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DESBRAVADORES DA INFORMAÇÃO

Existe um considerável número de estudiosos que defendem a tese de que vivemos em uma era que pode ser chamada de “sociedade da informação”, cuja circulação facilitada dos ativos informacionais permite disseminação e alcance outrora inimagináveis.

Talvez esse assunto não seja o preferido nas conversas do almoço em família, ou daquele papo que batíamos sentados na mesa do bar, no já distante período pré-pandemia. Mas como servidor de um centro de memória, me instiga a ideia de como essa quantidade virtualmente infinita de informações é tratada, disponibilizada de forma inteligível e transformada em conhecimento. Afinal, uma informação que, de alguma forma, não é armazenada ou transmitida, se perde nessa miríade, correndo o risco, inclusive, de ser esquecida permanentemente. Há, portanto, uma relação íntima entre gestão da informação, produção de conhecimento e preservação, quase que uma dança sincronizada entre esses termos.

Embora seja atribuída ao economista austro-americano Fritz Machlup o uso inicial do termo “sociedade da informação”, ainda em 1962, coube ao sociólogo norte-americano, Daniel Bell, o desenvolvimento e ampliação do conceito em seu livro “O advento da sociedade pós-industrial”, de 1973. Bell foi professor emérito na Universidade de Harvard, faleceu em 2011 aos 91 anos.

O sociólogo norte-americano Daniel Bell, autor de “O advento da sociedade pós-industrial”, de 1973. Foto: Jane Reed.

Faz alguns anos que a gestão informação vem se consolidando como um dos principais focos estratégicos de empresas e órgãos públicos. Ora, se informação possibilita conhecimento e, como diz o ditado, conhecimento é poder (scientia potentia est, naquele bom latim que o pessoal do Direito gosta), então esse gerenciamento acaba sendo um elemento importantíssimo para qualquer instituição. Ele viabiliza a transmissão de conhecimento entre diferentes grupos e gerações; possibilita a manutenção e desenvolvimento de saberes e práticas; organiza e mostra os registros do passado, subsidiando as decisões para o futuro.

Refletir sobre os fluxos e usos da informação é uma tarefa urgente, ainda mais em uma época em que vemos a ascensão das fakenews e movimentos de revisionismo histórico.

Mas como organizar tudo isso?

Em nossas rotinas de trabalho, falar de informações é também falar de documentos, em diferentes suportes, formatos, extensões e tamanhos. E o conjunto desses documentos se tornam nossos acervos: particular, de trabalho e de memórias. Olhando o seu “arquivo”, seja o pessoal ou de trabalho, os documentos físicos, livros, as centenas de fotografias e arquivos digitais espalhados em diferentes aparelhos, você consegue organizar todos, saber onde cada um está caso precise deles? Você é capaz de se lembrar, por exemplo, de todas as fotos que tem salvas? É uma tarefa difícil, não? Agora, se já é tarefa complicada organizar nossos singelos documentos, imagine a organização, as técnicas e métodos necessários para manter em ordem arquivos institucionais, alguns quase centenários como o do TRT-2.

Não é difícil encontrar quem descreva um arquivo como um lugar inacessível, com corredores e corredores cheios de documentos, ao ponto de você se perder em meio a tantas informações, quase que um labirinto. Infelizmente, essa visão traz uma descrição exata do que um arquivo não pode ser: um local que esconde informações, impedindo os caminhos daqueles que querem percorrê-lo.

Um arquivo deve manter as informações sempre organizadas, de forma a serem facilmente recuperadas, independentemente de seu volume. O fluxo informacional, tanto de entrada quanto de saída, deve ser constante e ordenado, e não caótico.

E para que isso aconteça, é preciso uma equipe que seja responsável por essa organização:

  • Que estude e desenvolva as práticas da gestão da informação;
  • Que saiba quais documentos guardar e por quanto tempo;
  • Que organize fluxos de transferências de documentos;
  • Que ajude a selecionar o que preservar definitivamente, ou o que descartar;
  • Que defina a criação de novos documentos e a condensação de tipos documentais redundantes.

No fim, é preciso alguém que esteja ali para organizar, gerir e guardar a informação. Mostrar o caminho dos documentos, para quem quer fazer das informações contidas neles, conhecimento. O nosso “guia” por esse labirinto informacional é o arquivista.

