista de diversas lutas por direitos para todos os trabalhadores. A própria CSN seria palco dessa luta, em um futuro um pouco distante da década de 1940.





São os lingotes e chapas de aço produzidos na CSN que sustentam as armações da ponte Rio-Niterói, as asas da cidade de Brasília e os trilhos de ferro construídos pelo país após a década de 50. É pelo ferro quente da CSN que as primeiras fábricas de automóveis seriam instaladas no interior paulista e no grande ABC. O aço e ferro da CSN correria pelas veias das maiores cidades do Brasil.



“50 anos em 5”
Com Juscelino Kubitschek (JK), presidente do Brasil entre 1956 e 1961, a indústria local foi colocada como um dos alicerces do governo. A famosa frase, “50 anos em 5” estava ancorada fortemente no desenvolvimento industrial e na criação de uma infraestrutura abrangente de transportes. Assim, a implantação da indústria automobilística no país coincidia perfeitamente com os projetos de JK.
Com os inícios das atividades da Companhia Siderúrgica Nacional em 1946, e da Fábrica Nacional de Motores, em 1942, tínhamos o terreno fértil para o desenvolvimento da indústria metalúrgica do país. Fábricas de autopeças já começavam a produzir e fomentar minimamente o mercado brasileiro. O governo JK, empenhado no desenvolvimento da indústria autóctone, cria o Grupo Executivo da Indústria Automobilística, em 1956, com planos de restrições na importação de veículos.
Com o plantel de automóveis e caminhões já antigos, necessitando ser substituídos, a demanda nacional teria que ser suprida com produtos fabricados e montados em terras tupiniquins, com ferro brasileiro. Surgiriam na segunda metade da década de 50 as primeiras fábricas de automóveis no Brasil: Romi-Isetta, em Santa Bárbara d´Oeste (1956); Mercedes Benz (1956) e Volkswagen (1959), em São Bernardo do Campo.




No final da década de 50 e começo de 60, a categoria dos metalúrgicos começa a se desenhar melhor. Um maior número de trabalhadores que compartilhavam uma identidade, em uma indústria em expansão, moderna, em contato também com ideias novas, reivindicava com força e unidade direitos e conquistas. E esses direitos e conquistas eram almejados por outros trabalhadores de ofícios mais tradicionais, que ainda não estavam plenamente inseridos no contexto de uma sociedade industrial. A solidariedade e a busca de melhores condições de trabalho e de vida unia os metalúrgicos a outras categorias, como as ligas de metais que enrijecem e deixam o aço mais resistente.
O ano de 1963 e a Greve dos 700 mil
A instabilidade política que sucedeu o governo JK reverberava nas estruturas sociais e econômicas do país em 1963. João Goulart equilibrava-se para se manter no poder: de um lado, trabalhadores cobravam o cumprimento das reformas de base; do outro, setores conservadores cobravam uma política menos alinhada ao temido comunismo.
E os trabalhadores pressionavam o governo de Jango por meio de greves. E 1963 seria um ano repleto delas. Também seria um ano de muita repressão, antecipando a sombra do golpe militar que se aproximava. Em Ipatinga, Minas Gerais, no dia 7 de outubro, metalúrgicos da Usiminas protestavam em um dos portões da usina por melhores condições de trabalho e pelo fim das revistas, ao entrarem e saírem da fábrica. A polícia militar mineira, em dado momento, abriria fogo contra os manifestantes. O confronto legou pelo menos sete mortos e muitos feridos. O evento ficou conhecido como o “Massacre de Ipatinga”.


Diversas categorias paralisariam no decorrer do ano, até desembocar em um movimento massivo em outubro: a Greve dos 700 mil. Os metalúrgicos teriam grande protagonismo ao lado dos têxteis e de inúmeras outras categorias nesse grande levante. A greve congregaria trabalhadores de diversos segmentos, em uníssono por melhores condições salariais, liberdade de organização e pressão pelas reformas de base. Confrontos entre trabalhadores e o Estado eclodiram por todo o país.




