Falar sobre Nelson Ferreira de Souza não é tarefa simples. Antes de mais nada porque o magistrado não era figura fácil nos periódicos pelo país, como tantos outros colegas de sua época. Sua família também não era tradicional e comumente retratada pelas colunas sociais do período. Ele próprio era discreto, apesar de ter muitos amigos e circular pelos mais variados ambientes. Além do mais, não são muitos os que com ele atuaram e podem hoje contar sobre sua trajetória (algumas das fontes rotineiramente utilizadas para a produção de biografias pelo Centro de Memória).
Para poder construir uma narrativa sobre sua vida seria necessário, pois, lançar mão de outro recurso. Encontrar pessoas próximas, que tivessem convivido com ele em seu dia a dia. Que tivessem acompanhado o desenrolar de sua vida – suas alegrias, suas tristezas e seus receios. Seus filhos talvez fossem o melhor caminho.
Em tempos de redes sociais e ultraexposição na internet, poderia até ser uma missão tranquila. Mas, como seu pai, Claudio e Regina também são discretos.
A solução seria conseguir alguma informação, algum contato, ainda que mais distante, para poder chegar até um deles. E foi assim, com o auxílio da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, do qual um dos filhos de Nelson Ferreira de Souza foi servidor, que obtivemos o telefone do primogênito de nosso biografado.
O primeiro contato aconteceu no dia 7 de junho de 2022. Data em que Nelson completaria 106 anos. Totalmente ao acaso. Para quem não acredita em coincidências foi um grande presente. Dali a chegar à sua irmã, e depois a alguns outros contatos, foi tarefa fácil.
Dando prosseguimento à série “Presidentes do TRT-2”, falamos sobre Nelson Ferreira de Souza, décimo terceiro presidente do Regional. E o primeiro a ter atuado também como funcionário antes de prestar o concurso para a magistratura trabalhista – e chegar ao mais alto posto do maior tribunal trabalhista do país. Foi ainda o presidente que menos tempo ficou à frente do Tribunal.

A origem da família
Nelson Ferreira de Souza nasceu no dia 7 de junho de 1916, na cidade de São Paulo. Foi registrado em um cartório da Mooca. Nessa região, mais especificamente no Brás, viveu toda sua juventude. Os pais viveram por lá a vida toda, onde, por sinal, moraram tantos imigrantes que chegaram ao Brasil entre o fim do século XIX e início do século XX. Seus pais eram imigrantes portugueses. Chegaram bastante jovens ao país.
Nelson teve uma juventude humilde e de muita batalha e trabalho.
Seu pai, José Ferreira de Souza, era linotipista. Trabalhou durante muitos anos no jornal “Folha de S.Paulo”. Nunca teve uma vida laboral muito “normal”, por assim dizer. Trabalhava à noite e chegava em casa por volta das 5h da manhã. Afinal, como linotipista, só podia sair quando a edição do periódico já estivesse pronta. Aposentou-se, mas não aguentou. De tão habituado a seus horários. Ficou seis meses em casa e pediu para voltar ao trabalho.
José Ferreira de Souza era um homem tranquilo. Um típico português. Nada parecido com o filho Nelson, que puxou completamente à mãe, por sinal, como contam Claudio e Regina.
A mãe de Nelson, Christina Cardoso de Souza, era linha-dura. Nunca permitiu que os três filhos, Waldemar, Nelson e Helena, perdessem o foco. A obrigação deles era estudar. E muito. Cuidava da casa, dos filhos, deixava tudo impecável para que nada faltasse à família. “Ela se matava de trabalhar para dar condição para os filhos estudarem”, conta Claudio Rosa de Souza, filho mais velho de Nelson.
A educação dos filhos era uma das maiores preocupações de Christina. “Estudem: porque o saber não ocupa espaço”, dizia aos pequenos. Ela sabia bem a difícil situação de lugares distantes, como o de que vinha. E não cansava de dizer que o Brasil era a terra das oportunidades.
Ela própria era uma amante do conhecimento e dos livros. Regina Helena de Souza Barreto Fonseca, filha de Nelson, conta que a avó lia muito. “Lembro dela lendo a ‘Folha de S.Paulo’, sob o sol. Aliás, lembro da minha avó, de lazer, só lendo”.
O jovem Nelson Ferreira de Souza
Não se sabe muito sobre a infância de Nelson. Fora o fato de ter sido coroinha, lembrado pela filha mais nova, Regina.
Reportagens de jornal falam sobre um acidente que o jovem sofreu aos 13 anos de idade, confirmado pelo filho, Claudio. O infortúnio aconteceu no dia 21 de setembro de 1929. Nelson estava próximo à sua casa, na rua Uruguaiana, no bairro da Mooca.
O jovem, avistando sua mãe, que ia a uma confeitaria na rua do Hipódromo, resolveu segui-la. Bastou que ele virasse a rua para que um “automóvel de aluguel, chapa A – 7476, Chevrolet, com estacionamento na rua Brigadeiro Machado” pudesse atingi-lo.


Reportagem do jornal “Diário Nacional”, de 22 de setembro de 1929. Fonte: Hemeroteca Nacional.
O carro, que estava em alta velocidade, não parou para socorrer o menino, apesar de gritos de pessoas que estavam no entorno. Não satisfeito, o motorista acelerou ainda mais e acabou por atingir outra criança, Antonio Galdiano, cinco anos, que não resistiu aos ferimentos. O motorista abandonou o veículo e fugiu a pé. O fato foi amplamente divulgado na imprensa da época. Apesar do susto, Nelson escapou quase ileso.
Seu pai, anos depois, não teria a mesma sorte. Tempos após ter voltado a trabalhar, já depois da aposentadoria, voltava para casa a pé, após mais um dia de expediente na “Folha”, quando foi prensado por um caminhão da Guarda Civil, na calçada. Conta a filha de Nelson, Regina, que o motorista do caminhão estava bêbado e, antes de fugir, jogou o corpo do avô nos entulhos de uma construção. A família ficou preocupada porque José não chegava do trabalho. Um tempo depois descobriram o ocorrido. Regina tinha cinco anos.
Estudar para crescer na vida
Nelson Ferreira de Souza, desde muito cedo, demonstrou o quanto havia puxado aos pais. Seus filhos contam que sua vida toda foi dedicada ao trabalho. Gostava de estudar e de trabalhar. Regina menciona diversas profissões exercidas pelo pai quando jovem – ainda que nem todas durassem muito tempo. Ele só precisava de uma oportunidade. Para trabalhar e ganhar um dinheirinho.
Nelson estudou no Instituto de Educação Caetano de Campos, instituição que começou a ser construída no início da década de 1890, por Antônio Caetano de Campos, então diretor da Escola Normal de São Paulo, e inaugurada em 2 de agosto de 1894. O prédio localizado na Praça da República tem predominância do estilo neoclássico, e é, por sinal, importante obra arquitetônica da cidade, tendo sido tombada em 1976. Desde 1978, abriga a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Naquele tempo, era comum que garotas frequentassem o curso normal para se formarem professoras – uma das poucas profissões “aceitáveis” para moças de boa família, na época. Não é difícil, portanto, compreender o fato de Nelson ter sido o único homem da sala. O jovem gostava de dançar e o espaço acadêmico foi um bom lugar para aproveitar seus dotes de dançarino. Mais velho, seria raro vê-lo em um salão dançando.

Formado em 1938, Nelson deixou o Instituto pronto para o mercado de trabalho. Poderia, a partir de então, atuar como professor. E foi o que fez. “Como era pobre, meu pai não podia perder tempo. Então fez curso normal. Quando ganhou o diploma de professor, foi procurar o primeiro emprego”, conta o filho mais velho, Claudio.
Seu primeiro emprego foi no Grupo Escolar Amadeu Amaral – antigo Grupo Escolar do Belenzinho (nome dado em 1907, quando criado), e atual Escola Estadual Amadeu Amaral. Ali atuou entre 30 de janeiro de 1939 e 8 de novembro de 1940. Não há registros de onde tenha estudado durante a infância, mas, por ter vivido na região, não é impossível que tenha sido exatamente nesse grupo escolar.
Nelson era funcionário da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação (SP), seu primeiro cargo público. Conciliou parte do período com o trabalho desenvolvido no Departamento de Estatística do Estado de São Paulo, mais especificamente no Cadastro Predial da Capital, entre 10 de abril e 31 de maio de 1940.
Nessa mesma época foi estudar economia, na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (que ofereceu o primeiro curso de economia do país, por sinal). Chegou a dar aula na instituição, anos depois. Foi lá também que conheceu o Padre Saboia de Medeiros, que viria a ser um grande amigo. Padre Saboia de Medeiros foi, por sinal, um dos primeiros nomeados para a formação original do futuro Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região. O padre, porém, não tomaria posse. Em seu lugar, entraria Ernesto Mendonça de Carvalho Borges, que exerceu a Presidência do Regional entre 1946 e 1948. Foi o primeiro presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, logo após a inserção da Justiça do Trabalho no âmbito do Poder Judiciário.

Nelson queria trabalhar. Trabalhar para crescer. Para não passar necessidades. E não media esforços para tanto. Ainda que fosse necessário se desdobrar para conseguir fazer tudo. Sua personalidade, no entanto, fazia com que todo esse esforço não fosse necessário. Nelson era hiperativo. Também trabalhador e extremamente ágil. No fim, era fácil para ele equilibrar todas as suas atividades. Percebeu isso cedo. E levou esse modo de viver para a vida toda.
A partir de 17 de agosto de 1940 (quando ainda era professor do Grupo Escolar, portanto) e até 28 de fevereiro de 1941, Nelson atuou como professor do Instituto Modelo de Menores (atual Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – Fundação Casa), do Serviço Social de Menores da Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo, também localizada no bairro do Belenzinho.
O instituto, que nos anos 1960 passou a se chamar Febem (Fundação Estadual do Bem-estar do Menor), funcionou no local até o ano de 2007, quando foi desativado. Hoje dá lugar a um parque e a um centro cultural. A Febem cedeu seu lugar à atual Fundação Casa.





Ainda no ano de 1940, Nelson tomou uma atitude que mudaria sua vida. Prestou um concurso para oficial administrativo. O concurso nomearia para “qualquer ministério que não houver escriturário”, em vagas abertas pelo Decreto-lei 115/1937. O certame foi realizado pelo DASP, o Departamento Administrativo do Serviço Público, órgão criado em 1937 por Getúlio Vargas (e extinto em 1986), que tinha como objetivo, dentre outras coisas, promover a seleção dos funcionários da União.
O concurso contou com provas de português, matemática, estatística, corografia, noções de direito e francês. Tempos depois, selecionaria novos funcionários do MTIC, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em vagas abertas pelo Decreto-lei 2874/1940.
Nelson foi muito bem nas provas. Devia saber que seria chamado. Enquanto o resultado não saía, ainda teve tempo de um último emprego: no Banco do Estado de São Paulo (Banespa), entre 1º de março e 18 de junho de 1941. Mais velho, dizia aos filhos que se não tivesse entrado na Justiça do Trabalho, ainda estaria no Banespa.
Seu sonho, no entanto, era ser médico. Faltava dinheiro.
O início de uma carreira na Justiça do Trabalho
O primeiro contato de Nelson Ferreira de Souza com a Justiça do Trabalho se deu em 1941.
Nelson foi nomeado no dia 17 de maio daquele ano. Como o Dasp era órgão do Ministério da Educação e Saúde, foi este que o designou para a Justiça do Trabalho, que era, naquele momento, subordinada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC). Nelson seria designado apenas dois dias depois para exercer o cargo de escriturário no recém-instalado Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região (CRT-2).
Naquele momento, os conselhos estavam submetidos ao Poder Executivo, mais especificamente ao MTIC. Seus funcionários, em sua maioria, eram do Ministério do Trabalho, que viu seu quadro ampliado pelo Decreto-lei 2874/1940, que criou cargos para atender aos serviços do Conselho Nacional do Trabalho (o órgão máximo da Justiça do Trabalho que seria instalada – atual TST) e dos demais órgãos de primeira e segunda instâncias. Sua designação foi assinada pelo presidente Getúlio Vargas e pelo ministro do Trabalho, Waldemar Falcão.
Nelson, assim, passou a fazer parte da primeira geração de servidores do Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região. A publicação do dia 21 de maio trazia 23 nomes. A eles podem ser acrescidos outros 10, designados em 15 de maio para as suas respectivas lotações. Mas com publicação no Diário Oficial apenas no mês seguinte. O CRT-2 entrou em funcionamento, portanto, com 33 funcionários.



