Em 2021, a Justiça do Trabalho comemora 80 anos de sua instalação. Quem olha seus 24 Regionais e mais de 1600 unidades de primeira instância, de norte a sul do país, pode ter dificuldade em acreditar o quão pequena ela começou.
Quando a Justiça do Trabalho foi organizada, em 1939, pelo Decreto-lei nº 1.237, o país foi dividido em oito regiões, cada qual com um Conselho Regional do Trabalho. Os conselhos eram compostos, na primeira instância, por juntas de conciliação e julgamento. Inicialmente, foram criadas 36 juntas.
REGIÃO | JURISDIÇÃO | SEDE | JCJs |
---|---|---|---|
1ª Região | Distrito Federal e estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo | Distrito Federal | 09 06 no Rio de Janeiro 02 em Niterói 01 em Vitória |
2ª Região | estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso | São Paulo | 08 06 em São Paulo 01 em Curitiba 01 em Cuiabá |
3ª Região | estados de Minas Gerais e de Goiás | Belo Horizonte | 03 02 em Belo Horizonte 01 em Goiânia |
4ª Região | estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina | Porto Alegre | 03 02 em Porto Alegre 01 em Florianópolis |
5ª Região | estados da Bahia e Sergipe | Salvador | 03 02 em Salvador 01 em Aracaju |
6ª Região | estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte | Recife | 05 02 em Recife 01 em Maceió 01 em Natal 01 em João Pessoa |
7ª Região | estados do Ceará, Piauí e Maranhão | Fortaleza | 03 01 em Fortaleza 01 em Teresina 01 em São Luís |
8ª Região | estados do Amazonas, Pará e Território do Acre | Belém | 02 01 em Manaus 01 em Belém |


Criada com poucos recursos (mas muito alarde), a Justiça do Trabalho tinha como objetivo dirimir os conflitos entre trabalhadores e empregadores. Desde a instalação, porém, seu foco eram os centros urbanos. Basta observar que as primeiras juntas criadas estavam nas capitais dos estados. As demandas propostas em cidades sem órgãos da Justiça do Trabalho deveriam ser dirimidas por juízes de direito, que viam seu trabalho do dia a dia, na Justiça Comum, se acumular com as demandas trabalhistas.
E foi assim durante muitos anos. A Justiça do Trabalho, por décadas, alcançava muito mais os trabalhadores urbanos que os rurais. Em uma época em que a população urbana girava em torno de 30%, é fácil verificar que a maior parte dos trabalhadores não era atendida. E ainda demoraria bastante tempo para que isso começasse a ser modificado. Com a 2ª Região foi também assim.
A 2ª Região Trabalhista
Quando foi instalada, em 1941, a 2ª Região Trabalhista abarcava, em sua jurisdição, não apenas o estado de São Paulo, mas também os estados do Paraná e Mato Grosso (ainda unificado). Atendíamos a uma população total de 8,84 milhões de habitantes (7,18 milhões apenas no estado de São Paulo). Contávamos, porém, com apenas cinco juízes de tribunal (atuais desembargadores) e oito unidades de primeira instância, as juntas de conciliação e julgamento (atuais varas do trabalho), sendo seis na capital paulista e uma na capital de cada um dos estados que também faziam parte de nosso Regional: Curitiba (no Paraná) e Cuiabá (no Mato Grosso).


Nossa história envolve um crescimento gradativo tanto da quantidade de processos quanto da quantidade de juntas de conciliação, o que implica na maneira como os cidadãos eram atendidos por nosso Regional.
A primeira alteração na quantidade de juntas de conciliação aconteceu em 1943, pouco mais de dois anos após a instalação da Justiça do Trabalho no Brasil. A Lei nº 5.926/1943 criou oito novas unidades judiciárias pelo país, sendo duas na 1ª Região; quatro na 2ª; uma na 3ª e uma na 4ª.
Na 2ª Região Trabalhista, as cidades de Santos, Jundiaí, Campinas e Sorocaba ganharam, finalmente, suas próprias juntas. A criação de novas unidades era consequência da alta demanda em tais cidades, principalmente em relação ao restante do país.