Embora ao fim do movimento grevista os trabalhadores tivessem conseguido ser atendidos no pleito de aumento salarial, não alcançariam seu pedido de reconhecimento da Central Nacional dos Trabalhadores da Indústria como entidade representativa de todos os operários, tampouco a execução plena das reformas de base prometidas. Essa seria a última greve antes de um grande golpe desferido contra a sociedade e os trabalhadores. O ano de 1964 inauguraria um longo e duro período da nossa história.
A Lei Antigreve: rigidez e repressão
Em 1964, com a instauração do regime militar e a edição da Lei nº 4.330, também conhecida como “Lei Antigreve”, um novo levante de expressão significativa por parte dos trabalhadores parecia distante de ser desenhado. Isso porque as condições para que uma greve fosse considerada abusiva eram tantas que praticamente toda paralisação poderia ser considerada ilegal com facilidade e amparo jurídico.
Dentro desse contexto, com as negociações salariais sendo tuteladas pelo Estado Militar, que aplicava um plano focado no arrocho do salário mínimo e no cerceamento ao direito de greve, o valor real do salário dos trabalhadores mitigou com os anos. A diretoria de diversos sindicatos foi colocada sob intervenção do Estado, limitando ainda mais a capacidade de organização dos trabalhadores.
Os movimentos de 1968: os metalúrgicos enfrentam a ditadura e a Lei Antigreve a ferro e fogo
Mesmo que no campo político e jurídico as condições não fossem favoráveis, as condições materiais do dia a dia dos trabalhadores demandavam posicionamento. Assim, em 1968, metalúrgicos da Siderúrgica Belgo-Mineira, em Contagem, e da Companhia Brasileira de Material Ferroviário (Cobrasma), em Osasco, realizaram o que seriam consideradas as primeiras grandes greves após o golpe militar. Ambos movimentos grevistas reivindicavam melhores salários e maior liberdade de organização, desafiando diretamente a Lei Antigreve e a política de arrocho salarial do regime.
A Greve de Contagem
A Greve de Contagem iniciou-se com a paralisação de cerca de 1.200 metalúrgicos, em 16 de abril de 1968, espalhando-se rapidamente para os eletricitários e para os operários da Mannesman, maior metalúrgica de Minas Gerais até então. O movimento ganhava força, repercussão e apoio de outros trabalhadores. Contagem, à época, possuía cerca de 30 mil habitantes; destes, por volta de 18 mil eram operários. A cidade era um dos principais centros industriais de Minas Gerais.
Contagem teve um rápido desenvolvimento industrial, fomentado em grande parte pelas metalúrgicas ali instaladas. Destarte esse desenvolvimento, os baixos salários e a pouca atenção do governo legava aos operários da cidade uma vida de muita penúria: pouco poder aquisitivo associado a quase nenhuma estrutura de serviços públicos. Soma-se a isso a política de arrocho salarial e estava formado o que era necessário para que os trabalhadores se insurgissem contra os patrões e o Estado.



O regime militar interviu diretamente. O coronel Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, chegou a enfrentar e ameaçar diretamente os metalúrgicos que haviam iniciado a greve. Talvez pela grande simpatia da população local ao movimento, a repressão não tenha tomado contornos mais violentos, como ocorrera em Ipatinga em 1963. Passarinho chegou a dizer que não estava lá para “fabricar cadáveres” e nem mesmo para ser um – talvez em alusão ao massacre de Ipatinga, que marcara a memória dos metalúrgicos mineiros.


Com a ação das forças policiais na cidade industrial, em 24 de abril o movimento já havia dispersado. Os trabalhadores conseguiram, no entanto, lograr êxito em suas demandas salariais: a ditadura, contrariando a própria regra do arrocho salarial, dá um abono, para todos os trabalhadores do Brasil, de 10%. O ministro do Trabalho e o regime ditatorial haviam se curvado diante da vontade férrea dos metalúrgicos. Mas se dobrariam uma segunda vez?

A Greve de Osasco
Em 16 de julho, exatos três meses após a Greve de Contagem, a sirene no pátio da Cobrasma, em Osasco, emitia seu canto para informar que a fábrica estava paralisada e tomada pelos trabalhadores. Conhecida na época como “cidade trabalho” dado o grande número de indústrias, Osasco pararia naquele dia 16 e seria palco do último grande movimento grevista da década de 60.
O jovem José Ibrahim, então com 20 anos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Osasco, teria sido um dos maiores responsáveis pela organização do movimento que parou os tornos e máquinas da Cobrasma. Ibraim, assim como muitos outros trabalhadores, foi perseguido e preso pelo regime militar. Em 1969 seria um dos líderes sindicais a ter sua liberdade negociada no sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick: o diplomata fora sequestrado por membros da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), que exigiam a libertação de presos políticos, dentre eles, José Ibraim. Banido do território nacional em 1969, Ibrahim retornaria apenas 10 anos depois ao país. Ao seu regresso, seria um dos protagonistas na rearticulação do movimento sindical e da fundação do Partido dos Trabalhadores. Ibrahim faleceu em 2 de maio de 2013, com 66 anos.