Os arquivistas no Brasil

O arquivista é o profissional formado em Arquivologia, uma das “três Marias da ciência da informação”, ao lado da Biblioteconomia e da Museologia, como diz a tradicional autora da área, Johanna W. Smit. É o profissional responsável, segundo o Arquivo Nacional, “pelo planejamento, organização, assessoramento, orientação e gestão de serviços ou instituições arquivísticas públicas e privadas”.

Certamente, desde o Brasil Colônia, documentos eram produzidos pelas ações da Coroa portuguesa nas terras tupiniquins. Alguma organização mínima desses documentos, que ficavam sob a guarda dos representantes de Portugal, deveria existir, mesmo que atendendo a preceitos e interesses puramente práticos.

A necessidade de instituições e instrumentos de gestão documental no país, de forma sistematizada e técnica, são fruto do próprio desenvolvimento político e administrativo de uma nação que acabara de se emancipar de sua metrópole. Justamente por isso, um importante evento marca o início da história dos arquivistas no Brasil, que remonta ao final século XIX, logo após a independência do país.

Em 20 de outubro de 1823, o então deputado Pedro de Araújo Lima – que seria posteriormente regente interino do Império e Marquês de Olinda –, propôs a criação do primeiro Arquivo Público do Império, que daria origem ao atual Arquivo Nacional.

Quase um século depois, em 1911, o próprio Arquivo Nacional instituiu o curso de Diplomática, que contava com disciplinas de Paleografia, Cronologia, Crítica Histórica, Tecnologia Diplomática e Regras de Classificação. Em 1922 ele daria lugar a um curso técnico de dois anos, que visava a formação e capacitação de “amanuenses” para o Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional e o Museu Histórico Nacional. A instituição desse curso técnico é considerado um grande marco no ensino da Arquivologia no país.

As mudanças nas diretrizes da administração pública também tiveram impacto direto sobre a gestão documental no Brasil. Com a implantação do Estado Novo (1937-1946), e sua proposta de reforma administrativa e burocrática, que culminou na criação do Departamento Administrativo do Serviço Público, o DASP.

Sede atual do Arquivo Nacional. O imóvel abrigou anteriormente a Casa da Moeda. Foto: Arquivo Nacional.

O órgão, que teve destaque e autonomia considerável durante o primeiro governo getulista, foi um grande fomentador das práticas e técnicas da ciência da informação nos órgãos públicos. Em torno dele, criava-se um grupo de servidores especializados em documentação, biblioteconomia e arquivística, inclusive com estágio e estudos desenvolvidos em instituições norte americanas. Assim, durante esse período, o DASP guiou o desenvolvimento prático e as discussões teóricas no campo da ciência da informação dos órgãos públicos em nosso país.

Uma das grandes missões do DASP era organizar e racionalizar o serviço público do país. Para tanto, o órgão, subordinado diretamente à Presidência, promovia cursos localmente e enviava servidores para o exterior para treinamento. Foto: Acervo CPDOC/FGV.

No entanto, com o fim do Estado Novo e as discussões emergidas na Europa no pós-guerra, a visão mais pragmática, burocrática e centralizadora promovida pelo DASP, cedeu espaço no Brasil para o desenvolvimento de discussões orientadas ao desenvolvimento da disciplina arquivística mais próxima dos moldes que conhecemos atualmente.

A Segunda Guerra, conflito global ocorrido entre 1939 e 1945, marcou a história da humanidade pela enorme quantidade de vítimas, pelo uso de armamentos nucleares e pelo genocídio. As discussões sobre direitos humanos, que revelavam as atrocidades do conflito, legaram novo protagonismo aos arquivos, como fontes para repensar o passado e garantir direitos, tanto individuais quanto coletivos.

Ao mesmo tempo, a destruição massiva das cidades atingidas pela guerra, e consequentemente de muitos dos seus arquivos, apontaram a necessidade urgente em se pensar a gestão e preservação dos documentos e da memória. Nos escombros da maior guerra já vista até então pela humanidade, o significativo interesse no desenvolvimento da ciência da informação apontava o desejo de aprendermos com os nossos próprios erros.

Foi então na década de 1970 que o ensino de Arquivologia e a profissão de arquivista marcaram definitivamente sua posição no país.

Em 20 de outubro de 1971, foi criada a Associação dos Arquivistas Brasileiros (mesma data da propositura de criação do embrião do Arquivo Nacional, em 1823 – e por isso, escolhida como Dia do Arquivista e motivo da publicação deste texto). Em 1972 foi realizado o I Congresso Brasileiro de Arquivologia, que fundamentaria as bases do primeiro curso superior na área, a ser criado no ano seguinte.