A Justiça do Trabalho da 2ª Região ainda demoraria um pouco para iniciar suas atividades. Foram necessários alguns poucos meses de trabalho para instalação, organização, ajustes e testes para fazê-la funcionar corretamente. Enquanto o Tribunal teve sua audiência inicial apenas no dia 28 de julho de 1941, a primeira instância abriu suas portas para o público apenas no mês de agosto. Talvez por isso Nelson Ferreira de Souza tenha conseguido, mais uma vez, conciliar dois trabalhos: o de escriturário do CRT-2 e o que exercia no Banespa. A partir de 19 de junho, já com sua lotação definida, Nelson passaria a se dedicar exclusivamente à Justiça do Trabalho. Seria assim pelas próximas décadas – mas com algumas exceções.
A 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo
Em 1941, o CRT-2 era formado, em sua primeira instância, por oito juntas de conciliação e julgamento, sendo seis na Capital paulista, uma na cidade de Curitiba e uma na cidade de Cuiabá. A jurisdição da Justiça do Trabalho da 2ª Região era ampla: além de todo o estado de São Paulo, também faziam parte os estados do Paraná e do Mato Grosso, ainda unificado.
A primeira lotação de Nelson Ferreira de Souza foi na 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo, localizada no Edifício Brasil, na rua Conselheiro Crispiniano, 29. Era lá que ficava toda a Justiça do Trabalho: suas seis juntas, o tribunal e a parte administrativa. No mesmo prédio, ainda era possível encontrar a sede do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em São Paulo.



A equipe era pequena. A seu lado, Nelson tinha como colegas Rubens Noronha de Melo, Maria Helena Lobo Rosa e Antônio de Castro Assunção, todos escriturários classe E, pertencentes aos quadros do Ministério do Trabalho. Tinham prestado o concurso do Dasp. Foi desse concurso, originalmente para auxiliar administrativo, que saiu a maior parte dos primeiros funcionários do TRT-2. Por estar o CRT-2 submetido ao MTIC e por não possuir quadros próprios, era natural que os funcionários tivessem como origem principal aquele ministério.
Em seu primeiro ano, o Tribunal ainda contava com 16 extranumerários diaristas, contratados para o cargo de estafeta, uma espécie de “office boy” da época. Todos foram nomeados em agosto de 1941. Cada junta teve designado um estafeta; os demais foram para o tribunal e para os setores administrativos.
Da relação original de estafetas, até hoje apenas dois foram identificados pelo Centro de Memória: Mário Lopes Silvério (lotado na 1ª JCJ e que, anos mais tarde, viria a ser o Distribuidor do Tribunal, até sua aposentadoria) e Maurício Lenine Pires (lotado na 6ª JCJ, na qual atuaria durante os 35 anos em que trabalhou no TRT-2). Não há registros, porém, de quem teria sido designado para a 2ª Junta.


Já formado em economia, não demorou muito para que Nelson Ferreira de Souza fosse designado para o cargo de chefe de secretaria. A nomeação saiu no dia 14 de julho de 1941. Quem assina é o juiz-presidente da 2ª JCJ, Thélio da Costa Monteiro, que viria a ser, anos depois, presidente do TRT-2 (gestão 1953-1954) e ministro do TST.
Uma colega de trabalho que marcaria uma vida
Nascida em 19 de outubro de 1916, Maria Helena Lobo Rosa era a única mulher lotada na 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo. Era um tempo bastante machista, em que não só poucas mulheres trabalhavam, como também apenas iam para a labuta aquelas que tinham real necessidade.


As coisas eram um pouco diferentes no caso de Maria Helena. A jovem de 24 anos vinha de uma importante família paulista. Seu pai, Fernando Rodrigues Rosa era um reconhecido empresário. Membro do Partido Democrático (diretório de Santa Cecília) e do Clube de Tiro Nacional de São Paulo, Rodrigues Rosa era proprietário de diversos prédios e terrenos pela cidade. No fim da década de 1920, quando São Paulo se preparava para uma grande ampliação de suas ruas e avenidas, teve que vender várias de suas propriedades para a abertura da av. São João, o que lhe rendeu um amplo capital.
Seu dinheiro, porém, não vinha apenas dali. Fernando Rodrigues Rosa foi proprietário da Botica Ao Veado D’Ouro, tradicional farmácia localizada na rua São Bento, criada em 1858 pelo imigrante alemão, e farmacêutico, Philip Gustav Schaumann. Naquele tempo, São Paulo contava com 30 mil habitantes e apenas quatro farmacêuticos. A ideia de Schaumann era criar uma farmácia boutique.



A Botica Ao Veado D’Ouro e uma imagem de como era uma farmácia no início do século XX.
Gustavo (como assinaria mais tarde, “abrasileirando” o nome) era pai de Henrique Schaumann (o mesmo que hoje dá nome à famosa rua na região de Pinheiros). Henrique assumiria o controle do estabelecimento em 1879. Em 1905, quem assumiu foi Conrado Melcher, de quem Fernando Rodrigues Rosa passaria a ser sócio a partir de 1919, quando Melcher dissolveu a sociedade com Max Lorenz. Fernando já era um antigo funcionário da empresa. Farmacêutico de formação, Rodrigues Rosa era uma pessoa extremamente competente e honesta, como conta Regina, filha mais nova de Nelson.

Na década de 1940, Melcher venderia sua parte para antigos funcionários da empresa, que tocariam a Botica Ao Veado D’Ouro pelos próximos anos. Conta Regina Fonseca que, em determinado momento “a Botica era responsável por toda a importação das químicas provenientes da Alemanha. Enquanto a Rhodia, importava as da França”. Era uma empresa muito grande, portanto.
A farmácia passaria por diversos proprietários ao longo do tempo, até seu fechamento, em 2008, quando completaria 150 anos. Fernando Rodrigues Rosa faleceu em 1971, vítima de um câncer linfático. Já não era mais proprietário da Botica. Nem viu como isso aconteceu.

Maria Helena Lobo Rosa era, portanto, da alta sociedade paulistana. Havia estudado em bons colégios, como o próprio Caetano de Campos, em uma época em que “apenas políticos e filhos de gente muito rica” o frequentava. Era uma escola pública, mas extremamente elitizada. E de muita qualidade. Depois, estudou no Madre Cabrini. Gostava de jogar tênis e de tocar piano. Sua mente, porém, era extremamente aberta. Não queria viver sua vida fechada naquele ambiente.
Por isso mesmo, viu-se em uma complicada situação ao completar os estudos. Não queria ter que fazer seu enxoval para casar, como era obrigação de todas aquelas que conhecia em seu círculo social. Queria estudar, queria trabalhar, queria algo além do que aquilo que sua família havia projetado para ela. Não conseguia conceber a ideia de ter que ficar em casa.
Maria Helena já era, na década de 1930, muito diferente de suas amigas, todas preparadas para casar e ter filhos – não para trabalhar. Sua cabeça era aberta para o novo. Lia muito. E, apesar de querer, sim, casar e ter filhos, tinha certeza de que precisava também fazer algo que a estimulasse intelectualmente. Atormentou muito a mãe, que já tinha desenhado o futuro para a jovem Maria Helena. Até que um dia não teve jeito: “Vão achar que seu pai está mal de vida”, lamentou a mãe. “Mas faça o que você quiser”. E lá foi Maria Helena fazer cursinho pré-jurídico. Acabou por entrar no Largo de São Francisco, onde estudou por três anos. Até que um dia teve que viajar para a Argentina. E nunca mais retornou, arrependimento que a acompanhou a vida toda.
Foi essa vontade de explorar o mundo que fez com que resolvesse prestar o concurso do Dasp, em 1940. Estudiosa e bastante inteligente, não foi surpresa ter passado. Em uma das últimas etapas do concurso (prova de português), eram 66 candidatos. Desses, apenas nove eram mulheres. Mais uma vez, Maria Helena estava à frente de seu tempo.
Maria Helena foi nomeada em 1941 para o Ministério do Trabalho. Assim como Nelson Ferreira de Souza, logo na sequência já tinha sua designação: a 2ª Junta de Conciliação de São Paulo.
Sua família não acreditava no que a jovem estava fazendo. Suas amigas ficaram em estado de choque. Mas ela costumava dizer: “Deixa eu errar, mas eu erro sozinha. Não quero palpite de ninguém”. Também não adiantaria.
A vida de Maria Helena mudou radicalmente assim que entrou no CRT-2. “Ela adorava a Justiça do Trabalho”, comenta a filha mais nova, Regina. E sempre falava com muito orgulho sobre o trabalho: “Estou em um ambiente em que as pessoas leem ‘O Estado de S.Paulo’. Não receita de bolo”, lembra Regina das palavras da mãe. Na Justiça do Trabalho, Maria Helena conheceu novas pessoas, fez novos amigos e ali encontrou seu futuro marido: o chefe de secretaria da 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo, Nelson Ferreira de Souza.

Maria Helena ficou encantada com aquele moço. Trabalhador, agitado, de mente ativa. Apesar de terem personalidades extremamente diferentes, parecia que tinham se encontrado na vida. “Mamãe era muito alegre, muito jovial. Ela era meio atrapalhada, é verdade. Mas muito responsável. Já papai era mais sério, muito severo. Com ele, com os filhos, com tudo”, conta Regina, fazendo questão de destacar o quanto o pai era trabalhador, responsável e tinha vontade de crescer. Características que tinham deixado Maria Helena fascinada.
Os dois se complementavam. A família de Maria Helena aprovou Nelson – pelas mesmas razões que haviam conquistado Maria Helena. No fim, não houve qualquer resistência. “Todos tinham grande admiração pelo meu pai”, conta Regina.
Depois de algum tempo de namoro, os dois se casaram. Tinham 30 anos. O enlace aconteceu em 9 de janeiro de 1947, na Igreja Nossa Senhora da Consolação. E foi registrado pela coluna “A Sociedade”, do jornal “O Estado de S.Paulo” e também pelo jornal “Correio Paulistano”. A filha de Fernando Rodrigues Rosa e de Margarida Álvares Lobo Rosa, “filha do saudoso maestro Elias Álvares Lobo e de Isabel de Arruda Lobo” casava-se com o chefe da secretaria da Justiça do Trabalho.

Nove meses depois, em outubro de 1947, nascia Claudio Rosa de Souza, o primeiro filho do casal. A filha mais nova, Regina, nasceria em abril de 1954. Seriam os únicos filhos.
A vida de Maria Helena, porém, não parou. Cuidava do marido, do filho e organizava muitos eventos. Ou, como brinca o filho, Claudio, “participava de comitês organizadores”. Estava sempre envolvida em meio a alguma confraternização. Foi assim quando da aposentadoria do juiz João Rodrigues de Miranda Junior, em 1949. Foi assim quando do aniversário de Mario Pimenta de Moura, em 1950. Tudo noticiado pelos jornais da época.


Homenagens realizados pelo TRT-2: presença constante de Maria Helena Lobo Rosa na comissão organizadora. “Correio Paulistano” dos dias 11 de agosto de 1949 e 25 de abril de 1950, respectivamente. Fonte: Hemeroteca Nacional.
Sempre elegante, Maria Helena era de uma época em que as funcionárias do tribunal “se vestiam como se fossem a uma festa”, como lembra a servidora Maria Antonia Savi, que atuou no TRT-2 entre 1962 e 1980. “Minha mãe ia trabalhar de luva e chapéu”, comprova Regina, exibindo uma foto.


Ao longo dos anos, apesar de não ter concluído sua graduação no Largo São Francisco, tornou-se chefe de secretaria da 7ª Junta, instalada em 1946. Trabalhou com juízes como Fernando de Oliveira Coutinho, Hélio de Miranda Guimarães (considerado um pai por Maria Helena) e Homero Diniz Gonçalves. Teve com Homero uma longa convivência de trabalho, que durou até a nomeação do magistrado para a segunda instância, em 1969. “Foram cerca de 15 anos”, lembra Claudio. A relação, porém, foi além. Claudio (filho de Nelson e Maria Helena) e Victor Luiz (filho de Homero) eram muito amigos quando jovens. Frequentavam a casa um do outro. Claudio conta que quando encontrava com Homero, o magistrado sempre falava com carinho de sua mãe. E lembrava o quanto ela era competente e o havia ajudado em sua carreira. Maria Helena aposentou-se em 1975.