A Greve de Osasco contou com a participação de estudantes (como o próprio Ibrahim) e de membros da Igreja, congregando inclusive diferentes vertentes (algumas dissidentes) do movimento sindical. Intelectuais, trabalhadores e igreja se juntavam em um movimento que buscava melhores condições de vida para os operários explorados.
Outro elemento interessante do movimento ocorrido em Osasco, em 1968, é a participação da Comissão dos Dez, considerada por muitos estudiosos como a primeira comissão de fábrica do Brasil. A Comissão dos Dez da Cobrasma foi um grupo eleito pelos metalúrgicos dos dez setores de produção da usina (daí o nome), como representantes deles perante a diretoria da empresa. O grupo foi formado em 1962, clandestinamente, após a morte trágica de um operário no setor dos altos fornos da Cobrasma.
Inácio Pereira Gurgel, o “operário-poeta”, um dos membros da Comissão dos Dez, sintetiza muito bem o que foram aqueles anos de luta e da vanguarda osasquense por melhores condições de trabalho em um de seus poemas.
A Comissão dos Dez foi trabalho de expressão!
Refeitório, Prêmio de Insalubridade
E o Prêmio de Produção!
Valei, Nossa Senhora!
Se mandassem alguém embora,
A turma virava ‘o cão’!
Estudantes universitários
Uniram-se aos operários
E a ditadura tremeu!
Muitos, então, foram mortos,
Deram a vida por amor!
Gritaram para o mundo inteiro,
Defendendo os brasileiros
E na luta ficou!
Muitos intelectuais vieram em nossa defesa,
Na coragem da esperança,
Na esperança da certeza!
A Igreja com ação e preces,
Para que a gente tivesse o sagrado pão na mesa!(poema de Inácio Gurgel, retirado da tese de Marta Gouveia de Oliveira Rovai, intitulada “Osasco 1968: A greve no feminino e no masculino”, defendida em 2012)
A notícia de que os metalúrgicos mais uma vez desafiavam as diretrizes do governo se espalhava, incentivando outros trabalhadores a também cruzarem os braços. A Braseixos, Barreto Keller, Lonaflex e Fósforos Granada também paralisariam parte de sua produção. Cerca de 22 mil operários aderiram ao movimento, enfrentando mais uma vez a Lei Antigreve e a ditadura.

Na tarde daquele dia 16, representantes da Delegacia Regional do Trabalho da 2ª Região fizeram proposta de compor uma mesa redonda para discutir os termos do fim da greve. O jovem Ibrahim sugeriu que fosse feita a discussão em assembleia, nos pátios da Cobrasma, com a presença da Delegacia Regional do Trabalho e de representante dos empregadores.
Os pedidos dos trabalhadores, que não eram simplesmente o aumento de 35% do salário, mas também pleitos específicos dos operários da Cobrasma, não encontrariam adesão junto aos patrões. Muitos dos pontos ali reivindicados já constavam no Dissídio Coletivo nº 189 de 1967, julgado pelo TRT-2 no ano anterior, oportunidade na qual foram negadas. Não chegando a um acordo mais uma vez, a Delegacia Regional do Trabalho da 2ª Região declara a greve ilegal, no mesmo dia em que ela havia sido iniciada.



O governo federal prontamente colocou policiais em cerco, para sufocar rapidamente o movimento antes que tomasse maiores proporções: assim como em Contagem, os militares também intervieram na Cobrasma. No entanto, diferentemente da ação ocorrida na Usiminas, a Polícia Militar paulista agiria à noite, no mesmo dia em que a greve havia se iniciado. Com força e velocidade, atingiram os núcleos grevistas, resultando em mais de 400 trabalhadores presos. Osasco ficou sitiada, em um cenário de conflito, onde um dos lados segurava armas e o outro, ferramentas. Como resultado, a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Osasco foi destituída e colocada sob intervenção do governo. Se na greve de Contagem os metalúrgicos haviam conseguido lograr algum êxito, em Osasco os trabalhadores não conseguiriam nenhuma de suas reivindicações atendidas.