Desde a instalação, a Justiça do Trabalho em São Paulo manteve-se na segunda colocação no ranking dos regionais mais demandados, atrás apenas do CRT-1, cuja sede ficava no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Em 1945, pela primeira vez, o CRT-2 ultrapassou o CRT-1, mas a liderança efetiva aconteceu a partir de 1947, quando o TRT-2 recebeu 22.630 novos processos (ante 20.721 do TRT-1).
Um ano antes, em 1946, os Conselhos passaram a se chamar Tribunais, graças à mudança prevista pela nova constituição, que colocou a Justiça do Trabalho no âmbito do Poder Judiciário, e ao Decreto-lei nº 9797/1946, que alterou algumas disposições da CLT, em especial em relação à formação dos órgãos de primeiro e segundo graus. Desde então, o TRT-2 é, em demandas recebidas, o maior tribunal trabalhista do país.
PROCESSOS RECEBIDOS PELAS JUNTAS DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DOS CONSELHOS REGIONAIS DO TRABALHO DO PAÍS
CONSELHO | 1941 | 1942 | 1943 | 1944 | 1945 | 1946 | 1947 | 1948 | 1949 | 1950 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CRT-1 | 7.707 | 9.114 | 10.155 | 14.107 | 12.956 | 23.874 | 20.721 | 16.633 | 19.077 | 16.082 |
CRT-2 | 5.237 | 4.830 | 6.300 | 10.200 | 18.734 | 21.128 | 22.630 | 17.824 | 24.516 | 22.299 |
CRT-3 | 1.472 | 1.314 | 708 | 3117 | 2379 | 3.294 | 2.946 | 2.787 | 4.199 | 4.662 |
CRT-4 | 1.103 | 2.518 | 1.067 | 2.379 | 2.653 | 3.694 | 4.477 | 5.374 | 7.686 | 6.852 |
CRT-5 | 586 | 1.172 | 1.978 | 2.244 | 3.082 | 4.180 | 3.181 | 2.655 | 3.914 | 3.849 |
CRT-6 | 181 | 1.272 | 1.985 | 2.417 | 3.539 | 3.564 | 3.591 | 3.684 | 6.412 | 7.090 |
CRT-7 | 329 | 902 | 916 | 860 | 1.382 | 1.094 | 1.153 | 1.032 | 1.521 | 1.464 |
CRT-8 | 364 | 477 | 975 | 1078 | 779 | 1.282 | 1.869 | 1.399 | 2.388 | 3.845 |
TOTAL | 16.979 | 21.599 | 24.084 | 36.402 | 45.916 | 62.110 | 60.568 | 51.388 | 69.643 | 66.143 |
Mudanças na jurisdição
Durante quase toda sua história, no TRT-2, as juntas de conciliação e julgamento da cidade de São Paulo foram as unidades do Regional que mais receberam processos anualmente. Competiam, lado a lado, com cidades como Santos, Jundiaí, Ribeirão Preto e Sorocaba. Cada uma, porém, possuía apenas uma junta.
Fora do estado de São Paulo, a junta de conciliação e julgamento de Curitiba era a mais demandada. O estado do Paraná foi também o que mais cresceu ao longo das décadas (tendo, em 1974, oito unidades de primeira instância em todo o estado, quatro delas em Curitiba), razão pela qual foi também o primeiro a ganhar o seu próprio Tribunal.
Criado em 1975, pela Lei nº 6241, o TRT-9 foi instalado no ano seguinte, deixando, no TRT-2, apenas os estados de São Paulo e Mato Grosso, que seria, em 1977, dividido pela Lei Complementar nº 31. A divisão do estado rendeu uma nova junta de conciliação e julgamento na cidade de Campo Grande, capital do novo estado do Mato Grosso do Sul.