Esse primeiro curso ainda seria ministrado nas dependências do Arquivo Nacional, e absorvido, em 1977, pela Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro (FEFIERJ), atual Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). No ano de 1977 seria criado o segundo curso de Arquivologia no Brasil, na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Finalmente, em 1978, a profissão seria regulamentada, por meio do decreto nº 82.590 de novembro daquele ano.

De 1970 para cá, diversos outros cursos superiores de Arquivologia foram criados, tanto em universidade públicas quanto em particulares. Já são oferecidos, inclusive, cursos na modalidade EAD, demonstrando que existe uma grande demanda desses profissionais no país. Das universidades públicas no estado de São Paulo, a Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Marília, é a única a oferecer o curso superior de forma gratuita. Embora na capital do estado não exista um curso superior de Arquivologia, o Centro Paula Souza oferece o curso de Técnico em Arquivo, que mantém parceria com a Coordenação de Gestão Documental do TRT-2.

O desenvolvimento da Arquivística no TRT-2

O acúmulo de documentos em órgãos públicos existe, como mencionado, desde os tempos da colonização. A maior ou melhor organização é coisa recente, no entanto. Foi assim também com o Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região.

Quando criado, em 1941, nosso arquivo deveria ser composto por alguns armários de fichários e talvez algumas estantes. Um servidor ocasionalmente deveria olhar seu conteúdo, ver se estava organizado… Ou não. Afinal de contas com tão pouco volume era fácil procurar o que se queria. Certamente naquela época esse servidor não devia nem imaginar o que era arquivologia ou arquivística.

Por meio dos relatórios da Presidência, enviados ano a ano ao Tribunal Superior do Trabalho (até 1946 chamado Conselho Nacional do Trabalho) é possível ver o incremento no volume dos arquivos, assim como a crescente preocupação da administração com a sua organização. Com pouco mais de cinco anos de criação, nosso regional já contava em 1946 com 12.438 processos arquivados. De tímidos armários, paulatinamente o arquivo geral passa a ocupar salas, e até a ser parte da necessidade na busca de novos endereços. O crescimento e a complexificação das atividades de gestão documental no Tribunal começam a gerar necessidades, sejam elas de espaço físico ou na gestão de documentos.

O cargo de arquivista nos TRTs foi criado apenas em 1953, com a publicação da Lei nº 1.979 de oito de setembro. A partir daquele momento, sete dos oito Tribunais Regionais do Trabalho, inclusive o TRT-2, teriam um servidor ocupando a função de arquivista.

Relatório Anual de Atividades do TRT-2 do ano de 1953.
Com a criação do cargo de arquivista em 1953 surgia também a expectativa de melhores técnicas de gestão documental no TRT-2.

Considerando que na época não existia o curso superior de Arquivologia no Brasil, que seria criado apenas na década de 1970, é de se imaginar que não se exigisse formação superior específica para o cargo, apesar de já existirem cursos técnicos – mas certamente poucas pessoas tinham acesso a ele no começo da década de 1950.

O primeiro arquivista nomeado no TRT-2 foi Luiz Teixeira Penteado (nomeação publicada em 27 de setembro de 1953). Luiz Teixeira Penteado já era servidor do Tribunal desde 1948. Seu sobrenome pode parecer familiar: ele era filho de Heitor Penteado e irmão de um de nossos presidentes: José Teixeira Penteado (gestão 1948-1953).

Até a segunda metade da década de 1970 é possível encontrar publicações com o nome de Luiz Teixeira Penteado ainda no cargo de arquivista. Posterior a ele sabemos que outras pessoas ocuparam essa função, mesmo sem constar o cargo especificamente. Dayse Conrado Bacchi, servidora que participou do projeto de história oral “Memórias Narradas”, teve uma relação próxima ao Arquivo do TRT-2, inclusive sendo diretora dele em 1981.

Mesmo sem um amplo suporte em relação ao Arquivo do TRT-2 durante muitas décadas, os trabalhos foram desenvolvidos, ainda que com os poucos recursos que se tinha à mão na época. É sensível, no entanto, a “evolução” de técnicas, serviços, legislação e até mesmo a inclusão de especialistas no nosso quadro de servidores.

Foi apenas no concurso de 2013 que o TRT-2 passou a ter em seu quadro funcional o cargo de Analista Judiciário com especialidade em Arquivologia, demandando, para ingresso, curso superior específico.