Embora tenha sido sufocada rapidamente pela ditadura, resultando na destituição de seu sindicato, diversas prisões e perseguições, a Greve de Osasco demonstrou uma organicidade e complexidade que seria referência nacional e internacional para os movimentos operários, e base para o movimento que eclodiria novamente no final da década de 70.
Tempo para fortalecer o aço
Os movimentos de 1968 ecoaram pelo chão de fábricas do Brasil todo. Outras paralisações, inclusive em Contagem novamente, em outubro daquele ano, colocaram o regime militar em estado de alerta. Não apenas no Brasil, mas em vários países, 1968 foi um ano de luta e demonstração dos anseios do povo por melhores condições de vida, de trabalho e por mais liberdade. Era preciso agir, impedir que os descontentes se organizassem. E a ditadura agiria.
“Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência“, declarava Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, em reunião que precedeu a implantação do Ato Institucional nº 5. Não só a consciência e os escrúpulos foram às favas, qualquer resquício de pudor e respeito pela democracia foram juntos.

O AI-5, representação material do recrudescimento do controle estatal, a resposta do governo aos descontentes com o regime, lançava em um horizonte distante qualquer possibilidade de questionar ou ferir a ditadura. Mais uma vez os trabalhadores pareciam ter sido subjugados, silenciados, e colocados em seu lugar: o chão de fábrica.
Apesar dos movimentos ocorridos em 1968 terem sido em sua maioria derrotados, eles não foram infrutíferos: eles eram o calor necessário para manter a forja acesa. Uma nova grande greve seria moldada nos tornos e martelos dos metalúrgicos, mesmo que demorassem 10 anos para que aquele aço ficasse pronto, rígido para atacar novamente o governo ditatorial.
Dez anos depois, a Greve da Scania
Era madrugada do dia 12 de maio, uma sexta-feira. Na fábrica da Scania em São Bernardo do Campo, na Seção de Ferramentaria, as máquinas se emudeceram. Pouco a pouco, o silêncio tomou o lugar do zunido dos tornos das outras seções. Martelos não ressoavam no metal, o maçarico não faiscava. O silêncio reinava absoluto na fábrica, sem o tilintar das chapas e barras de aço. Dez anos depois do levante de Contagem e Osasco, os metalúrgicos mais uma vez cruzariam os braços, desafiando os militares na primeira grande greve pós-AI-5.

Uma greve repentina, iniciada às vésperas do final de semana. Uma situação tão improvável que até mesmo dirigentes sindicais colocariam em dúvida seu sucesso. Como manter uma greve durante o final de semana? Gilson Menezes, metalúrgico ferramenteiro da Scania, seria um dos principais articuladores do movimento colocado em descrédito por muitos. “Eu cheguei no sindicato [dos metalúrgicos] na quinta e disse que na sexta nós iríamos parar a Scania. Teve companheiro que não acreditou e alguns nem me deram muita atenção. Mas eu sabia que tinha de fazer aquilo”, lembra Gilson, falecido em fevereiro deste ano.

Contrariando as expectativas, a greve vingaria. Outras grandes fábricas metalúrgicas também parariam, como a Volkswagen e a Ford. Elas eram responsáveis pela produção de carros coqueluche da época, como o Passat e o Corcel. A notícia da greve na Scania derramava para outras fábricas, para outros estados, tal qual metal derretido vertendo das caldeiras. Os trabalhadores do Brasil eram incentivados novamente a se posicionar rigidamente por seus direitos.

Os metalúrgicos da Scania mantinham sua posição firmemente. A proposta de aumento oferecida pelo sindicato patronal de 6,5%, foi rejeitada: o pleito deles era de 20%. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tentava legar aos sindicatos dos trabalhadores a organização do movimento grevista, com o intuito de enquadrar o movimento como ilegal e responsabilizar seus dirigentes.
Os sindicatos dos metalúrgicos, por sua vez, alegavam que fora uma inciativa dos trabalhadores da Scania, e que poderiam no máximo mediar o conflito, mas não definir o fim da greve: isso dependia da decisão dos próprios metalúrgicos que haviam iniciado ela. Naquele momento, o ministro do Trabalho, Arnaldo da Costa Prieto, já bradava aos jornais que a greve era ilegal. Em julgamento, o TRT-2 endossaria a posição do ministério.