Uma função, diversos cargos
Quando Nelson se casou com Maria Helena, o funcionário da Justiça do Trabalho tinha 30 anos. Estava desde os 25 na 2ª Junta, sempre exercendo o cargo de chefe de secretaria. E com grande competência.
Em 1943, foi elogiado pelo juiz Thélio da Costa Monteiro, presidente da 2ª Junta, “pela eficiência e dedicação demonstradas no exercício de suas funções”. Thélio ficaria à frente da 2ª JCJ até 1946, quando seria nomeado para o cargo de juiz de tribunal. Em seu lugar assumiria o juiz José Ney Serrão (que havia sido, desde 1944, quando criada e instalada, presidente da Junta de Conciliação de Santos).
Foi com José Ney Serrão à frente da 2ª Junta que Nelson teve seu primeiro afastamento mais longo do trabalho. Isso porque entre 9 de abril e 9 de julho de 1945 Nelson realizou estágio militar na Fortaleza de Itaipu, “atuando nas funções de tesoureiro, almoxarife e aprovisionador”. Foi elogiado por seu superior, general Julio Caetano Horta Barbosa, que o louvou “pelo espírito militar, inteligência e interesse demonstrados no desempenho de suas funções e os sentimentos de camaradagem e disciplina que sempre manteve”.
Não era a primeira vez que Nelson servia o Exército. Em 1935 havia atuado como reservista, prestando serviço militar entre fevereiro e novembro daquele ano. Os filhos de Nelson contam que o pai era adorado no Exército. Oferecia-se para redigir discursos (algo que faria inclusive no Tribunal, até mesmo para presidentes em exercício), participava e ajudava de todas as formas. Talvez por isso conseguisse permissão para ir de Itaipu a São Paulo visitar a namorada, Maria Helena, nos fins de semana. Dirigindo o jipe do general. Ele era bom no trato das pessoas. Sabia ser político e se relacionar. E gostava de participar de toda essa cena.


Nelson Ferreira de Souza (o terceiro da fila da direita, na fotografia do lado esquerdo), durante seu tempo de CPOR (Curso de Preparação de Oficiais da Reserva). À direita: em sua formatura do CPOR, com Maria Helena. Fotos: fundo Nelson Ferreira de Souza / acervo TRT-2.
Ao longo dos anos como funcionário da Justiça do Trabalho, Nelson Ferreira de Souza teve muitos cargos. Começou como escriturário, em 1941. Em 1948, foi nomeado para o cargo em comissão de chefe de secretaria. Em 1951, foi promovido de classe de oficial judiciário, em vaga decorrente da promoção de Maria Anízia Fadigas, irmã de outra funcionária, Maria Lavínia Torres Ribeiro (que chegou a atuar como diretora-geral do TRT-2). Novamente quem assina é Thélio da Costa Monteiro, dessa vez como vice-presidente em exercício.
Eram tempos em que, para ocorrer uma promoção, era preciso a exoneração de outro funcionário, em substituição. A quantidade de funcionários, no entanto, era pequena. A pasta funcional de Nelson Ferreira traz uma ideia disso.
Em 1952, um documento, assinado pelos 56 funcionários do TRT-2, e destinado aos juízes do Tribunal, pede equiparação de salários com os funcionários do TRT-1. No ano anterior, a Lei 1.414/1951 havia fixado valores para os funcionários do TRT-1 e não para os dos demais Regionais. Os funcionários, incrédulos diante da falta de isonomia, requereram a equiparação. Apesar de não poder corrigir o “desatino”, o presidente do TRT-2, à época, José Teixeira Penteado, solicitou a reestruturação do quadro de funcionários do TRT-2 ao Congresso Nacional e remeteu o processo ao presidente do Senado Federal. No relatório, um igualmente consternado vice-presidente (Thélio da Costa Monteiro, em exercício naquele momento) relatou sua incredulidade diante da inexistência de reajustes desde o ano de 1948 e dos baixos valores percebidos pelos funcionários do TRT-2: “Dentre esses funcionários, muitos são casados e têm encargos de família. Como vivem eles atualmente?”. Não há registros quanto ao desenrolar do processo.

Em 10 de outubro de 1953, Nelson Ferreira de Souza foi finalmente efetivado no cargo de chefe de secretaria, ocupado, até então, em comissão. O ato, assinado por Thélio da Costa Monteiro, presidente da época, e magistrado com quem Nelson havia atuado nos primeiros anos de CRT-2, inclui também a funcionária Zélia Martins Brandão. Zélia havia sido nomeada também em 1941 e seria, anos depois, colega da magistratura trabalhista. Sua aposentadoria sairia em 1972, ano em que Nelson seria promovido ao cargo de juiz de tribunal.
Foi nesse período que Nelson apaixonou-se pelo direito do trabalho. E encantou-se pela possibilidade de efetivar as leis por meio da atividade judicante. Nelson era getulista. Acreditava nas leis. “Ele falava que antigamente o homem do campo ficava à mercê de Deus”, relembra Regina. Para ele, com a Justiça do Trabalho, isso não mais iria acontecer.
Agora um bacharel em direito
Apesar de exercer a função de chefe de secretaria desde sua entrada no Tribunal, em 1941, aquela atividade não lhe parecia suficiente. A voz de sua mãe falando que ele deveria estudar para crescer na vida ficava martelando em sua cabeça. Nelson não era acomodado. Foi assim que resolveu que era hora de voltar à faculdade e estudar direito.
Seu curso foi feito na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Lembra o servidor aposentado Domingos Manoel Escalera, que atuou no TRT-2 entre 1948 e 1978, que o curso escolhido foi feito por correspondência, modalidade que existia na época, o que foi confirmado por Claudio, o filho mais velho. Nelson trabalhava em São Paulo e se deslocava ao Rio de Janeiro em algumas oportunidades, apenas para cumprir o cronograma de atividades presenciais.

Nelson era esforçado: “Ele se dedicava muito ao que queria”, comenta Claudio. E gostava de estudar, hábito que tinha adquirido ainda na infância – e tentaria, de todas as formas, passar aos filhos.
Quem sabe a Magistratura?
Quando a Justiça do Trabalho foi instalada, em 1941, os juízes nomeados eram todos indicados pela Presidência da República. Subordinada ao Poder Executivo, mais especificamente ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a JT contava com juízes, que nela trabalhavam, mas que não possuíam as garantias constitucionais de seus colegas magistrados. Nem mesmo a palavra Tribunal constava nos nomes dos órgãos da JT.
Tudo começaria a mudar a partir de 1946, quando a nova constituição trouxe a vinculação da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário. Os conselhos (nacional e regionais) passaram a se chamar tribunais. Os magistrados ganharam as mesmas garantias de seus pares de outras justiças. O Decreto-lei 9.797/1946 alterou ainda a redação do art. 654 da CLT, passando a exigir a realização de concurso público para o ingresso na Magistratura do Trabalho, para o cargo de juiz substituto nas sedes da 1ª e da 2ª Regiões. Nas demais localidades, o ingresso seria direto para o cargo de juiz-presidente de junta.
Em 1948, o TRT-2 organizou seu primeiro Regimento Interno. No mesmo ano, foi publicada a Lei 409/1948, que finalmente criava os quadros de pessoal da Justiça do Trabalho. Em 1949, aconteceria o primeiro concurso para funcionários do TRT-2 (ainda voltado apenas para os interinos).
A década de 1950 também seria muito importante (e agitada) na 2ª Região Trabalhista. Isso porque já era notória, ainda no fim da década de 1940, a necessidade de criação de novas juntas de conciliação e julgamento. E não apenas na cidade de São Paulo.
O aumento do volume de processos, reflexo do crescimento industrial, de comércio e de serviços nas cidades da 2ª Região, em especial no estado de São Paulo, colocava como prioridade a criação de novas unidades judiciárias. Todas elas necessitariam de funcionários e de magistrados para serem colocadas em funcionamento. Entre 1953 e 1956, o TRT-2 ganharia 15 novas juntas, 12 delas na cidade de São Paulo (além de unidades nas cidades de Santos, Ribeirão Preto e São Caetano do Sul).
Foi nesse contexto que foi organizado o I Concurso da Magistratura do TRT-2, cuja abertura foi assinada no dia 6 de janeiro de 1953. O certame, que teve Ildélio Martins como primeiro colocado (e primeiro juiz concursado da história do TRT-2 e da Justiça do Trabalho), contou com 31 candidatos (sete dos quais tiveram o pedido de inscrição indeferido). Ao fim, 15 formam aprovados.
Nelson Ferreira de Souza, já bacharel em direito, ficou na quinta colocação. Seus colegas Gabriel Moura Magalhães Gomes (diretor de secretaria da 3ª Junta de Conciliação de São Paulo) e Júlio Assunção Malhadas (servidor da segunda instância do TRT-2 desde 1941) também prestaram o concurso e ficaram na segunda e na quarta colocações, respectivamente.

A nomeação, no entanto, demorou a acontecer. Foi somente em 2 de abril de 1955 que Nelson Ferreira de Souza foi finalmente nomeado juiz substituto do TRT-2. O ato foi assinado por Hélio Tupinambá Fonseca, juiz do Regional desde 1943 e presidente do TRT-2 entre 1954 e 1959.
Nelson seria exonerado do cargo de chefe de secretaria no dia 26 de abril de 1955. Em seu lugar ficaria o funcionário Decio Luiz de Toledo Leite, no Tribunal desde 1948. Filho do juiz Décio de Toledo Leite, pertencente à primeira geração de juízes do TRT-2 e que viria a ser presidente do Regional entre 1959 e 1963, Decio Luiz havia sido efetivado em seu cargo em 1949, por ter sido aprovado no primeiro concurso para funcionários do TRT-2.


Foram apenas oito meses até que Nelson Ferreira de Souza fosse promovido ao cargo de juiz-presidente de junta, por antiguidade (decreto publicado em 17 de dezembro de 1955). Nelson, incialmente, foi lotado na JCJ de Santo André, no lugar de Antônio Felipe Domingues Uchôa, que havia se removido para a 9ª JCJ de São Paulo. O TRT-2, no entanto, já se preparava para instalar nove novas juntas na cidade de São Paulo.
Criadas pela Lei 2.694/1955, elas aguardavam apenas a liberação de espaço físico para a instalação. O TRT-2, que durante toda sua história havia lidado com problemas de espaço, via-se em um ponto em que: ou encontrava um novo prédio (o da rua Quirino de Andrade não mais suportava a quantidade de pessoas e de unidades) ou não conseguiria mais crescer. A solução foi a locação de um edifício na rua Rego Freitas, nº 527. A mudança aconteceria apenas no início do ano de 1957. A partir de 21 de novembro de 1956, Nelson Ferreira de Souza tornou-se o primeiro juiz-presidente da 15ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo.
Atuando na 15ª JCJ, já na rua Rego Freitas, a vida do juiz-presidente Nelson Ferreira de Souza mudaria completamente. Sua esposa, Maria Helena, continuava como chefe de secretaria da 7ª JCJ.


Do lado esquerdo, a nomeação de Nelson Ferreira de Souza. À direita, remoção para a 15ª JCJ. Fonte: acervo TRT-2.
O casal que trabalhava no mesmo prédio
Nelson ficaria na 15ª JCJ ao longo de 16 anos. Durante todo esse tempo, trabalhou com Maria Helena no mesmo prédio. Mas pouco se viam. Conta o filho, Claudio, que Maria Helena nunca colocou o sobrenome do marido nos assentos funcionais, o que lhe renderia problemas após sua aposentadoria, em 1975, quando, finalmente, teve que alterar seu nome nos registros do Tribunal para poder receber seus proventos. “Não quis ter trabalho quando era moça, vou ter que ter trabalho agora velha”, brincou ao contar o incidente aos filhos.
Maria Helena e Nelson eram extremamente discretos e independentes, o que fazia com que poucos soubessem que eram casados. O próprio Claudio lembra que havia advogados que conheciam seu pai e sua mãe há anos, mas que foram descobrir que eles tinham qualquer conexão apenas décadas depois. Os horários, também, não batiam. “Juiz saía mais cedo e mamãe tinha horário para cumprir”, comenta Regina.

