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PRESIDENTES DO TRT-2: ANTÔNIO LAMARCA

Anos 80. A chamada “década perdida”. A política do país tateava tentando achar uma saída para a democracia. A economia fragilizada e com índices assustadores de inflação cobrava seu tributo das classes menos favorecidas. Inúmeras greves, reivindicando melhores salários, melhores condições de trabalho e mais democracia, explodiam pelo país. A população se manifestava cobrando mais transparência, mais participação nas decisões do Estado, ávidos por algo que lhes fora tolhido durante quase duas décadas.

No TRT-2 os mares também não estavam calmos. Em agosto de 1980, a mudança da sua sede para o prédio da rua da Consolação havia causado uma grande celeuma, envolvendo a sociedade civil, advogados, políticos e magistrados. Diversas ações foram propostas contra o então presidente do TRT-2, Nelson Virgílio do Nascimento, que foi absolvido em todas elas. Seu sucessor, Nelson Ferreira de Souza, que assumiu o Regional em setembro de 1980, também enfrentava problemas quanto às novas instalações do Fórum Trabalhista de Santos: pressões internas e externas dificultavam uma tomada de decisão e inflamavam os ânimos. Seu falecimento precoce, decorrente de um acidente vascular cerebral, sofrido após uma sessão em que se tratava o assunto deixava uma nuvem de pesar sobre nosso Regional.

Sê DESTEMIDO: não te atemorizem as ameaças, das partes, ou dos efemeros detentores do Poder. Se sentires, em teu coração alguma leve sombra de medo, não és um juiz, senão um covarde.

– Os 10 mandamentos do magistrado, Antônio Lamarca.

Assumir a presidência do TRT-2 naquelas circunstâncias era, de fato, uma tarefa assustadora. Conciliar frentes que até pouco se atacavam, mesmo que intencionando melhorias para a Justiça do Trabalho, mediar movimentos grevistas de grandes proporções, comandar o maior regional trabalhista do país. Era preciso coragem.

Seguindo com nossa série “Presidentes do TRT-2”, temos Antônio Lamarca, o 14º magistrado a assumir a presidência da Justiça do Trabalho da 2ª Região. Virtuoso, dotado de grande cultura, coragem e simplicidade, seria ele o responsável por guiar o TRT-2 nesse momento difícil e triste que vivia o país.

Origens no bairro dos operários

Antônio Lamarca nasceu em 22 de agosto de 1925, o caçula dos dez filhos do casal Vicente Lamarca e Carolina Palombo Lamarca, imigrantes italianos que vieram a se estabelecer no bairro do Cambuci.

O bairro do Cambuci é, certamente, um dos mais antigos da capital paulista. Localizado na região central de São Paulo, ele era o destino de inúmeras famílias de imigrantes operários que chegavam massivamente no final do século XIX e começo do XX. Esses trabalhadores imigrantes tiveram função fundamental no amadurecimento das relações de trabalho no Brasil, uma vez que já tinham contato com uma realidade trabalhista mais complexa em seus países de origem.

No Velho Continente, as teorias anarquistas e socialistas fomentavam o desejo por relações mais igualitárias, menos opressivas, visando mitigar a disparidade de poder entre aqueles que detinham os bens de produção e aqueles que tinham como único bem a sua força de trabalho. Em contraste, o Brasil do final do século XIX e começo do XX, que acabava de abolir a escravidão, ainda engatinhava nas relações de trabalho assalariadas. Esse cenário é o que fomentou o surgimento de muitas leis de direito social, que serviriam de base para a formação da Justiça do Trabalho no Brasil.

O destino dos jovens que ali nasciam, não raro, era seguir algum ofício, ensinado entre as gerações da família; ou, quem sabe, trabalhar junto às fábricas e indústrias que eram erigidas na capital paulista. Alguns, no entanto, quebravam esse ciclo e rompiam limitações e determinações sociais da época. Esse é o cenário em que nasce nosso 14º presidente do TRT-2, Antônio Lamarca.

Descendente de imigrantes italianos, que escolheram o antigo bairro operário como nova casa, Lamarca teve contato precoce com as diferenças sociais. Desafiou as limitações impostas por sua origem humilde, e, com esforço e persistência, tornou-se um dos mais conhecidos nomes do direito do trabalho de sua época. Acreditava que os magistrados, representantes da justiça, eram os responsáveis pela busca da verdade e igualdade, que as leis preconizavam.

Antônio Lamarca era um jovem estudioso e persistente. Foi o único dos dez filhos a completar seus estudos. Dona Carolina já antecipava o destino de seu caçula: “Esse vai ser doutor”, costumava dizer a quem passasse. Teve na educação e na aquisição de cultura os meios para superar barreiras sociais impostas a uma pessoa que não nasceu com um sobrenome “forte”.