Ainda que em 18 de maio a decisão do Tribunal tenha considerado a greve ilegal, seis dias após a primeira paralisação na ferramentaria da Scania, o movimento, mesmo perdendo um pouco de força, perduraria por mais uma semana. Os trabalhadores da Scania insistiam na negociação do valor oferecido a título de aumento, questionando os índices oficiais do governo que o balizavam. Um braço de ferro entre metalúrgicos e patrões.
Ao fim de duas semanas de greve, o resultado: o sindicato patronal ofereceu um aumento de 15%, muito mais próximo dos 20% almejados pelos metalúrgicos da Scania, que foi aceito pelos trabalhadores. A greve aparentemente tinha acabado. Pelo menos aquela. Muitas outras eclodiriam ainda naquele ano.
Os relatos dessa importante greve podem ser vistos documentalmente no Dissídio Coletivo nº 99 de 1978, que consta em nosso acervo. A greve da Scania marca seu lugar na história por ser a primeira de uma série de greves que questiona o já fragilizado regime ditatorial. Os militares haviam perdido uma parcela considerável de seus simpatizantes, o movimento pela anistia ganhava força, já era quase real. Balbuciavam pelas ruas alguma coisa sobre “eleições diretas”, e, agora, os trabalhadores começavam a perceber novamente a força que tinham, como as engrenagens que de fato mantinham o Brasil em movimento. Aquele era o início de uma série de levantes, o calor necessário para fabricar o aço que fosse capaz de ferir a ditadura.
A Greve Geral de 1979
Em 1979, metalúrgicos do ABC parariam mais uma vez. Era 13 de março, João Baptista Figueiredo assumiria a Presidência do Brasil no dia 15 e já encontraria um grande problema pela frente. Os trabalhadores do ABC reivindicavam, mais uma vez, reajuste salarial independente do índice oficial apresentado, que já havia sido colocado em xeque, “maquiado” para que a política de arrocho salarial fosse mais eficiente. O reajuste pleiteado era de 78,1%. Estudos da FGV apontam que, no final da década de 70 e começo de 80, a inflação no país já passava dos 100% por ano.
A greve geral daquele ano alcançaria mais de 200 mil trabalhadores, dentre todas as categorias, contando com o apoio da Igreja, de grande parte da população, de jornalistas e de artistas. São Bernardo se tornaria o centro político do país e a haste férrea que apontava diretamente para o coração da ditadura.
Essa greve representa também a ascensão de uma grande figura política do Brasil, mesmo que controversa. Luiz Inácio da Silva já era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1978, mas sua participação naquela greve havia se limitado a representar o sindicato nas reuniões. Talvez por estratégia, tenha legado a organização daquela greve aos próprios trabalhadores da Scania, encabeçados pelo diretor de base, Gilson Menezes. No entanto, na greve geral de 1979, Lula estaria nos holofotes.

Aproveitando o aprendizado da greve da Scania, e dos movimentos de Osasco e Contagem na década anterior, o Sindicato dos Metalúrgicos traçou sua estratégia pensando em uma possível repressão mais violenta por parte do Estado, aos moldes do que ocorrera em 1968. Como a greve de agora havia sido “anunciada” com antecedência, não contaria com o elemento surpresa de 1978, à exemplo da Scania, o que também deveria ser tomado em consideração. Auspiciando um embate longo, pela primeira vez foi realizado um fundo de greve, para proteger aqueles que lutavam pelos direitos de todos os trabalhadores. Os alimentos eram guardados e distribuídos nas sedes de sindicatos e na igreja matriz de São Bernardo do Campo, demostrando também o engajamento da comunidade religiosa ao movimento.
Com o intuito de por fim ao movimento, a Fiesp ofereceu proposta de 44 a 63% de aumento, escalonado entre diferentes margens salariais. A tratativa foi feita diretamente com a Federação dos Metalúrgicos, o que criou uma celeuma entre os Sindicatos do ABC e os do interior do estado: mesmo que os sindicatos do interior, por meio da Federação, aceitassem o acordo, o ABC paulista continuaria firme na sua proposta. A greve ainda estava de pé.