Por ter pai e mãe atuando na Justiça do Trabalho, Claudio Rosa de Souza conheceu desde cedo o TRT-2. Talvez por isso o médico legista aposentado tenha tantas memórias do Regional. “A primeira vez que entrei no Tribunal eu era muito criança”. O jovem estudava no Colégio Caetano de Campos, na Praça da República, mesmo lugar onde havia estudado o pai. Saía da escola e ia todos os dias encontrar a mãe na Justiça do Trabalho, já na rua Rego Freitas, com quem voltava a pé para casa. Moravam, na época, na rua Haddock Lobo.


Fotos: fundo Nelson Ferreira de Souza / acervo TRT-2.
Já que visitava o Tribunal com maior regularidade, aproveitava para conhecer o espaço e as pessoas. “Eu não ficava brincando na máquina de escrever. Eu subia nos andares e ia visitar as amigas da minha mãe”. No fim, conhecia muita gente, com os mais diversos cargos, como Mario Pimenta de Moura, diretor da Secretaria do Tribunal (servidor do TRT-2 entre 1941 e 1965), Ordália Monteiro Paes Machado Coelho, que atuou na 7ª JCJ com a mãe (servidora do TRT-2 entre 1956 e 1985), e Jaime Silva de Almeida, zelador do prédio da Rego Freitas e depois da Rio Branco (servidor do TRT-2 entre 1962 e 1985).

Outra pessoa que Claudio sempre visitava era a tia, Helena de Souza Diggelmann, que trabalhava no Protocolo do TRT-2. Era muito amiga de Cristina Martins, filha do ministro Ildélio Martins, primeiro magistrado concursado do TRT-2 e da Justiça do Trabalho – muito amigo, por sinal, de Nelson Ferreira de Souza. Cristina trabalharia, anos depois, com Nelson, já na segunda instância.
Claudio lembra-se ainda de outra “famosidade” do TRT-2: Maria Portinari Carvalho. “Ela era muito amiga da minha mãe”, conta.
Claudio recorda-se de um curioso episódio envolvendo Maria Portinari. Trata-se da mudança da Justiça do Trabalho do prédio da rua Quirino de Andrade para a rua Rego Freitas. Durante a organização das caixas, etiquetas foram colocadas para a identificação dos donos de seus conteúdos. Em uma delas, estava “Maria Portinari”. Diante do famoso sobrenome, a equipe da mudança perguntou qual seria a relação da funcionária com o artista plástico. “Quando ela disse que era irmã do Portinari, eles colocaram as coisas dela sozinha no caminhão para não bagunçar”, conta Claudio, entre risos.


Claudio lembra dos prédios (e de cada um dos endereços, com número e tudo!), das pessoas e das confraternizações. “Faziam festa de Natal todos os anos. E tinha um funcionário que era sempre o Papai Noel”. Era uma grande alegria não apenas para os funcionários, mas também para as famílias que ali se reuniam anualmente. Não à toa todos se conheciam e a frase “ali era uma grande família” se repita entre depoimentos de servidores que atuaram no Regional nas primeiras décadas de seu funcionamento.
Regina também ia, ocasionalmente, visitar os pais. Gostava de ir à junta na qual Maria Helena trabalhava, onde encontrava sempre alguns “brinquedos”: “Tinha uma máquina de fazer confete que eu adorava (falando sobre o furador de papéis). Tinha também um apontador e eu ficava mexendo na manivela até acabar o lápis”.
Apesar da pouca idade na época, Regina lembra muito bem dos funcionários da 7ª JCJ e do quanto sua mãe era querida por todos. “Quando chegava dezembro, ela dava férias para todo mundo que tinha filhos”. Maria Helena tinha pena dos funcionários: queria que aproveitassem o tempo com os filhos, ainda que a secretaria ficasse um pouco desfalcada. Mas também, quando precisava, podia contar com a ajuda de qualquer um. “Todos faziam questão de ajudá-la porque ela quebrava o galho de todo mundo o tempo todo”, lembra Regina.

Mesmo dizendo que sua personalidade é muito parecida com a do pai, Regina conta que foi pouquíssimas vezes visitá-lo na sala de audiência: “Via de longe, fazia tchau e acabou”. O ambiente devia ser mais leve em uma secretaria que em uma sala de audiência.
Um defensor corintiano
Nelson não aguentava ficar parado. Dormia muito pouco. “No máximo quatro, cinco horas”, comenta Regina. E trabalhava o quanto fosse preciso para sempre ter seus processos em dia. Com o tempo que lhe sobrava, buscava mais coisas para fazer. E geralmente essas “coisas” estavam relacionadas com esporte.
O magistrado era corintiano. Começou a se envolver com o clube jovem ainda e chegou a fazer parte, durante anos, do conselho da agremiação. Conhecia todos os dirigentes. Seus amigos eram pessoas como Vicente Matheus (um dos mais importantes e lendários presidentes do Corinthians), Anis Aidar (advogado que foi conselheiro do clube – e pai de Rubens Tavares Aidar, magistrado que viria a ser presidente do TRT-2 entre 1994 e 1996) e Wadih Helu (presidente do Corinthians entre 1961 e 1971). De sua participação no jurídico do clube até um cargo de juiz do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Futebol foi rápido. Tornou-se membro efetivo do TJD paulista em 1962, apesar de seu nome figurar em publicações relacionadas à entidade desde 1960 (quando Anis Aidar era o presidente, por sinal). Nelson gostava do ambiente. “Era a diversão dele”, lembra Regina.


Sua atuação no direito desportivo foi expressiva. Chegou a ocupar o cargo de presidente do TJD em momento distintos nas décadas de 1960 e 1970. Participou de importantes julgamentos, que tiveram grande repercussão. Dentre eles uma briga envolvendo Rivellino, craque de seu clube de coração – no qual foi (olha que coisa!) absolvido. Na verdade, o atleta, que poderia pegar até dois anos de suspensão, acabou por ser condenado a apenas cinco jogos.
É de seus tempos de TJD, ainda, um imbróglio envolvendo um ex-presidente afastado do Corinthians (o que permitiria a entrada de Vicente Matheus na Presidência do clube, por sinal) – desse último, declarou-se, já como presidente, impedido, “por não querer ser traído por seus sentimentos de corintiano” (“O Estado de S.Paulo”, 22 de agosto de 1972). Por suas mãos passaram ainda processos contra Garrincha e Ademir da Guia.




Nelson representou a seleção brasileira como chefe de delegação em diversos momentos. Inclusive às vésperas da Copa do Mundo de 1974 (sediada e vencida pela Alemanha Ocidental). Seu nome era uma constante nos jornais da época, em especial d’ “A Gazeta Esportiva”, mais relevante veículo esportivo da época.


À direita, recorte do jornal “A Gazeta Esportiva”, guardado pela família. À direira, registro de Nelson em um de seus tantos compromissos representando a CBD, Confederação Brasileira de Desportos. Foto: fundo Nelson Ferreira de Souza / acervo TRT-2.
Claudio conta que Nelson se envolveu não apenas com o futebol, mas também com tribunais de justiça desportiva de diversas modalidades, como o de basquete (no caso, o TJD da Federação Paulista de Basketball – ou Bola ao Cesto, no português da época). “Ele se envolvia em tudo quanto era federação que existia. Sempre na parte jurídica. Isso dava notoriedade para ele, mais do que ser presidente do tribunal poderia dar”, completa Regina. Nelson gostava dessas coisas.



Um exigente pai para duas crianças
Nelson era um pai extremamente rígido. Queria o melhor para os filhos. Por isso, exigia total dedicação aos estudos, assim como sua mãe com ele fizera. No fim, Christina teve um filho que obteve os mais variados diplomas, que era extremamente trabalhador, nada acomodado, com um português impecável e que não apenas escrevia muito bem, como falava muito bem. Esse era o exemplo que Nelson tinha em casa e olha o resultado que houve! Como não exigir o mesmo dos seus próprios filhos? Foi o que fez.
Claudio e Regina contam que na casa em que moravam havia uma copa, em que tomavam café da manhã. O pai havia transformado o espaço em uma verdadeira sala de aula. Não com carteiras e cadeiras, mas com lousas. Cada parede tinha um “respectivo dono”. De um lado, ficava a lousa de Claudio. Do outro, a de Regina. Ali eram cobrados conteúdos vistos na escola, de conjugações verbais a cálculos matemáticos. As crianças odiavam. “Ele era muito bravo e muito exigente com a escola. Eu sofri”, relembra Claudio.



Nelson com os filhos. Foto: fundo Nelson Ferreira de Souza / acervo TRT-2.
Toda essa exigência serviu, com certeza, para moldar os dois jovens. “Não havia opção. Era só estudar”. Claudio lembra, inclusive, que o pai resistiu para comprar uma televisão: segundo ele, iria atrapalhar os estudos. Claudio, no fim, se formou em Medicina, o sonho de seu pai: “Não poderia ter escolhido outra profissão”, comenta. Começou a faculdade em Coimbra e depois finalizou no Brasil. Eram tempos de ditadura em Portugal. Corria risco ali.
Quando Claudio se formou médico, fez concurso federal, para o antigo Inamps – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social. Na época, a Justiça do Trabalho nomeava médicos que fossem concursados federais. O presidente era Homero Diniz Gonçalves, pai de seu amigo Victor Luiz.
Claudio conta que um dia estava na casa de Homero e teve um estalo. Foi até o quarto do presidente do Tribunal. Homero estava em sua cama. Tomou coragem e falou que tinha sido aprovado em concurso. “Será que não tem como me chamar?”, perguntou. O pai, quando soube, ficou furioso e não permitiu.
Claudio acabou por enveredar sua carreira para a área da dermatologia. Foi ainda médico legista da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, de onde está aposentado desde 2013. Já Regina formou-se em odontologia. Desenvolveu uma próspera carreira. Aposentou-se agora, na pandemia. O pai teria ficado orgulhoso.



A braveza e exigência de Nelson Ferreira de Souza em casa poderia parecer estranha para quem olhasse de fora, porém. Nelson tinha muitos amigos. E era, segundo os filhos, muito querido entre eles. “Minha mãe falava: lampião da rua, escuridão de casa”, lembra Claudio. Pareciam pessoas diferentes.
Nelson gostava de sair e participar de eventos sociais. Levava a família para festas e casamentos. Mas tinha aprendido técnicas importantes de socialização. Para ser visto, lembrado e ir embora. Fazia isso toda vez. E eram muitos os eventos. “Papai nunca foi de dar festa em casa. O negócio dele era na rua. Ele era amigo do mundo. O da direita, da esquerda, o mais rico, o mais humilde, de todo mundo”, conta Regina. Seu melhor amigo foi Jayme Radesca, primo de Edgar Radesca, juiz de tribunal no TRT-2. A filha de Jayme, Cybelle Radesca Pucca, também foi funcionária do Regional.
Jayme era dentista e adorava cantar – era tenor. Junto com Nelson Ferreira de Souza frequentou bastante o Teatro Municipal, principalmente para assistir a óperas. Ocasionalmente, tinham a companhia de outro juiz do TRT-2, Antônio Lamarca (que seria, por sinal, seu sucessor na Presidência do TRT-2). Pianista que era, Maria Helena sentia-se especialmente realizada. Em meio à música clássica também seriam criados os filhos do casal.