O servidor que passou em primeiro lugar, no primeiro concurso para arquivista de nosso tribunal foi Heroneudo Mendes Araujo, que, desde 2014, tem atuado diretamente na gestão documental do TRT-2, dentro da Coordenadoria de Gestão Documental, capitaneada pelo historiador Eduardo Rocha.

Dentre os grandes feitos promovidos pela atual equipe de gestão documental temos a digitalização de todo o acervo em tramitação em meio analógico no 1º grau. Esse trabalho foi iniciado antes mesmo da pandemia, o que permitiu que o Tribunal pudesse manter a prestação jurisdicional remotamente. Eduardo, diretor do Arquivo, e Heron, nosso arquivista, falaram um pouco sobre essa experiência aqui, na 4ª Semana Nacional de Arquivos.

Nosso arquivista, Heroneudo Araújo, e o diretor do arquivo, Eduardo Rocha, apresentam os resultados do processo de digitalização na 4ª Semana Nacional de Arquivos em 2020.

Os trabalhos desenvolvidos no âmbito de nosso Arquivo Geral coloca o TRT-2 em evidência, como referência para outros Tribunais, ainda mais quando levamos em consideração a gigantesca massa documental que possuímos.

Hoje em dia, o Arquivo do TRT-2 está localizado na rua Dr. Edgard Theotônio Santana, 351, em um espaço que abriga mais de 2 milhões de processos. Desses, cerca de 160.000 fazem parte do acervo permanente de nosso Regional. E esse trabalho, tão cuidadoso e técnico, permite que nós, do Centro de Memória, possamos realizar novos projetos e ampliar nossa pesquisa.

A relação Arquivo-Centro de Memória

Nós do Centro de Memória temos uma relação muito próxima com a gestão documental, uma vez que algumas das nossas principais fontes de trabalho ficam sob a guarda zelosa (e organizada) de nosso Arquivo Geral. Nesse sentido, esse processo de digitalização ajuda, inclusive, na preservação da memória uma vez que o arquivo digital guarda as informações do processo, podendo ser manipulado sem danificar o original, além de ser mais facilmente indexado por sistemas automatizados.

Nosso Regional alcançará, em 2021, 80 anos de existência. Embora a gestão documental tenha aqui surgido de certa forma precoce, com o cargo de arquivista sendo criado em 1953 e tendo se desenvolvido bastante desde então, a gestão da memória é assunto bem recente em nossa história.

Mesmo que muito do que já existiu tenha se perdido ao longo do tempo, muito também se mantém preservado em nossos arquivos. E uma de nossas principais funções é descobrir dentro de nosso acervo o que ali existe e como utilizar esses documentos para contarmos a história de nosso Regional, inclusive, tentando preencher as lacunas dessas ausências documentais.

Foi no início dos anos 2000 que as discussões sobre gestão arquivística e preservação da memória no Judiciário Trabalhista começaram a ganhar força. É dessa época o provimento do Tribunal Superior do Trabalho, que instruía a criação de Programa de Gestão de Documentos e uniformizava os procedimentos de gestão documental no âmbito do Judiciário Trabalhista.

Foi também em 2006 que aconteceu a primeira reunião do Fórum Nacional Permanente em Defesa da Memória da Justiça do Trabalho (MEMOJUTRA).

I Encontro do Memojutra
Abaixo: I Encontro do Memojutra, em Porto Alegre no ano de 2006. Foto: acervo Memojutra.

Muitos centros de memória da Justiça do Trabalho foram criados nessa época, e, apesar de o nosso ainda ter demorado um pouquinho para ser constituído, algumas iniciativas para aprimorar a gestão documental e a preservação da memória em nosso Regional aconteceram: em 2002, por exemplo, aconteceu a primeira exposição sobre a história do TRT-2, realizada no edifício-sede do Tribunal.

É dessa época também uma importante visita que muito contribuiu para o que temos hoje em dia como resultado de nossos trabalhos. Em 2004, uma jovem mestranda decidiu bater à porta do Arquivo Geral do TRT-2 para realizar uma pesquisa histórica. As iniciativas na área de gestão documental voltadas à preservação da memória estavam engatinhando naquela época.

A jovem mestranda era Larissa Rosa Côrrea, hoje professora e coordenadora do curso de história da PUC Rio, na capital carioca. Na época, Larissa foi orientada pelo professor Fernando Teixeira da Silva, da Universidade de Campinas (Unicamp). Fernando é um importante nome nos estudos sobre os trabalhadores e o Judiciário Trabalhista do século XX, tendo diversas pesquisas publicadas a respeito do assunto.