Apesar do aumento da quantidade de unidades, as juntas dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul tinham, historicamente, pouco movimento em comparação com as demais unidades da 2ª Região.
Segundo o juiz Wagner Drdla Giglio, que começou sua carreira no TRT-2 e pediu remoção para o estado do Paraná, quando da criação do TRT-9, a criação e instalação de juntas era, no entanto, “em razão de critérios políticos“.
“Pequenas localidades, de quarenta ou cinquenta mil habitantes, recebiam juntas de pouco movimento trabalhista: recebiam, por mês, quinze ou vinte processos que, na década dos anos sessenta, ocupavam apenas uma ou duas pautas diárias por semana. Naqueles tempos tranquilos, quando havia um recurso denominado ‘embargos de nulidade ou infringentes do julgado’, endereçado para a própria Junta, chegavam a julgar o processo e rejulgá-lo, em recurso, no prazo de trinta dias, atingindo o ideal, para o trabalhador, de um pronunciamento rápido e gratuito.”
Wagner Drdla Giglio, magistrado do TRT-2 e do TRT-9, em “Setenta anos de evolução da Justiça do Trabalho”.
Em paralelo, o estado de São Paulo ganhava novas juntas, principalmente no interior e na Região Metropolitana. Em 1981, ano em que o TRT-10 (com sede em Brasília) foi criado (pela Lei nº 6.927), passando a abarcar os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o TRT-2 contava com 99 juntas de conciliação e julgamento (além de cinco unidades por instalar). Dessas, 45 juntas estavam na capital.
Mesmo abarcando apenas o estado de São Paulo, o TRT-2 seguia sendo o maior do país. Seu aumento, no entanto, gerava preocupações. Não só o número de ações crescia na capital e nas principais cidades do interior, como também o tempo de tramitação dos processos, em especial na segunda instância, apresentava níveis já alarmantes.

Essas foram algumas da principais razões para a mais profunda transformação ocorrida no TRT-2 em toda a sua história. Em 1986, a criação e instalação do TRT-15, com sede na cidade de Campinas, dividiu o estado de São Paulo, que passou a ser a única unidade da federação com dois tribunais trabalhistas. O novo Regional não apenas tomou para si a maior parte das cidades (e unidades) localizadas no interior do estado, como também deu a oportunidade, para servidores e magistrados, de nele seguir carreira. Ao contrário do que tinha acontecido com a criação dos TRTs 9 e 10, dessa vez seria possível também a remoção de juízes togados (os desembargadores da época), o que, de fato, aconteceu. Ao todo, quatro juízes togados do TRT-2 optaram pela remoção para o novo Tribunal.

Com a Constituição de 1988, que permitiu a existência de um Regional por unidade da federação, foram criados diversos Tribunais pelo país. Dentre eles, os TRTs 23 e 24 (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respectivamente).
E seguimos crescendo. Todos os cinco tribunais.
Tribunais diferentes com personagens e passados comuns
Pensar a jurisdição do TRT-2 ao longo do tempo implica em nos depararmos com personagens que atravessaram a história de mais de um Regional. E que foram centrais, muitas vezes, não apenas na trajetória do TRT-2, mas também na formação dos novos regionais que daqui surgiram.
E não só. Implica em nos forçar a analisar nossa própria história para verificarmos esses pontos de virada que permitiram a criação de novos órgãos de primeira instância, e, sobretudo, de novos tribunais.
Pesquisar a criação dos TRTs 9, 15 e, de certa forma, 10, 23 e 24, faz com que mergulhemos a fundo em determinados pontos que acabam por ser esquecidos ao longo do tempo. Afinal, sabemos que nossa jurisdição era mais ampla, mas às vezes não nos lembramos que muitos de nossos magistrados, ao longo de suas respectivas trajetórias, por esses lugares também passaram. E que por lá também deixaram suas marcas.
Ao longo do tempo, vemos a entrada e saída de magistrados nas mais diversas juntas. Nomes que se repetem, em anos diferentes, em cidades do estado de São Paulo, Paraná ou Mato Grosso. Vemos o vai e vem das pessoas e lembramos que cada um, à sua maneira, ajudou na construção dessa base da Justiça do Trabalho, enfrentando a instalação de unidades em cidades distantes, longe da sede, com recursos escassos e pouca estrutura. Essa Justiça que se interiorizou e se ampliou.