Nelson tinha algumas manias. Buscava sempre o melhor. Às vezes, queria ir comer algo especial. Se soubesse que havia um restaurante no Rio de Janeiro que servisse a melhor versão da iguaria desejada, era para lá que iria com a família. E voltava para São Paulo no mesmo dia. Os filhos contam que, quando ele gostava de algo, comprava (bem) mais de um: poderia ser uma vassoura para a casa, uma tintura para os bigodes ou um anel para a mãe.
Nelson passava pouco tempo em sua residência. Regina conta que quase não via o pai em casa. Ainda assim, segundo a filha, “ele sabia de tudo”. Até mesmo as notas dos filhos na escola – e já questionava sobre alguma nota antes mesmo de o boletim chegar.
Segundo Regina, Nelson tinha “um autoritarismo benéfico”. “Em função disso, eu não fui assim quando virei mãe. Eu fui controlada e liberei meus filhos”, relata Regina, com um tom um pouco arrependido. O mesmo contou Claudio. Ambos, uma vez que tiveram a oportunidade de sair de casa foram buscar construir suas próprias vidas, de forma independente. Assim como seus pais.
Muitos homônimos
Nelson Ferreira de Souza tinha um nome simples. E sobrenomes muito comuns. Não é difícil imaginar, portanto, que tivesse também muitos homônimos. Tantos que foi tarefa complicada compreender a trajetória de Nelson por meio dos jornais. Eram muitos, em locais tão diferentes, com idades que não batiam e profissões tão diversas que era claro que havia algo errado.
Assaltantes no Rio de Janeiro e no Paraná, economista (que podia muito bem ser ele), comerciante, operário, soldado, delegado em Santos. Todos chamados Nelson Ferreira de Souza. Não é possível dizer se ele ou um deles gostava de apostar. E ganhava sempre – ainda que pouco dinheiro. Mas fato é que um dos Nelson Ferreira de Souza tinha bastante sorte. Até mesmo na 2ª JCJ, da qual era secretário, passou um (outro) Nelson Ferreira de Souza.







Reportagens de jornal mostram os mais variados Nelsons.
Um dos homônimos, carioca, sempre estava envolvido em enrascadas. Em 1952, fugiu do 8º Distrito Policial do Rio de Janeiro (“seminu”), ao lado de oito outros presos. E não foi capturado. Em 1956, aos 26 anos, foi informado: “Vim dar um tiro em você”, e levou mesmo. Foi parar no Miguel Couto, com um tiro na perna direita. Em 1974, Nelson Ferreira de Souza, o carioca, virou sequestrador. O caso resultou em quatro mortes. E em sua prisão, novamente. Outro, trabalhador da Cosipa, perdeu a família toda em um terrível incêndio. Fins trágicos para vários Nelsons.
“Ele brigou a vida inteira com os homônimos. Ele tinha processo por causa de homônimo. Uma vez ele queria fazer alguma coisa, não lembro o que, e não pôde fazer porque o nome estava sujo”, comenta Regina. “Qualquer coisa que ele ia fazer, ele tinha que publicar no jornal quem ele era: fulano de tal, CPF tal, filho de não sei quem, porque ele tinha muito problema”, completa Claudio. A sorte, porém, eram os seus amigos, que sempre o ajudavam: “Ele conhecia gente da Polícia, então resolvia. Mas ficava com o nome sujo. Até limpar, demorava”, lembra Claudio.
O pai de Nelson, José Ferreira de Souza, também teve diversos homônimos. Lembra Regina, a filha mais nova, que Maria Helena contava que apenas na 7ª Junta já tinham passado 30 processos com esse nome. Nenhum era o pai de Nelson.
Um dos Nelson Ferreira de Souza, por sinal, era filho de Joaquim Ferreira de Souza. Bem próximo, não o mesmo.
O mais ilustre dos Nelsons
Nelson Ferreira de Souza atuou durante 16 anos como juiz da primeira instância do TRT-2. Durante esse tempo, atuou na comissão de alguns concursos, dentre eles o concurso de 1968 para os cargos de auxiliar judiciário e servente. Quem melhor para organizar um certame desse tipo do que alguém que já tinha passado por essa posição?
Seus filhos falam, com orgulho, que o pai era muito trabalhador. E rápido na solução de seus processos, preocupado que era em não deixar litígios para trás. Queria aplicar o direito e solucionar conflitos. De fato, ao longo de seus 16 anos à frente da 15ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo, Nelson Ferreira de Souza foi o mais produtivo magistrado da primeira instância.
Entre 1957, quando a unidade começou a funcionar, e 1967, foi o juiz que menos deixou processos para o ano seguinte – apesar do aumento substancial de demandas. Nos três primeiros anos, por sinal (1957, 1958 e 1959), disputou processo a processo com a 7ª Junta, da qual sua esposa era chefe de secretaria, e Homero Diniz Gonçalves, o presidente. Desde que havia assumido a 7ª JCJ (em 1951), por sinal, Homero liderava o ranking de produtividade. A única exceção havia sido o ano de 1955, quando foram instaladas novas juntas na cidade de São Paulo, que não tinham pendências do ano anterior. Seria assim até 1956. Em 1957, Homero passaria a ter um grande competidor. Da mesma forma como havia acontecido com a 7ª JCJ em 1955, em 1968, a 15ª JCJ perdeu seu posto para uma unidade recém-instalada, a 19ª JCJ. A partir de 1969, quando Nelson começou a substituir no Tribunal, sua presença não era tão constante em sua unidade de origem, e a 15ª Junta passou a não mais figurar no ranking das mais produtivas unidades da primeira instância em São Paulo.
ATUAÇÃO DE NELSON FERREIRA DE SOUZA À FRENTE DA 15ª JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE SÃO PAULO
ANO | NOVOS PROCESSOS | PROCESSOS DO ANO ANTERIOR | PROCESSOS JULGADOS | SALDO PARA O ANO SEGUINTE |
---|---|---|---|---|
1957 | 2060 | 0 | 1991 | 69* |
1958 | 1410 | 69 | 1436 | 43* |
1959 | 1623 | 43 | 1590 | 75* |
1960 | 1535 | 75 | 1582 | 78* |
1961 | 1923 | 78 | 1877 | 124* |
1962 | 2358 | 124 | 2236 | 230* |
1963 | 2835 | 230 | 2733 | 332* |
1964 | 2210 | 332 | 2257 | 285* |
1965 | 2325 | 285 | 2322 | 288* |
1966 | 2480 | 288 | 2275 | 493* |
1967 | 2696 | 493 | 2620 | 569* |
1968 | 2520 | 569 | 2275 | 841 |
1969 | 3165 | 814 | 2841 | 1138 |
1970 | 3337 | 1138 | 3039 | 1436 |
1971 | 3406 | 1436 | 3140 | 1702 |
Quando se afastava, contava sempre com um juiz substituto. Que dava seu melhor para manter a Junta em ordem. Foi o caso de Neusenice de Azevedo Barreto Küstner, primeira magistrada concursada do TRT-2 e de toda a Justiça do Trabalho. Nomeada em 1957, após aprovação no II Concurso da Magistratura do TRT-2, a magistrada foi promovida a juíza-presidente de Junta de Conciliação em 1962, quando assumiu a unidade de São José dos Campos. Promovida em 1984, foi também a primeira juíza de tribunal do TRT-2. Quando da criação do TRT-15, com sede em Campinas, pediu sua remoção para o novo regional, tornando-se, lá também, a primeira juíza de tribunal. Foi, assim, a primeira magistrada a assumir o cargo de juíza de tribunal em dois regionais diferentes.


Nelson tinha um jeito peculiar para a época, mas que acabou por virar a normalidade nos dias de hoje: gostava de usar modelos de documentos. Naquele tempo, os juízes faziam as sentenças todas redigidas a mão. Nelson, não. “Meu pai foi atrás de um mimeógrafo porque não queria ter que redigir novamente aquilo que sempre se repetia”. E isso agilizava o serviço. “Ele fazia muito rápido os processos por isso. Tinha quase tudo impresso. Depois que foram aparecer as máquinas de xerox. Quando o tribunal recebeu as xerocopiadoras, Nelson fazia esses impressos, já com a base da sentença, por lá.
Outra de suas tradições era a organização da jurisprudência que era publicada no jornal “Folha de S.Paulo”, para o qual escrevia, inclusive. A filha mais nova, Regina, participava da tarefa. A então adolescente tinha a missão de olhar a seção de jurisprudência e cortar o pedaço do jornal. “Ele tinha várias pastas em que colocava os recortes. Eu colava e colocava a data embaixo. Ele então catalogava e guardava”. Nelson adorava o que fazia e sempre buscava uma forma de aperfeiçoar e dar maior celeridade às suas atividades.
A partir de 1969, Nelson Ferreira de Souza começou a ser convocado para substituir no tribunal, no lugar do juiz Carlos de Figueiredo Sá, aposentado em consequência do Ato Institucional 5, de 1968. O período de substituições chegaria ao fim nos primeiros dias de 1972, quando Nelson seria oficialmente promovido ao cargo de juiz de tribunal, por merecimento, “tendo em vista os muitos anos que o juiz Nelson Ferreira de Souza serviu na 15ª Junta, com sentenças bastante comentadas pelos colegas e pelos advogados, em virtude do rigor doutrinário e do acurado exames de provas” (“O Estado de S.Paulo”, 22 de janeiro de 1972). Sua vaga se deu em decorrência da aposentadoria do juiz José Teixeira Penteado, presidente do TRT-2 entre 1948 e 1953.
Nelson Ferreira de Souza foi nomeado juiz de tribunal em 13 de janeiro de 1972. Tomou posse e entrou em exercício dias depois, em 17 de janeiro.
Foi uma grande emoção para o magistrado. E uma grande conquista, naturalmente. “Quando ele foi para o tribunal, ele deu um churrasco no clube de campo para comemorar. Estava cheio. Foi todo mundo do TRT-2”, lembra Claudio.
A família ficou também bastante feliz. “A gente ficava sabendo sobre as promoções e ficava muito orgulhoso”, conta Claudio.
Começava uma nova etapa de sua carreira. E de ainda mais trabalho.
O filho mais velho de Nelson lembra com muita vividez de ver seu pai na sala de casa, ao lado do piano da mãe, com pilhas enormes de processos. Às vezes, mais alta até que o próprio piano. “Os processos vinham todos amarrados, como jornais de antigamente”. E chegavam todos os dias à sua residência. Ainda que o pai mantivesse um escritório localizado na rua Barão de Paranapiacaba, no centro de São Paulo, bem próximo ao Tribunal. Segundo os filhos, essa foi a época em que Nelson mais trabalhou.


Nelson foi designado para a 1ª Turma do TRT-2. A seu lado, estavam nomes como Antônio Lamarca, Gabriel Moura Magalhães Gomes (colega desde os tempos de funcionário do Conselho), Roberto Mário Rodrigues Martins e Homero Diniz Gonçalves, além de Marcos Manus (representante classista dos empregadores) e Affonso Teixeira Filho (representante classista dos empregados).
São desse período processos como o dos guardinhas que carregavam pacotes, de 1977, um grupo de 204 jovens, entre 10 e 14 anos, fardados, que trabalhavam (extraoficialmente e sem pagamento) para supermercados da cidade de São Paulo, em três turnos distintos. Os jovens, que integravam a Guarda Mirim de Veleiros, da Associação dos Meninos Católicos, trabalhavam para “que não caíssem na delinquência” (nas palavras dos representantes da associação). Os garotos eram compensados com gorjetas, que acabavam por ter papel fundamental no orçamento familiar. No entanto, eram dispensados ao completarem 14 anos. Foi desse contexto que surgiu a reclamação. Como resultado, o reconhecimento do vínculo empregatício pela 1ª Turma, à qual Nelson Ferreira de Souza integrava.
Ou ainda o dissídio de greve da Maxwell Eletrônica, relatado por Nelson em 1978 (o magistrado considerou a greve legal, mas não concedeu a multa, por considerá-la “violenta demais”. Sua decisão foi seguida pelo juiz Amauri Mascaro Nascimento e oposta por outros magistrados, como o amigo Francisco Garcia Monreal Júnior).

Depois de 39 anos de TRT-2, a Presidência
“Quis a providência divina alcançasse a maior láurea da minha vida. Jamais pensei que esta chama misteriosa pudesse, por uma dádiva imerecida, sensibilizar os meus colegas desta Corte.
NELSON FERREIRA DE SOUZA
Fez-se o milagre.
Em 1980, o TRT-2 passava por um turbilhão. No campo jurídico, greves se multiplicavam por um país que lutava pelo fim da ditadura e questionava as práticas de um governo que tanto alienava os trabalhadores. Já no campo administrativo, a sede do TRT-2 se mudava para um novo endereço, já inaugurado em agosto, ainda sob a gestão de seu antecessor, Nelson Virgílio do Nascimento.