Larissa
Fernando Teixeira da Silva e Larissa Rosa Côrrea, no lançamento do livro “Disseram que voltei americanizado”, de autoria de Larissa. O livro é resultado de sua pesquisa de doutorado em que também foi orientada por Fernando Teixeira da Silva. Foto: Antonio Scarpinetti.

Larissa utilizou múltiplas fontes para seu trabalho, como depoimentos de sindicalistas, juízes e advogados, mas também muitos processos de nosso acervo. São diversos dissídios coletivos, muitos dos quais também usamos em nossos textos aqui nesta página.

Naquele momento, em 2004, Larissa não sabia exatamente o que encontraria no arquivo do TRT-2. Mas, com o auxílio prestado pelos servidores do nosso Arquivo, aliado a uma profunda determinação, conseguiu realizar a pesquisa que fundamentaria sua dissertação de mestrado.

Em conversa recente com a professora, feita por videochamada, Larissa contou um pouco sobre as lembranças dessa fase da sua pesquisa, do processo de digitalização e desse primeiro contato com nosso acervo:

(…) eu fui entendendo um pouco a precariedade da situação. Não que os arquivos estivessem abandonados, não tinha nenhum descuido. Pelo contrário, era tudo muito limpo, muito organizado, na medida do possível. Não como um arquivista gostaria, mas, enfim, tinha uma certa organização. E a parte dos históricos, ficava assim em um lugar… não tinha muita luz nos corredores (…) E aí eu fui tirando, descendo das prateleiras, processo por processo, aqueles maços. E ia cortando as amarrações de barbante dos processos. E tinha que levar até uma luz, no corredor, para poder ler o que que estava escrito no processo. Isso levava muito tempo.

Pode não ter sido fácil. Mas foi um trabalho que serviu para lançar as bases de toda uma vida acadêmica. Nos agradecimento de sua dissertação, Larissa fez questão de deixar isso registrado.

Quando da primeira vez em que me aventurei pelos lados da av. Engenheiro Billings, localizada entre a cidade de Osasco e o bairro do Jaguaré na cidade de São Paulo, com o objetivo de conhecer o Arquivo Geral do Tribunal Regional do Trabalho, não imaginava que novas possibilidades de pesquisa e trabalho iriam se abrir, a partir daquele ato meio impensado. Por fim, valeu a pena enfrentar aqueles longos quarteirões de muros altos e ruas despovoadas. Graças a esse “espírito aventureiro” que me tomou numa tarde qualquer de 2004, surgiu esse trabalho e o contato com os estudantes e professores do curso de pós graduação em História Social da Unicamp”.

Larissa Rosa Corrêa (Foto de Antonio Scarpinetti)

Seguindo os passos de seu orientador, a dissertação de Larissa inseriu-se como pesquisa de fôlego sobre os trabalhadores têxteis e metalúrgicos no período pré-ditadura militar. Os resultados desse processo dariam origem ao livro “A tessitura dos direitos: patrões e empregados na justiça do Trabalho, 1953-1964”, pela editora LTr. É possível ler a dissertação aqui.

O início da digitalização do acervo do TRT-2

Outro resultado dessa aventura no arquivo do TRT-2 foi a digitalização do acervo de Dissídios Coletivos de 1941 a 1979. Para Larissa e seu orientador era urgente e necessária a digitalização do acervo – até mesmo como forma de protegê-lo da ação do tempo.

A digitalização também viabilizaria maior facilidade no acesso aos processos e sua indexação, potencializando as dimensões de pesquisa sobre eles. Assim, um convênio estabelecido entre a (1) Universidade de Campinas (Unicamp) e o (2) TRT-2, fomentado financeiramente pela (3) Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), e encampado pelo (4) Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult), com apoio técnico do (5) Arquivo Edgard Leurenroth (AEL), promoveu a microfilmagem do acervo de dissídios coletivos compreendendo o intervalo de 1941 a 1979. Notou o número de agentes envolvidos nesse processo?

O longo e complexo trabalho culminou na microfilmagem desses dissídios, resultando em quase 5.500 arquivos digitais em formato PDF que foram acondicionados em 37 mídias de DVD. A microfilmagem em si encontra-se no Arquivo Edgard Leurenroth, em Campinas. Os processos em papel após microfilmados retornaram para o arquivo permanente do TRT-2, onde estão guardados e preservados.