Diante da negociação e da adesão dos sindicatos do interior do estado com a Fiesp, o TRT-2 declara a greve ilegal, em julgamento ocorrido em 14 de março de 1979, determinando o retorno imediato da produção. É possível ver na certidão de julgamento que a pauta de pedidos era extensa, indo bem além da mera reposição salarial. Muitos itens da pauta reivindicatória foram concedidos aos metalúrgicos, mas o não reconhecimento de um em especial, o da figura do delegado sindical, incomodava o sindicato do ABC, que continuaria em greve, contrariando a decisão do Tribunal.



Há de se considerar que aquele movimento de greve não era exclusivo dos metalúrgicos do ABC, caso o fosse, não teríamos a chamada greve geral. Por todo o Brasil diversas categorias estavam em greve: padeiros, professores, bancários, motoristas, jornalistas. O Dissídio Coletivo nº 48 de 1979, gerado a partir dessa greve dos metalúrgicos do ABC, possui mais de 50 folhas com comunicados de diferentes empresas que aderiram ao movimento. Há cerca de 30 folhas anexadas de reportagens da época, relatando greves das mais variadas categorias. E nessas greves havia também protestos de apoio aos presos políticos, contra a censura, por mais liberdade sindical, por eleições diretas. Toda sorte de trabalhadores e toda a sociedade de alguma forma estava atenta aos metalúrgicos do ABC e sua teimosia, que mais uma vez levantava seu martelo contra o governo militar.
No domingo (18 de março), no estádio da Vila Euclides, cerca de 80 mil trabalhadores em assembleia decidiram continuar a greve. Na segunda-feira, a repressão seria forte por parte dos militares. Milhares de policiais ocupariam São Bernardo. As diretorias de três sindicatos seriam depostas em 23 de março, com intervenção federal.


No dia 27 de março, foi proposta uma trégua por parte dos trabalhadores: 45 dias. Em uma decisão inusitada, os trabalhadores resolveram voltar ao trabalho, resguardando seu fôlego para o futuro. A diretoria dos sindicatos, mesmo destituída, continuaria a mobilizar os trabalhadores: nos portões das fábricas, nas ruas, na igreja matriz de São Bernardo do Campo. Lula, o maior nome por trás daquela greve, pediria um voto de confiança aos metalúrgicos para retomar as negociações, mesmo que afastado do cargo de presidente do sindicato. A greve ainda estava no horizonte, a depender de como as propostas fossem forjadas.

As tratativas entre os sindicatos e a Fiesp pareciam caminhar bem, com a mediação do próprio Ministro do Trabalho, Murilo Macedo, que havia assumido o ministério na posse de Figueiredo. O tom positivo das negociações muda um pouco quando o prazo final da “trégua” se aproxima.
Chegava o dia 1º de maio, data de comemorações entre os trabalhadores. Seria no mês de maio também que acabaria o prazo das negociações. No estádio da Vila Euclides, mais de 100 mil pessoas participaram das comemorações e de um ato em favor dos metalúrgicos. “Não seremos mais instrumentos de ninguém”, declarava Lula. Era esse o recado que os trabalhadores tinham para dar: se fosse necessário, a greve voltaria. Figueiredo e Macedo endureceram o discurso, dizendo que não tolerariam greve pela greve, que a lei seria aplicada. Mesmo em um momento em que se discutia francamente a reabertura democrática, espectros opressivos ainda se apresentavam no discurso dos militares responsáveis pela “transição gradual”.



E as greves pelo Brasil em 1979 ainda continuariam. Em menos de dois meses de governo, Figueiredo e Macedo já teriam enfrentado mais de 100 delas pelo país. Deixar que os grevistas do ABC ganhassem força novamente feria o orgulho do governo militar e os bolsos dos industriais, além de incentivar que outros movimentos se formassem. Diante da posição firme dos trabalhadores do ABC, o discurso duro e acusativo do governo se esmorece nas marteladas dos metalúrgicos, e se torna maleável novamente, sem opções a não ser se dobrar e negociar.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), juntamente com a Fiesp, e amparados pelo governo, apresentariam nova proposta: 63% sem escalonamento. A intervenção nas diretorias dos sindicatos dos metalúrgicos também seria encerrada, com a restituição de seus antigos líderes.