Tinha orgulho de suas origens humildes. A única filha de Antônio Lamarca, Vera Lígia Lagana Lamarca, comenta que o pai gostava de passear pelo bairro do Cambuci e mostrar a outros colegas juízes, geralmente de origem mais abastada, onde havia nascido e sido criado. Seu filho, Erick Wellington Lagana Lamarca, reforça a informação: enquanto o magistrado presidia o TRT-2, mesmo com as tensões das greves que eclodiam no início dos anos 80, Lamarca fazia questão de se sentar na padaria e conversar com as pessoas sobre a Justiça do Trabalho, a sociedade e a vida. É sempre recordado como homem simples, de vasta cultura e com grande apreço pelas letras, qualidades refletidas em seus julgamentos e diversos livros publicados.

Antônio Lamarca é reconhecido como cultivador das letras e desde jovem demonstrava sua aptidão e admiração pelas letras. Revista Brasilidade, edição de setembro de 1946. Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

Lamarca fez o secundário no Ginásio Paulistano, seguindo para o curso pré-jurídico, que preparava os estudantes para a carreira de direito. Ingressou então na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, um espaço tradicionalmente ocupado por nomes consolidados nos círculos sociais do país.

Compôs a turma de 1948, tendo como colegas de turma Aluysio Simões de Campos (nomeado juiz de Tribunal no TRT-2 em vaga destinada a advogados no ano de 1978), Gabriel Moura Magalhães Gomes e Paulo Marques Leite (respectivamente 2º e 3º colocados no primeiro concurso da magistratura do TRT2, nomeados como juízes substitutos no TRT-2 em 1953 e 1954). Essa era a época áurea da faculdade de direito de São Paulo, onde grandes nomes do direito do trabalho se formavam, ensinados por mestres como o professor Cesarino Júnior.

Advogou até o ano de 1955, quando prestou o certame que garantiria o seu ingresso no TRT-2. Lamarca, já na sua graduação, despontava como uma grande promessa do direito, e isso é refletido pela sua ótima colocação no II Concurso da Magistratura do TRT-2, de 1955: a primeira posição.

Naquela altura, Gabriel Moura Magalhães Gomes e Paulo Marques Leite já haviam sido nomeados para o TRT-2. É importante ressaltar que tanto Gabriel quanto Paulo também eram considerados “prodígios” do direito. Eles foram amigos de faculdade, e continuaram essa amizade no TRT-2, sempre lembrados como magistrados competentes e tidos como “mentores” das gerações posteriores, a trajetória dos três dentro do TRT-2 é muito semelhante nas suas promoções entre os cargos, com pouca diferença de tempo entre eles.

Um ponto curioso que envolve o II Concurso da Magistratura: apesar de ser o primeiro colocado, Antônio Lamarca não seria o primeiro nomeado do concurso. A primeira nomeação seria a de Raul Duarte de Azevedo, o terceiro colocado naquele certame.

E como seria possível explicar essa situação? Temos relatos de que nos concursos iniciais da Justiça do Trabalho era enviada uma “lista tríplice”, composta por nomes de candidatos classificados, cabendo à Presidência da República a seleção do nome. Sabemos que essa forma de nomeação perdurou até o V Concurso da Magistratura do TRT-2, quando o então advogado trabalhista José Carlos da Silva Arouca, que tinha logrado o quarto lugar nesse concurso, após ter seu nome preterido em mais de uma dezena de indicações, impetrou um mandado de segurança para garantir sua nomeação. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, então, que as nomeações seguissem a ordem de classificação dos candidatos. Arouca, no entanto, não foi nomeado, apesar da decisão. O advogado foi claramente “boicotado” por questões políticas, que foram reconhecidas mais tarde. Alcançou o cargo de desembargador do TRT-2 em 1999, pelo quinto constitucional, e se aposentou em 2005. A partir da decisão do STF, as nomeações passaram então a serem feitas por ordem de classificação.

Mas é interessante notar que o I concurso da Magistratura, realizado no ano de 1953, o qual nomeou o primeiro juiz trabalhista concursado do país, Ildélio Martins, teve as nomeações até o quinto colocado, Nelson Ferreira de Souza, ocorrendo em ordem de classificação. Não sabemos se a prática do envio de uma lista tríplice começou no II Concurso da Magistratura, ou se já foi realizado no primeiro, mas sem alteração na ordem das nomeações em relação à classificação. O fato é que o concurso de Lamarca é o primeiro em que tomamos conhecimento de que um candidato mais à frente na lista de classificação seria nomeado antes dos melhores colocados.

O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Orlando Teixeira Costa, com quem Lamarca atuou na Corte máxima da Justiça do Trabalho, revelou, em texto publicado em homenagem ao magistrado paulista, que a alteração da ordem de nomeação dos candidatos teria acontecido por razões políticas.

“Em que pese ter sido o primeiro classificado, não foi logo nomeado, pois à época vigiam normas impondo uma lista tríplice para o aproveitamento dos concursados. A conveniência da política dominante escolheu o terceiro colocado, por ser filho de família paulista de quatrocentos anos. O imigrante italiano de segunda geração poderia, pois, esperar. Mas como as vagas eram múltiplas, veio a ser contemplado um pouco depois”.

Orlando Teixeira Costa, ministro do TST entre 1982 e 1997.