Nelson Ferreira de Souza foi eleito em 1980, tendo como vice o juiz Roberto Barreto Prado, magistrado nomeado em 1943, e com quem Nelson havia atuado na 2ª Turma do TRT-2.
Aquela seria uma eleição diferente. Antes de mais nada porque seguia o Decreto 828/1980 do TST, que determinava que apenas juízes togados poderiam concorrer, e a Lei Orgânica da Magistratura, que foi taxativa ao determinar que os candidatos deveriam ser os mais antigos de casa. Além disso, ficava proibida a reeleição. Segundo porque elegeria o primeiro presidente que havia também sido servidor do TRT-2. Nelson seria também o presidente que mais tempo tinha estado no Regional, antes de assumir a Presidência do órgão.
Depois de 39 anos de dedicação, Nelson chegava ao mais alto cargo do TRT-2. O momento foi de festa e extremo orgulho na família Ferreira de Souza, que guarda até hoje os discursos proferidos no evento.



Se para a esposa e os filhos, o momento era de orgulho. Para Helena de Souza Diggelmann, irmã de Nelson, o momento foi de decisão. Em uma inusitada atitude, Helena pediu aposentadoria assim que Nelson foi eleito. Não queria que as pessoas pensassem que ela poderia tirar algum tipo de proveito da situação, afinal, todos sabiam a relação de parentesco entre eles.


A filha mais nova, Regina, conta que foi até o tribunal para assistir à cerimônia de posse do pai, ocorrida no dia 15 de setembro de 1980. A única que presenciou pessoalmente. A experiência não foi tão agradável quanto poderia ser. “Eu tive que dar carona para uma cunhada que queria ir junto, e a gente atrasou. Me colocaram lá na frente no auditório e eu fiquei ao lado da bandeira. Eu morri de vergonha”. Tinha 26 anos.
Em seu discurso de posse, o magistrado agradeceu a escolha de seu nome e ressaltou que se sentia “usufruindo de uma vitória sem mérito”. Apesar de seus quase 40 anos de Justiça do Trabalho, Nelson, humildemente, se dizia despreparado. Político que era, dirigiu palavras emocionadas e gentis aos mais variados públicos, todos nominados: juízes de primeira instância, colegas de tribunal, vogais, funcionários, dirigentes sindicais, advogados, jornalistas, ex-presidentes, membros da gestão anterior.
Fez questão de reafirmar a importância de ter sido funcionário do TRT-2. Relembrou o nome de Mário Pimenta de Moura, “o Patriarca Administrativo” do Regional, símbolo do “valor moral, do valor de dedicações ao trabalho e mais do que tudo isso, o amigo”. Fez questão de agradecer o discurso do magistrado Francisco Garcia Monreal Junior, ele também pertencente à primeira geração de funcionários do TRT-2, e amigo pessoal.

Tendo atuado na primeira instância por quase duas décadas, era natural que buscasse “instalações seguras e adequadas à altura de um atendimento mais confortante, de que todos são merecedores”, como fez questão de mencionar durante sua posse, quando de suas palavras aos juízes da primeira instância. E reforçou, nas palavras dirigidas ao presidente João Batista de Oliveira Figueiredo, sua esperança “nas medidas futuras do governo, de propiciar à primeira, instalações de juntas, dentro do mesmo padrão em que se encontra hoje este Tribunal”, fazendo referência ao edifício-sede do TRT-2, recém-inaugurado. Não se esqueceu, porém, de deixar consignado seu “mais profundo e sensível reconhecimento pela diuturna preocupação de V. Exa. (do general Figueiredo) ao restabelecer, no sentido mais amplo, a democracia”.
Sabia dos conflitos existentes com os vogais. E por isso mesmo exaltou a importância da atuação junto aos Juízes, trazendo subsídios sem os quais “não chegaria ao ideal de proximidade da Justiça reclamada por todos, empregados e patrões”. Por fim, fez questão de levar um apelo aos dirigentes sindicais, pedindo colaboração para que houvesse “harmonia entre patrões e empregados, com reflexo na tranquilidade da família brasileira”, reforçando a importância do papel desempenhado pelo dirigente e ressaltando o quanto todos, Justiça do Trabalho e sindicatos, estão emprenhados na mesma luta: a paz social.
Eram muitas as preocupações.
Segundo o Relatório Anual de Atividades do TRT-2 de 1980, “invocou, ainda, de forma comovida, a ajuda indistinta de todos, para que sob a inspiração de Deus pudesse honrar a confiança depositada, ‘tendo por lema a paz social e o engrandecimento da Pátria’”.
Uma curta gestão
A vida de Nelson Ferreira de Souza mudaria a partir daquele 15 de setembro de 1980. O magistrado tinha real consciência de sua responsabilidade e das exigências que aquele cargo lhe trazia. Sabia que teria muito trabalho, em especial quanto aos prédios da Justiça que agora administrava. Trouxe à tona a questão diversas vezes em seu discurso, por sinal.
Mas antes de iniciar os trabalhos da administração, era preciso pensar no tipo de gestor que ele próprio queria ser. E não havia dúvidas de que, antes de tudo, deveria ser fiel a seus princípios. Era algo importante – e não apenas para ele. Nelson e a esposa, Maria Helena, tinham acompanhado a carreira de muitos magistrados. E visto o quanto o cargo poderia subir à cabeça.
O uso do carro oficial era uma questão. Apesar de ter direito a um carro (e a um motorista) como juiz de tribunal – e agora como presidente –, Nelson não se sentia confortável com a situação. Tanto que pouco usava o veículo oficial, um Galaxie, luxuoso carro produzido pela Ford entre 1967 e 1983. “Apenas para as necessidades do trabalho mesmo”, como conta o filho mais velho, Claudio. Ficava indignado ao perceber que colegas usavam o carro para uso pessoal: “É um absurdo essa gente que pega motorista e carro e vai para a feira”, relembra Regina a frase tantas vezes proferida pelo pai.