O ânimo dos metalúrgicos estava rejuvenescido, e a longa greve chegava ao fim. As vitórias conquistadas nesse embate fortaleciam a voz dos trabalhadores dos tornos e caldeiras, que se posicionavam como a maior força a ser reconhecida pelo governo militar, já enfraquecido.
No entanto, greves ainda eclodiriam em 1979, e o poder repressivo que se intimidou diante do grande número de metalúrgicos do ABC não exitaria em ser aplicado em outros movimentos menores.
Em outubro daquele mesmo ano, em uma greve que já estava em seu final, o metalúrgico Santo Dias é alvejado por um policial militar em um piquete em frente à fábrica Sylvania. O tiro fatal era o lembrete de que apesar das vitórias de 1979, ainda viriam muitas lutas onde o aço e o ferro dos metalúrgicos seriam necessários.

A greve que marca um novo ciclo
Embora os movimentos grevistas de 78 e 79 tivessem conseguido aprovar parte de suas pautas, a principal vitória foi a reorganização dos trabalhadores e provar que o regime ditatorial já se enfraquecia. Naquele momento, o movimento pela anistia também atacava diretamente o governo, agregando diversos setores da sociedade brasileira, antes simpáticos ou indiferentes à ditadura.
Com os resultados e experiências das greves de 79, o governo militar também se preparava. Estabeleceu novo índice para cálculo dos aumentos dos ordenados, balizado pelo INPC, e de acordo com faixa salarial. Os trabalhadores entenderam que essa seria uma forma de impedir as negociações diretamente com os patrões.
Apesar do novo índice estabelecido pelo governo, nas tratativas entre metalúrgicos e o patronato que se iniciaram em 18 de março de 1980, os trabalhadores tentavam driblar o INPC, reivindicando um aumento acima da tabela oficial. Além desse reajuste, a lista de pedidos da categoria pleiteava estabilidade de emprego, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, aprovação de um piso salarial, dentre muitas outras reivindicações.
Não havendo acordo com a Fiesp, os metalúrgicos em assembleia, no dia 20 de março, decidiram por paralisar o trabalho em 1º de abril. Em São Bernardo do Campo, estima-se que pelo menos 90% dos metalúrgicos aderiram à greve. O movimento também foi acompanhado por todas as outras cidades do ABC e diversas do interior paulista, com paralisações parciais e gerais.

No mesmo dia em que a greve se iniciava, o Dissídio Coletivo nº 58 de 1980, já era julgado. Dada a impossibilidade de acordo entre os metalúrgicos e a Fiesp, o TRT-2 elabora uma proposta conciliatória, um meio termo entre as duas propostas divergentes. A Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região emitiria parecer considerando a greve ilegal. Apesar disso, em um primeiro momento, os desembargadores do TRT-2 declararam que não cabia ao Tribunal avaliar a legalidade da greve.



Diante da conciliação proposta pelo TRT-2, os trabalhadores de algumas cidades, principalmente aqueles do interior paulista, retornariam aos seus trabalhos. Não obstante os termos sugeridos pelo Tribunal representassem ganhos em relação àqueles da proposta patronal, os metalúrgicos do ABC paulista continuariam em greve. A partir de 10 de abril, os trabalhadores de São Caetano do Sul retornariam paulatinamente ao trabalho nas fábricas, diminuindo a quantidade de participantes no movimento.

No dia 11 de abril, foi tentado restabelecer uma segunda negociação, para colocar fim de vez à paralisação em todo o ABC. No entanto, as tratativas seriam interrompidas, uma vez que no dia 14, no julgamento do Dissídio Coletivo nº 64 de 1980, motivado pela Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, o TRT-2 declararia a greve como ilegal.


A declaração da ilegalidade da greve era fator importante para que se pudesse reprimir com forças policias o movimento. Se em 1979 Murilo Macedo havia destituído as diretorias dos sindicatos, mas permitido que os diretores afastados pudessem ainda, de alguma forma, estar em contato com os trabalhadores, ele não cometeria o mesmo erro em 1980. Em 17 de abril ocorreria as intervenções nos sindicatos e dessa vez, os diretores e principais lideranças seriam presos, enquadrados na Lei de Segurança Nacional.