Com a conclusão dos trabalhos de digitalização, no final do ano de 2009, esses PDFs foram disponibilizados parcialmente na versão antiga do site do Tribunal, em uma página um pouco escondida, mas com a possibilidade do download dos arquivos – e sem sistema de busca.

Durante anos, os DVDs que continham os arquivos ficaram acondicionados em uma caixinha de PVC ondulado, daquelas cinzas bem conhecidas do nosso dia a dia. Ficaram guardadinhos, meio que esquecidos.

A digitalização por si já era positiva, porque era uma forma de “preservar” o acervo, afinal de contas as informações continuariam ali, afastadas da deterioração causada pela ação do tempo. Vamos abrir um breve parêntese aqui. Porque, sim, estamos cientes das discussões sobre a obsolescência dos formatos digitais, bem como dos suportes de mídia. Mas para os fins desse texto, pularemos esse assunto mais técnico e complexo e deixaremos para outro momento.

Para que esses arquivos alcançassem sua função de forma plena, era necessário divulgar e disponibilizá-los para o maior público possível. Sem divulgação e disseminação do conhecimento, a simples ação de guarda de arquivos em mídias seria inócua. E é nesse ponto que entra a figura do Centro de Memória.

Ainda em julho de 2017, no embrião do que seria o Centro de Memória, alguns servidores da Seção de Arquivo Histórico, Memória e Instrumentos Arquivísticos, dentre eles nosso arquivista, Heron, começaram a fazer a descrição desses processos, em tabelas. Essa é uma importante fase de catalogação e indexação, talvez o pontapé inicial para o que temos hoje. Tínhamos, naquele início, cerca de 30 processos descritos. Mas ainda sem acesso ao público.

Em agosto de 2018, com a contratação de um sistema que pudesse divulgar esses dissídios, e que se tornou o nosso “Centro de Memória Virtual”, continuamos o projeto de descrição e disponibilização.

Página inicial do Centro de Memória Virtual do TRT-2.

Mas estávamos em uma encruzilhada. Isso porque, fazendo alguns cálculos, tomando como base o tempo já despendido e o quanto queríamos ver tudo aquilo pronto, levaríamos muitos anos para realizar a descrição pormenorizada da forma que havíamos começado. Afinal de contas, eram quase 5.500 processos. A solução encontrada foi simplificar um pouco a descrição, colocando termos essenciais, que pudessem indexar as buscas. Assim, com informações como reclamante e reclamado, local e data, permitimos que pesquisadores tenham acesso a nossos processos e consigam ler a íntegra de cada um deles, além de realizar o download dos PDFs.

Continuamos fazendo essa descrição mais “completa” em processos que usamos em nossos textos, uma vez que a produção deles demanda essa leitura pormenorizada do documento.

A digitalização do acervo de dissídios coletivos de 1941 a 1979, possibilitado graças ao trabalho de pesquisa de Larissa, além de render material para a sua dissertação de mestrado e diversos artigos, serviu a outras pesquisas em diferentes áreas. E serve agora para qualquer pessoa que tenha interesse em conhecer o acervo histórico do TRT-2. No Centro de Memória Virtual é possível pesquisar, consultar e fazer o download de todos esses processos.

Como setor em funcionamento há pouco mais de dois anos, comemoramos muito esse feito, porque demonstra que os esforços de nosso setor e de nosso Regional na preservação da memória institucional estão rendendo frutos promissores.

O sistema do Centro de Memória Virtual permite pesquisas de termos e por ano da ação.

Nossa intenção, disponibilizando-os ao público, na internet, é que eles possam servir para ainda mais pessoas. Não apenas pesquisadores acadêmicos, mas também servidores, magistrados, advogados, curiosos, historiadores diletantes. Pessoas que vejam o que Larissa viu em nossos processos; o que nós, do Centro de Memória, vemos sempre que folheamos uma nova descoberta.

As páginas amareladas pelo tempo guardam conhecimento, histórias e vidas, que não podem ser perdidas ou esquecidas. E nós, ao lado da gestão documental, estamos aqui para não permitir que isso aconteça.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.

Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.


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Publicado por Belmiro Fleming

Cientista social, faz parte do TRT-2 desde 2016, tendo integrado anteriormente o TRT-15 por quase três anos. De ascendência nipo-irlandesa, sempre se interessou por história, seja de seus antepassados, seja dos lugares em que viveu. Acredita que a modernidade de São Paulo traz uma carga histórica, algumas vezes esquecida.

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