De qualquer forma, esse transporte oficial era estranho para ele. Colocava-o em uma posição desconfortável. Tanto que, no começo, quando usava o carro, Nelson fazia questão de ir na frente. “Depois de um tempo o convenceram de que não tinha cabimento aquilo”, lembra Claudio. Seu motorista era o cabo José Henrique Ortolan, um “PM fardado”, como lembram os filhos. Na época, por sinal, toda a segurança do Tribunal era feita pela Polícia Militar.
Um tribunal que se agigantava
Quando Nelson Ferreira de Souza assumiu a Presidência do TRT-2, o Regional contava com 27 juízes de tribunal, recém-divididos em cinco Turmas. O aumento de magistrados na segunda instância (de 17 para 27) e de órgãos colegiados (de três para cinco – sendo os dois últimos instalados no dia 9 de março de 1980), ocorreu graças à aprovação da Lei 6.635/1979, ainda na gestão de Nelson Virgílio do Nascimento. Era justificado pela “progressiva elevação do volume de processos canalizados para o E. Tribunal, estatisticamente comprovada pelos números registrados no último decênio; a impostergável obediência ao princípio da celeridade processual, como condição indispensável de justiça social; e a consciência de que o esforço e dedicação dos MM. Juízes acabariam insuficientes para o desate de problema persistentemente agravado”. A mudança, segundo o Relatório Anual de Atividades de 1980, contribuiria “ao menos transitoriamente, para mais rápida apreciação dos feitos recebidos em segunda instância”.
Em seu primeiro ano de funcionamento com cinco Turmas, o TRT-2 recebeu, em segundo grau, 21.769 processos (ante 16.217 em 1979), dos quais 16.326 apenas para as Turmas e 259 ações em dissídios coletivosa
Na primeira instância, o Regional contava com 86 juntas de conciliação e julgamento, sendo 32 na capital e 54 fora da sede, sendo 49 no interior paulista, uma no Mato Grosso (Cuiabá) e duas no Mato Grosso do Sul (Campo Grande e Corumbá). Juntas, as 32 unidades instaladas na cidade de São Paulo receberam 131.685 novas reclamações. Já as juntas instaladas fora da sede do TRT-2 receberam 95.686, totalizando 227.371 novos feitos (ante 214.680 no ano anterior). Os números, superiores a 1979, eram reflexo, mais uma vez, do crescimento industrial, de comércio e serviços nas cidades pertencentes ao TRT-2, em especial na cidade de São Paulo.
JUNTAS DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO EXISTENTES DURANTE A PRESIDÊNCIA DE NELSON FERREIRA DE SOUZA
JUNTA DE CONCILIAÇÃO | CRIAÇÃO | INSTALAÇÃO | PRIMEIRO JUIZ-PRESIDENTE |
---|---|---|---|
1ª JCJ de São Paulo | Decreto 6.596/1940 | 1/5/1941 | Oscar de Oliveira Carvalho |
2ª JCJ de São Paulo | Decreto 6.596/1940 | 1/5/1941 | Thélio da Costa Monteiro |
3ª JCJ de São Paulo | Decreto 6.596/1940 | 1/5/1941 | José Veríssimo Filho |
4ª JCJ de São Paulo | Decreto 6.596/1940 | 1/5/1941 | José Teixeira Penteado |
5ª JCJ de São Paulo | Decreto 6.596/1940 | 1/5/1941 | Décio de Toledo Leite |
6ª JCJ de São Paulo | Decreto 6.596/1940 | 1/5/1941 | Carlos de Figueiredo Sá |
7ª JCJ de São Paulo | Decreto-lei 8.087/1945 | 16/3/1946 | João Rodrigues de Miranda Júnior |
8ª JCJ de São Paulo | Lei 2.279/1954 | 9/5/1955 | José Adolfo de Lima Avelino |
9ª JCJ de São Paulo | Lei 2.279/1954 | 9/5/1955 | Antônio Felipe Domingues Uchôa |
10ª JCJ de São Paulo | Lei 2.279/1954 | 9/5/1955 | Roberto Barreto Prado |
11ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Rodolpho de Moraes Barros |
12ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Enéas Chrispiniano Barreto |
13ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Gabriel Moura Magalhães Gomes |
14ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Paulo Marques Leite |
15ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Nelson Ferreira de Souza |
16ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Antonio Lamarca |
17ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Raul Duarte de Azevedo |
18ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Cid José Sitrangulo |
19ª JCJ de São Paulo | Lei 2.694/1955 | 2/1/1957 | Paulo Jorge de Lima |
20ª JCJ de São Paulo | Lei 3.873/1961 | 16/3/1964 | Mauro Quaresma de Moura |
21ª JCJ de São Paulo | Lei 3.873/1961 | 9/3/1964 | Rubens Ferrari |
22ª JCJ de São Paulo | Lei 3.873/1961 | 9/3/1964 | Clóvis de Castro e Campos |
23ª JCJ de São Paulo | Lei 3.873/1961 | 16/3/1964 | Francisco Garcia Monreal Júnior |
24ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/8/1974 | Oswaldo Sant’Anna |
25ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/8/1974 | Antonio Carlos de Moraes Salles |
26ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/8/1974 | Neusenice de Azevedo Barreto Küstner |
27ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/8/1974 | Helder Almeida Carvalho |
28ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/08/1974 | Walter de Moraes Fontes |
29ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/08/1974 | Hildéa Reinert |
30ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/8/1974 | Waldemar Thomazine |
31ª JCJ de São Paulo | Lei 5.643/1970 | 30/8/1974 | Ralph Cândia |
32ª JCJ de São Paulo | Lei 5643/1970 | 30/8/1974 | Carlos Eduardo Figueiredo |
33ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Lillian Daisy Adilis Ottobrini Costa |
34ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Raimundo Cerqueira Ally |
35ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Floriano Corrêa Vaz da Silva |
36ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Adilson Bassalho Pereira |
37ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | José Luiz Vasconcellos |
38ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Vantuil Abdala |
39ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Carlos Eduardo Figueiredo |
40ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | José Claudio Netto Motta |
41ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Lucy Mary Marx Gonçalves da Cunha |
42ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Amador Paes de Almeida |
43ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Claudio Henrique Corrêa |
44ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Alceu de Pinho Tavares |
45ª JCJ de São Paulo* | Lei 6.563/1978 | 30/9/1981 | Neusenice de Azevedo Barreto Küstner |
1ª JCJ de Barueri* | Lei 6.563/1978 | 5/9/1984 | Wilma Nogueira de Araújo |
1ª JCJ de Cubatão | Lei 6.563/1978 | 21/9/1979 | Antônio José Teixeira de Carvalho |
2ª JCJ de Cubatão | Lei 6.563/1978 | 21/09/1979 | João Maria Valentim |
1ª JCJ de Diadema | Lei 6.563/1978 | 09/3/1979 | Braz José Mollica |
1ª JCJ de Franco da Rocha* | Lei 6.563/1978 | 30/11/1984 | Antônio da Graça Caseiro |
1ª JCJ de Guarulhos | Lei 3.873/1961 | 23/10/1962 | Marcondes Ancilon Aires de Alencar |
2ª JCJ de Guarulhos | Lei 6.563/1978 | 2/3/1979 | Antônio da Silva Filho |
1ª JCJ de Itapecerica da Serra | Lei 6.563/1978 | 30/3/1979 | Lillian Daisy Adilis Ottobrini Costa |
1ª JCJ de Mauá | Lei 5.892/1973 | 15/8/1974 | Júlia Romano Correa |
1ª JCJ de Mogi das Cruzes | Lei 3.873/1961 | 20/11/1962 | Aluysio Mendonça Sampaio |
1ª JCJ de Osasco | Lei 5.643/1970 | 18/9/1971 | Rubens Ferrari |
1ª JCJ de Santo André | Decreto-lei 9.110/1946 | 1/5/1946 | Antônio Felipe Domingues Uchôa |
2ª JCJ de Santo André | Lei 5.298/1967 | 12/11/1969 | Clóvis Canelas Salgado |
1ª JCJ de Santos | Decreto-lei 5.926/1943 | 4/4/1944 | José Ney Serrão |
2ª JCJ de Santos | Lei 2.020/1953 | 1/4/1954 | Ildélio Martins |
3ª JCJ de Santos | Lei 5.643/1970 | 15/9/1971 | Walter Cotrofe |
1ª JCJ de São Bernardo do Campo | Lei 3.873/1961 | 7/9/1962 | José Amorim |
2ª JCJ de São Bernardo do Campo | Lei 6.563/1978 | 16/2/1979 | Vantuil Abdala |
3ª JCJ de São Bernardo do Campo | Lei 6.563/1978 | 16/2/1979 | Alceu de Pinho Tavares |
1ª JCJ São Caetano do Sul | Lei 2.763/1956 | 17/4/1957 | Bento Pupo Pesce |
1ª JCJ de Suzano | Lei 6.052/1974 | 23/8/1974 | Eldha Ebsan Menezes Duarte |
1ª JCJ de Americana | Lei 3.873/1961 | 10/11/1962 | Wagner Drdla Giglio |
1ª JCJ de Araçatuba | Lei 6.563/1978 | 9/2/1979 | Genésio Vivanco Solano Sobrinho |
1ª JCJ de Araraquara | Lei 3.873/1961 | 5/11/1962 | José Victorio Fasanelli |
1ª JCJ de Avaré | Lei 6.563/1978 | 9/2/1979 | Ildeu Lara de Albuquerque |
1ª JCJ de Barretos | Lei 3.873/1961 | 11/1/1963 | Valentim Rosique Carrion |
1ª JCJ de Bauru | Lei 3.873/1961 | 20/10/1962 | Lázaro Bittencourt de Camargo |
1ª JCJ de Botucatu | Lei 6.563/1978 | 23/3/1979 | Carlos Francisco Berardo |
1ª JCJ de Campinas | Lei 5.926/1943 | 1/1/1944 | Abrãao Blay |
2ª JCJ de Campinas | Lei 6.563/19978 | 20/7/1979 | Claudio Henrique Corrêa |
1ª JCJ de Catanduva | Lei 6.563/1978 | 18/4/1979 | Vera Lúcia Pimentel Teixeira |
1ª JCJ de Franca | Lei 5.082/1966 | 17/2/1968 | Valentim Rosique Carrion |
1ª JCJ de Guaratinguetá | Lei 6.563/1978 | 13/2/1979 | Milton de Moura França |
1ª JCJ de Itu | Lei 6.563/1978 | 1/2/1979 | Roberto Gouvêa |
1ª JCJ de Jaboticabal | Lei 6.563/1978 | 19/4/1979 | Raimundo Cerqueira Ally |
1ª JCJ de Jacareí | Lei 6.563/1978 | 14/3/1979 | Jairo de Souza Aguiar |
1ª JCJ de Jaú | Lei 6.563/1978 | 16/3/1979 | Daisy Vasques |
1ª JCJ de Jundiaí | Lei 5.926/1943 | 30/3/1944 | Homero Diniz Gonçalves |
2ª JCJ de Jundiaí | Lei 6.563/1978 | 13/2/1979 | Carlos Alberto Moreira Xavier |
1ª JCJ de Limeira | Lei 4.088/1962 | 4/6/1969 | Pedro Vidal Neto |
1ª JCJ de Marília* | Lei 6.563/1978 | 1/4/1982 | José Joaquim Badan |
1ª JCJ de Mogi-Mirim | Lei 6.563/1978 | 21/2/1979 | Antônio Pereira da Silva |
1ª JCJ de Ourinhos | Lei 6.563/1978 | 28/4/1979 | Regina Maria Apparecida Baptista Corrêa |
1ª JCJ de Piracicaba | Lei 3.873/1961 | 19/1/1963 | Carlos Eduardo de Figueiredo |
1ª JCJ de Presidente Prudente | Lei 3.873/1961 | 24/3/1979 | Diva Aparecida Leite Alves |
1ª JCJ Ribeirão Preto | Lei 2.695/1955 | 19/3/1957 | Alfredo de Oliveira Coutinho |
1ª JCJ de Rio Claro | Lei 3.873/1961 | 24/11/1962 | Reynaldo Prestes Nogueira |
1ª JCJ de São Carlos | Lei 3.873/1961 | 10/11/1962 | Francisco de Mattos Range |
1ª JCJ de São João da Boa Vista* | Lei 6.563/1978 | 27/8/1982 | Pedro Paulo Teixeira Manus |
1ª JCJ de São José do Rio Pardo* | Lei 6.563/1978 | 7/12/1984 | José Joaquim Badan |
1ª JCJ de São José do Rio Preto | Lei 6.056/1974 | 27/09/1974 | Milton Rodrigues |
1ª JCJ de São José dos Campos | Lei 3.873/1961 | 21/1/1963 | Neusenice de Azevedo Barreto Küstner |
1ª JCJ de Sorocaba | Lei 5.926/1943 | 31/8/1944 | Armando de Oliveira Netto |
2ª JCJ Sorocaba | Lei 5892/1973 | 15/8/1974 | Fernando Hernani Gentile |
1ª JCJ de Taubaté | Lei 3.873/1961 | 21/11/1962 | Clovis Canellas Salgado |
1ª JCJ de Votuporanga | Lei 6.563/1978 | 5/4/1979 | Marilda Izique Chebabi |
JCJ de Cuiabá | Decreto 6.596/1940 | 1/5/1941 | José Adolpho de Lima Avelino |
JCJ de Corumbá | Lei 3.873/1961 | 4/12/1962 | Antônio de Souza Nogueira Filho |
JCJ de Campo Grande | Lei 6.563/1979 | 22/7/1979 | Cremilda Vieira Lessa |
Uma das primeiras missões oficiais de Nelson foi recepcionar o ministro-corregedor do TST, Carlos Alberto Barata Silva, que, entre o fim de outubro e o começo de novembro de 1980, realizou uma correição no TRT-2. Em sua visita, não apenas constatou “o brutal volume de processos que se eleva a cada ano”, como “o intenso ritmo de trabalho desenvolvido” pelo TRT-2, “em sua tentativa de atenuar o agravamento de tão explosiva realidade”.

“Esta Corte é sem dúvida espelho vivo da Justiça do Trabalho no Brasil, com inspiração divina até, pelo magnífico desempenho de seus juízes (…) que excedendo às possibilidades de seres humanos, dão tudo de si para manter em dia a avalanche de processos que lhes chega às mãos”.
Ministro Carlos Alberto Barata Silva. Ata da Correição de 1980.
As coisas pareciam andar muito bem no TRT-2. O tribunal parecia crescer junto ao aumento da demanda. O resultado da Correição tinha sido bastante positivo também. Mas Nelson ainda tinha questões importantes com as quais precisava lidar.
A primeira delas era a grande quantidade de dissídios coletivos de greve instaurados no TRT-2. Um dos primeiros com que teve que lidar foi o dos bancários, ainda em setembro de 1980. Ainda haveria outros, como o dos padeiros (em novembro de 1980).
Nelson estava preocupado com o futuro do tribunal. Ele buscava, assim como fazia em sua vida, maior produtividade, maior celeridade. E, para ele, a tecnologia teria papel fundamental. “Ele fez questão de colocar computador no tribunal. Porque a morosidade do serviço era muito grande. Ele morreu preocupado com isso”, conta a filha mais nova, Regina. A informatização, de fato, seria um longo processo, que se efetivaria apenas na década de 1990.
A questão da segurança do edifício era também uma grande preocupação. Isso porque a década de 1970 havia sido bastante triste na cidade de São Paulo, com o incêndio dos edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974). Em fevereiro de 1981, o atingido seria o Grande Avenida. “A preocupação do meu pai era saber se não tinha incêndio. No fim de semana, ele ia até o 24º andar do prédio e descia a pé para ver se não tinha incêndio. Eu fui com ele uma vez. Ia no andar, rodava o corredor e ia para outro lugar”, lembra Claudio.



E tinha ainda a questão das juntas: mais precisamente a instalação de 18 juntas de conciliação que tinham sido criadas pela Lei 6.563/1978, dentre elas 13 da Capital, além de unidades nas cidades de Barueri, Franco da Rocha, Marília, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo e duas unidades de Cubatão.
O fato de as unidades de São Paulo estarem tão espalhadas pela cidade (ainda que todas elas estivessem no centro, em prédios relativamente próximos), era outro ponto que tirava o sono de Nelson. Sua ideia era ter um prédio único, uma Justiça do Trabalho centralizada. Foi com isso na cabeça que, após tantos encontros e reuniões, o TRT-2 conseguiu a doação, pela Prefeitura de São Paulo, de um terreno no bairro do Carandiru. Demoraria, mas a Justiça do Trabalho teria um espaço digno.
Nelson Ferreira de Souza era uma pessoa extremamente articulada. E usava toda sua habilidade e facilidade para transitar entre os mais variados públicos para atingir seus objetivos institucionais como presidente do TRT-2.
Mas ainda havia outro (grande) problema.
Um novo prédio para o Fórum de Santos
No fim do ano de 1980, o presidente Nelson Ferreira de Souza se via à frente de um grande obstáculo: a necessidade de um novo prédio para o fórum de Santos (que até então se encontrava na rua do Comércio, 24).
Alvo de constantes reclamações, repetidamente noticiadas pela imprensa, o prédio da rua do Comércio estava em estado lamentável. “Não há mais condições de se manter neste local. As dependências são exíguas, sem ventilação, com paredes apresentando rachaduras, além de problemas no teto”, comentou, à época, o juiz Geraldo de Lima Marcondes, diretor do Fórum de Santos (“A Tribuna, 9 de novembro de 1980). Problemas esses que exigiam a suspensão de audiências em dias de chuva, uma vez que as salas ficavam inundadas.
Nelson havia atuado durante muitos anos no prédio da rua Rego Freitas e sabia muito bem como era trabalhar em um lugar com precárias condições. Tanto que havia feito da melhoria das condições dos prédios da primeira instância um dos propósitos de sua gestão. Além disso, o novo fórum de Santos deveria possibilitar a instalação de (tão necessárias) novas juntas de conciliação (já pleiteadas pela Administração do TRT-2, mas que apenas seriam instaladas em março de 1987, após a publicação da Lei 7.471/1986).
Havia tempos um novo endereço estava sendo procurado, mas sem sucesso. Três anos – para haver maior precisão. Quando o Tribunal encontrava alguma coisa, a advocacia trabalhista da região não gostava. Às vezes, eram os próprios colegas de Tribunal que não chegavam a um acordo. Tanto que até a construção de um edifício próprio estava sendo discutida. O presidente da gestão anterior, Nelson Virgílio do Nascimento, já até havia conseguido verba destinada para essa finalidade, na dotação orçamentária de 1981. Era necessária uma solução rápida, portanto. E Nelson sabia disso.
Sua primeira atitude foi formar uma comissão, composta pelos juízes Octavio Pupo Nogueira Filho, Bento Pupo Pesce e Henrique Victor. Dos trabalhos realizados, surgiram três opções: um edifício na rua Brás Cubas, 158 (pertencente às Confecções Taylor – e onde, de fato, o Fórum seria instalado tempos depois); um prédio na av. Almirante Saldanha da Gama, 88, na Ponta da Praia (onde funcionava o Restaurante Jangadeiro) e um terreno na Praça das Andradas (doado pela Prefeitura da cidade). Devido às dificuldades que se apresentariam para a construção de um edifício era mais provável a locação de um dos prédios já localizados.
Apesar de considerarem “louvável” a decisão por um novo prédio, visto que as instalações da época eram “acanhadas, não comportando o movimento existente” (“A Tribuna”, 15 de dezembro de 1980), os advogados ficaram inconformados com a possibilidade de uma mudança para a Ponta da Praia, local que, segundo eles, ficava muito distante do centro e estava restrito à Justiça do Trabalho (não havendo, sequer, “um Banco do Brasil”). Logo marcaram uma reunião com o presidente do TRT-2 para apontar todo o transtorno que a mudança causaria para partes e advogados. Até mesmo um abaixo-assinado que reuniu firmas de 19 sindicatos e uma federação nacional (a dos Portuários) foi entregue ao presidente do TRT-2.
Era um grande jogo de interesses, claro. E isso muito preocupava Nelson Ferreira de Souza. “Existia uma pressão muito grande. Ele estava muito nervoso”, lembra a filha, Regina.
A primeira discussão sobre a situação de Santos aconteceu no dia 29 de janeiro de 1981, quando os juízes, por maioria, decidiram pela aquisição do edifício do Restaurante Jangadeiro, na Ponta da Praia. A decisão, no entanto, seria homologada na sessão seguinte, que aconteceria no dia 10 de fevereiro. Mas foi decidido pelo adiamento, uma vez que só estavam presentes 13 dos 27 juízes. No dia 25 de fevereiro, a questão foi debatida em mais uma sessão. Naquela data, sem levar em consideração a vistoria (já feita) e o parecer emitido pela comissão estabelecida pelo presidente Nelson Ferreira de Souza, os juízes decidiram que fariam, pessoalmente, uma visita às instalações dos prédios selecionados. A nova vistoria aconteceu no dia seguinte.
Na tarde do dia 10 de março de 1981, a discussão foi novamente levada ao Pleno do Tribunal, em reunião de “caráter sigiloso”, como mencionou o jornal “A Tribuna”, de 20 de março de 1981. Era, portanto, a quarta vez que se reuniam para tratar do tema, em menos de dois meses. O debate foi acalorado. Os magistrados não chegavam a um acordo. Não queriam o prédio da rua Brás Cubas; não aceitavam o prédio do Jangadeiro: as duas soluções mais viáveis. E ainda havia a forte pressão de algumas entidades e órgãos de classe, inclusive da advocacia da região.