O efeito moral da repressão, no entanto, foi contrário àquele esperado pela ditadura. Os metalúrgicos continuariam em greve.
Enquanto o Estado continuava a limitar os locais onde os trabalhadores podiam se encontrar e fazer assembleias, uma vez que as sedes dos sindicatos estavam sob intervenção, o Paço Municipal de São Bernardo fora bloqueado e os trabalhadores impedidos de utilizar o estádio Euclides da Cunha, os metalúrgicos procurariam outros espaços: associações de bairro e igrejas cederam seus espaços, criando empatia e proximidade com outros trabalhadores e a população. A Igreja Matriz de São Bernardo do Campo seria o principal ponto de encontro dos metalúrgicos e das pessoas simpáticas à causa.

Com as ameaças de demissão por abandono de emprego e com o desgaste do movimento, que já se aproximava dos 30 dias, muitos trabalhadores voltaram aos seus tornos e máquinas no ABC paulista. Ainda assim, no dia 1º de maio, apesar de o governo militar ter proibido a manifestação, cerca de 100 mil metalúrgicos em passeata retomaram o estádio Euclides da Cunha, que havia sido fechado para os trabalhadores. Impossibilitados de agir contra tantas pessoas, a ditadura silenciosamente observava a movimentação do estádio e das ruas em torno da matriz, “autorizando” agora a manifestação, receosa que uma ação mais enérgica pudesse causar mais fissuras à sua imagem. Mas será que o fogo ainda ardia nas caldeiras da greve?

No dia 12 de maio, mais de 40 dias após o início da greve, ela chegaria ao fim. Alguns sindicalistas continuariam presos por mais alguns dias. Mais tarde, em liberdade, responderiam a processo militar pautado na Lei de Segurança Nacional. Até o final de maio, cerca de 4 mil demissões de metalúrgicos seriam realizadas, em retaliação aos grevistas. A forte repressão ao movimento paredista, a prisão de sindicalistas e a ocupação dos sindicatos seriam o prenúncio de que, embora fragilizada, a ditadura ainda era capaz de revidar. Como resultado, poucas greves e manifestações de trabalhadores ocorreriam em 1980, mesmo com a grande recessão que era enfrentada naquele ano.
Teria a vontade férrea dos metalúrgicos se dobrado diante dos ataques e represálias da ditadura? A história nos mostraria que não. Marcados a ferro quente, os trabalhadores continuariam a se mobilizar, a se organizar. Os movimentos do final da década de 70 e começo de 80 haviam aberto a brecha na armadura da ditadura, expondo o colosso que se colocava como imbatível, em posição de vulnerabilidade. É consenso entre estudiosos e pesquisadores que aquele teria sido o mais importante ciclo de greves da história moderna brasileira.
Se a luta pela anistia irrompeu em diferentes setores sociais, sendo aprovada sua lei em agosto de 1979; se os trabalhadores desafiaram a ditadura na Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) em 1981; se o movimento pelas eleições diretas se tornava de fato palpável em 1983; se a ditadura, ferida pelo aço do enfrentamento, tombava em 1985, foi porque a luta dos metalúrgicos não havia sido em vão.
Mesmo sofrendo inúmeras derrotas do ponto de vista econômico, sairiam vitoriosos ao fim. A demonstração com aqueles embates de que o governo militar não era invencível, de que os trabalhadores, juntos, podiam e deviam se posicionar, marcou uma nova fase do sindicalismo e da política do país. Os metalúrgicos são, em grande medida, o aço e o ferro que sustentaram as lutas pela redemocratização, representando a haste brilhante que elevava a bandeira, apontando para o horizonte de um país que rumava novamente para a democracia.

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A leitura equivale a uma aula de história. Que enorme serviço seria se mais pessoas conhecessem o passado e entendessem o que nos custou alcançar essa democracia que temos – cambaleante, às vezes, mas sempre melhor do que ditaduras de qualquer espectro.
Talvez , se elas lessem e soubessem um pouco mais, parassem de pedir pela volta do que mais de tenebroso se passou e do que elas não fazem a mínima ideia do que lhes custaria.
Meus enfáticos parabéns pelo artigo! Excelente!
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Pois é, Alberto…
Imperfeita, com certeza, mas é melhor do que qualquer ditadura, concordo com você.
Somos uma democracia jovem (e repetiremos esse mantra durante muito tempo ainda) e temos muito a aprender… principalmente com o nosso próprio passado.
Muito obrigado pelo comentário, fico feliz que tenha gostado!
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