Também nos deparamos com processos que cruzam as fronteiras atuais dos Regionais e que estão no acervo histórico do TRT-2. São dissídios individuais e coletivos que permaneceram conosco, mas que também contam a história de unidades e cidades que hoje não mais pertencem à jurisdição do TRT-2. É uma história conjunta, timbrada e assinada, nas páginas amareladas desses autos.
Por isso, para chegar ao trabalho que hoje apresentamos, recorremos ao nosso arquivo, a relatórios e processos. Realizamos minuciosas varreduras nos acervos da Imprensa Oficial. Pesquisamos em hemerotecas. Em livros dos mais diversos. Lemos muito dos materiais já publicados pelos TRTs 9, 10, 15, 23 e 24. E tivemos, algumas vezes, que recorrer a nossos colegas de outros tribunais para checar alguns dados. Muitas vezes nos deparamos com inconsistências. Mas, principalmente, com lacunas.
Fazer esse trabalho nos fez pensar mais aprofundadamente no que fomos. E nas pessoas que enfrentaram esses desafios. Que não só envolviam algum tipo de escassez de recurso (material ou pessoal). Mas também uma distância física tão grande (em especial nos estados do Paraná e do Mato Grosso), que os transformavam em verdadeiros guerreiros, que lidavam com um sem fim de problemas e com pouco (às vezes nenhum) respaldo.
Temos personagens que foram fundamentais em nossa história. Mas que também o são em outros Regionais. Que ajudaram os TRTs 9 e 15 a se formar. Que repetiram funções. Alguns que “nos abandonaram”. E de quem não temos, sequer, uma foto 3×4 da pasta funcional. É assim com Pedro Benjamin Vieira, nosso presidente entre 1984-1986, responsável por “conquistar” a criação do TRT-15. Ou com Francisco Garcia Monreal Júnior, que começou no TRT-2 em 1941, como funcionário. Prestou concurso para a magistratura e construiu uma carreira, que foi coroada com a primeira presidência do TRT-15. Foi assim também com Fernando de Oliveira Coutinho, que tinha sido aposentado pelo Ato Institucional nº5 – AI-5 e obteve sua reintegração, logo após a Anistia.
Temos, ainda, em nossa história, magistradas que entraram pelo concurso da Magistratura no TRT-2 e que, ao fim, fizeram história em outros tribunais. Daisy Vasques, Neusenice Barreto de Azevedo Küstner e Heloísa Pinto Marques são exemplos. Pioneiras, foram as primeiras juízas togadas dos tribunais que escolheram (TRTs 10, 15 e 9, respectivamente). Daisy e Heloísa foram ainda as primeiras mulheres a dirigirem seus respectivos Regionais. Neusenice ainda é personagem-símbolo da história do TRT-2, sendo a primeira mulher aprovada no Concurso da Magistratura do Trabalho da 2ª Região e a primeira mulher a tomar posse no cargo de magistrada trabalhista em todo o país. Foi também nossa primeira juíza togada.

Ou servidores que passaram por aqui boa parte de suas respectivas carreiras, mas optaram pela mudança de Regional e por lá se aposentaram. Nomes como Neide Rosa Caruso Pinto (cuja irmã, Nancy, permaneceu no TRT-2); Mario Fernando Marques, que aqui era secretário da Corregedoria, e que passou a exercer a mesma função no TRT-15; ou ainda Edison Vieira Pinto (secretário-geral da Administração no TRT-2 e, uma vez aposentado, também no TRT-15). Este último, por sinal, participou diretamente da criação de dois dos tribunais que surgiram a partir do desmembramento da 2ª Região. Teve papel importantíssimo. E que, apesar de ter sua foto na galeria dos diretores gerais do TRT-15, é pouco lembrado pelo nosso próprio Regional. Por isso mesmo, nós, do Centro de Memória, fazemos questão de mencionar.

E se registramos aqui alguns nomes, com pouco esforço da memória, imaginem quantos outros não existem.
Pensar a história de nossa jurisdição é também pensar a história da criação de outros regionais. E verificar o quanto as nossas histórias e nossos personagens estão conectados. O quanto compartilhamos e o quanto, ainda hoje, temos em comum. Podemos ter nascido em momentos diferentes, mas seremos sempre seis “Regionais-Irmãos”. E comemoramos, cada um à sua forma, nossos 80 anos.
E é a história de cada integrante dessa família que a gente começa a contar a partir desta semana, dedicando uma publicação para cada um desses Regionais, (ainda que tenha sido preciso agrupar alguns deles, devido ao contexto histórico).
Este texto foi publicado no contexto das atividades em comemoração aos 80 anos de instalação da Justiça do Trabalho da 2ª Região, realizadas pelo Centro de Memória do TRT-2, no ano de 2021. Para conferir outros textos produzidos durante as ações comemorativas, clique aqui.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.
Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.
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