Reportagens sobre o novo endereço do Fórum da Justiça do Trabalho em Santos, no jornal “A Tribuna”, de 9/11/80, 14/12/80 e 11/2/81. Fonte: Hemeroteca Nacional.
O clima ficou bastante pesado. A tensão era latente. Em determinado ponto, surgiu uma contraproposta: a possibilidade de localização de um terceiro endereço ou ainda a construção de um prédio próprio. Não era um desfecho para o assunto, apenas para aquele encontro. A partir de determinado momento da reunião, o presidente não parecia estar bem. Segundo conta o filho, Claudio, alguém chegou a comentar que o pai parecia estar bêbado; que chegou a colher duas vezes o voto de um mesmo juiz. Miltinho, servidor da Presidência conhecia bem Nelson Ferreira de Souza. E sabia que ele não estava bem.
Ao fim da sessão, Nelson foi ao banheiro, dentro de seu gabinete. Miltinho, já desconfiado de que algo estava errado, achou por bem acompanhar o presidente até a porta. Percebendo a demora, o servidor resolveu verificar o que acontecia. Nelson já estava caído: havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). O magistrado foi levado ao pronto-socorro da Santa Casa. De lá foi transferido para a Beneficência Portuguesa, onde passou por uma cirurgia. “Olha a persistência dele: ele estava tendo um AVC. Imagina a dor de cabeça. Mas ele não parou a sessão, porque ele era o presidente”, comenta Claudio. A “sorte” de Nelson foi ter Miltinho a seu lado.
Claudio e Regina lembram que Nelson tinha uma saúde muito boa. De fato, ele era muito preocupado com o assunto saúde. E não apenas com a sua. Claudio conta que, quando estava na escola, ele tinha um horário certo para ligar para o pai para avisar que tudo estava bem: “Eu tinha que ligar assim que chegava do colégio. Entre 13h30 e 14h. Lembro bem do número: 33-1072”. Era o número do telefone do gabinete do pai. Um dia, teve dor de garganta, foi embora para casa e ligou para o pai para avisar que tinha voltado mais cedo. Nelson terminou a audiência, foi até a residência da família, viu o filho, deu remédio e voltou para a junta. Fez isso até o menino ficar bom. Para não dizer que nunca ficou doente, operou o rim uma vez. Ficou 10 dias de recuperação. E voltou pronto para trabalhar.
Fora isso, tinha a saúde perfeita. “Ele não fazia nada que pudesse ser prejudicial: não bebia, não fumava, não comia gordura, fazia ginástica de manhã todo dia, não tomava bebida gelada”, lembra a filha, Regina. Era rígido consigo mesmo também. “Acho que ele morreu cedo por isso. Pensava que era super-homem”, comenta Claudio.
Durante os dias em que esteve internado, o assunto não se dissipava. Funcionários do tribunal ficaram indignados com a situação, irritados “com a exagerada pressão” exercida por entidades de classe. Não havia espaço para “disputar interesses particulares”, era hora de resolver um sério problema. Que levara o presidente a sofrer um AVC.
Seriam oito dias de internação e Nelson não resistiria.


Nelson Ferreira de Souza faleceu no dia 18 de março de 1981 após apenas seis meses à frente da Justiça do Trabalho da 2º Região, vítima de um derrame cerebral. O velório aconteceria no saguão do Ed. Sede do TRT-2 e reuniria pessoas dos mais variados círculos. Funcionários, magistrados e advogados de diversas gerações. Representantes de mais de 30 sindicatos, membros da Justiça Comum e da Desportiva. Além de muitas autoridades, como os ministros da Justiça e do Trabalho, Abi Ackel e Murilo Macedo, respectivamente, e o ministro Resende Puech, do TST, que havia atuado nos primeiros anos da 2ª Região, ainda sob o nome de CRT-2, como Procurador do Trabalho. Até mesmo o governador do estado, Paulo Salim Maluf, enviou um representante, Sebastião de Paula Coelho. Estiveram ainda muitos amigos do universo esportivo. Pessoas que não apenas foram em respeito ao magistrado (e à sua família), mas que também por ele guardavam extrema admiração. “No dia do enterro, todos vinham nos cumprimentar. E faziam questão de falar da capacidade e retidão do papai”, lembra Regina.



Nelson tinha 64 anos. Desses, 40 anos dedicados à Justiça do Trabalho da 2ª Região. Seu enterro aconteceu no Cemitério da Quarta Parada, localizado entre os bairros do Brás, Tatuapé, Belenzinho e Mooca, próximo de onde morava quando criança. No local também estão enterrados alguns de seus parentes.
Sua pequena família, aos poucos, ia embora: a mãe, Christina, havia falecido em 1975. O irmão, Waldemar, em 1979. Nelson, em 1981. Em 1989, faleceria Helena, a irmã. O magistrado deixou a esposa, Maria Helena (que faleceria em 2009), e os filhos, Claudio e Regina, ambos casados à época.
Foram muitas as homenagens prestadas a Nelson. Diversas notas em jornais. O auditório do Ed. Sede do TRT-2, no 24º andar, recebeu seu nome, assim como o Fórum Trabalhista de Santo André, em homenagem aos serviços prestados à Justiça do Trabalho na localidade. Nelson ainda dá nome a uma rua no Alto de Pinheiros, onde têm residência os dois filhos, e a uma avenida, na cidade de Campinas.




Em seu lugar, assumiu o juiz Antônio Lamarca. Isso porque a Loman determinava que no caso de “a Presidência do tribunal ficar vaga antes que o presidente do Tribunal complete um ano no cargo, o novo presidente deverá ser eleito entre os dois juízes mais velhos dentre os 27 representantes da Justiça do Trabalho”, no caso, Roberto Barreto Prado, vice-presidente, e Antônio Lamarca. Roberto Barreto Prado, no entanto, tinha acabado de passar por uma cirurgia e não conseguiria assumir. Lamarca foi eleito no dia 7 de abril de 1981 e ficaria no cargo até 1982. Barreto Prado seguiria como vice.
# | PRESIDENTES DO TRT-2 NOS ANOS DE ATUAÇÃO DE NELSON FERREIRA DE SOUZA | MANDATO |
---|---|---|
1 | Eduardo Vicente de Azevedo | 1941-1942 |
2 | Oscar de Oliveira Mendonça | 1942-1944 |
3 | Nebrídio Negreiros | 1944-1946 |
4 | Ernesto Mendonça de Carvalho Borges | 1946-1948 |
5 | José Teixeira Penteado | 1948-1953 |
6 | Thélio da Costa Monteiro | 1953-1954 |
7 | Hélio Tupinambá Fonseca | 1954-1959 |
8 | Décio de Toledo Leite | 1959-1963 |
9 | Hélio de Miranda Guimarães | 1963-1967 |
10 | Homero Diniz Gonçalves | 1967-1976 |
11 | Roberto Mário Rodrigues Martins | 1976-1978 |
12 | Nelson Virgílio do Nascimento | 1978-1980 |
13 | Nelson Ferreira de Souza | 1980-1981 |
Um triste fim
Nelson Ferreira de Souza traçou uma trajetória digna de admiração. De origem humilde, filho de imigrantes portugueses, Nelson estudou muito e trabalhou como poucos para crescer na vida, assim como a mãe sempre o incentivara. Sem perder tempo, conciliando trabalhos e projetos, e, principalmente, usando de toda a hiperatividade que seus filhos tanto apontam, conseguiu construir um nome e um patrimônio. Suas características encantavam muitos. Em especial a esposa, Maria Helena. Sua vontade de crescer, de trabalhar, de ir além, a conquistaram.
Ele podia ter “um milhão de defeitos”, como brinca Regina, a filha mais velha (e extremamente querida pelo pai), mas “ele fazia de tudo para dar o melhor para a família e para os outros”, comenta a filha, fazendo questão de mencionar o quanto o pai se preocupava com aqueles a seu redor; o quanto era generoso, em especial se via que alguém precisava (e merecia), o quanto ansiava por ver todos sempre bem.
Nelson teve muitos amigos. E uma relação de muito respeito com sua família. Apesar de ter sido bastante linha-dura com suas crianças, elas cresceram e compreenderam a importância daquele tipo de criação para a construção do caráter de cada um deles. “Ele foi um pai extremoso”, comenta Regina, que não poupa elogios a seu genitor: “Ele tinha o dom de escrever, de comunicar, era muito preparado, muito culto, agradável. Era um articulador nato. E era muito honesto. Nunca foi de querer dinheiro. Falava que o dinheiro vinha em consequência. O que interessava eram os amigos”, lembra Regina. Os amigos, por sinal, o acompanharam até o fim. Um fim que veio tão rápido para alguém que lutou tantos anos para crescer na vida e chegar ao ponto em que chegou em sua carreira. Mas que, ainda assim, mesmo depois de 40 anos de dedicação ao TRT-2, sentia-se humilde em sua posição. E não deixava que a situação subisse à sua cabeça.

Nelson dedicou uma vida ao TRT-2. Ali conheceu sua esposa, viu crescer seus filhos, envelheceu. Por meio de seu trabalho, de seu esforço, de seus estudos, teve grandes conquistas, e ofereceu muitas oportunidades para sua família também. De funcionário a presidente, passou pelos postos que lhe eram possíveis. E aproveitou cada momento. Na ânsia de se jogar em seus afazeres e se dedicar com afinco para bem exercer suas funções, foi além dos limites de sua força. De sua saúde. Seu corpo não resistiu. Nelson Ferreira de Souza deu sua vida ao Tribunal. E marcou um importante pedaço dessa bela trajetória, a do Tribunal, por meio de sua própria.

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