Não podemos atestar categoricamente que a escolha do terceiro candidato, ao invés de Lamarca, tenha ocorrido por questões sociais ou políticas, pelo fato de a família Azevedo ser influente no estado de São Paulo. No entanto, dadas as práticas da época, não seria impossível. De qualquer forma, a situação não deixa de ser curiosa, e lega a “marca” de primeira vez que isso ocorreu nas nomeações do TRT-2.

Em que pese a nomeação de Raul Duarte de Azevedo ter ocorrido em 10 de dezembro de 1955, Lamarca seria nomeado como juiz substituto em 24 de janeiro de 1956. Àquele tempo, a ascensão na carreira da magistratura trabalhista era significativamente mais rápida do que hoje: em questão de meses era possível um juiz substituto alcançar a presidência de uma junta, seja pela criação de novas unidades ou pela rotatividade de magistrados.

A 16º Junta de Conciliação e Julgamento

Antônio Lamarca atuou pouco tempo como juiz substituto, sendo promovido a juiz-presidente da Junta de Conciliação e Julgamento de Campinas, em 17 de setembro de 1956, assumindo a vaga deixada por Abraão Blay, que se removeu para a 8ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo. Blay seria, pouco mais de uma década depois, aposentado em decorrência do Ato Institucional 5, de 1968. Lamarca, porém, ficaria pouco tempo em Campinas. Em 27 de novembro daquele ano seria nomeado para a junta em que passaria praticamente toda a sua carreira na primeira instância: a recém-criada 16ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo. A instalação da unidade, no entanto, ocorreria apenas em 2 de janeiro de 1957.

Antônio Lamarca, em registro de 1963, com colegas do TRT-2. Foto: fundo Antônio Lamarca / acervo TRT-2.

Seria na 16ª JCJ da capital que Lamarca construiria sua sólida carreira de juiz do trabalho, atuando naquela unidade até 1972, quando seria nomeado para a segunda instância. Ali consolidaria seu nome como magistrado culto, dedicado e extremamente fiel aos seus ideais de justiça.

Seus julgamentos eram fortemente ancorados nos ritos processuais, para que a solução das lides fossem encontradas da forma mais imparcial possível, sem que pressões externas, por posição social ou autoridade, influenciassem aqueles com menor poder na relação.

O advogado trabalhista e desembargador aposentado do TRT-2, José Carlos da Silva Arouca, em entrevista concedida ao Centro de Memória, comentou a admiração que tinha por Antônio Lamarca, justamente por esse forte posicionamento.

José Carlos da Silva Arouca

“O Lamarca foi brilhante também. Ele fazia assim:
‘Conciliação. Tem alguma proposta? Não tem?’
‘Não, eu não sei’
Virava para o outro:
‘Está dando 100, aceita?’
‘Não’
‘Quanto que você aceita?’
‘200.’
‘Dá 200?’
‘Não.’
‘Então vamos continuar. Depoimento pessoal’.”

José Carlos da Silva Arouca, advogado trabalhista, desembargador do TRT-2 entre 1999 e 2005.

Segundo Arouca, Lamarca sabia que sua posição lhe trazia alguns problemas dentro de sua junta, e lembra a frase que muitas vezes ouvia do juiz do TRT-2: “Se você examinar a minha junta, está um mundo de processo porque eu não sou capaz de compelir ninguém a fazer acordo” .

É possível imaginar que Lamarca perseguia não apenas a resolução das lides, mas uma decisão justa de fato. E entendia que sua atuação era, antes de tudo, um instrumento de justiça social.

Lamarca era de tal forma devotado a essa missão de propagar e aplicar justiça, que, não raro, criticava até mesmo o próprio Tribunal, quando entendia que a prática de seus colegas, de alguma forma, prejudicava o equilíbrio visado pela justiça. Os “acordos”, uma das formas mais céleres de se resolver uma lide judicial, eram vistos com ressalva por Lamarca, que entendia a posição de desvantagem que o trabalhador assumia na mesa de negociação.

Apesar da grande preocupação de Lamarca nos julgamentos, para promover decisões justas, mesmo que mais trabalhosas, sua produção não era inferior aos seus demais colegas, como apontam relatórios da época. Sua junta mantinha um número de julgamentos em igual patamar dos demais juízes de primeira instância na cidade de São Paulo.

Conciliando sua carreira como juiz, Antônio Lamarca lecionava e escrevia livros e artigos. Sua produção bibliográfica é impressionantemente extensa e muito ativa enquanto atuava na 16ª Junta, participando e fomentando o debate sobre o direito do trabalho no país. Foi nessa época, inclusive, que o já citado ministro Orlando Teixeira Costa conheceu Antônio Lamarca: por meio de seus livros. Teixeira Costa era ainda um juiz de primeira instância no TRT-8 (Pará).

Embora suas obras jurídicas fossem destinadas aos operadores do direito, Lamarca também se preocupava com o “homem comum”, o trabalhador que recorria à Justiça do Trabalho. Pensando nisso, escreveu uma de suas mais clássicas obras, o “Manual de Legislação do Trabalho”, de 1968. “Uma obra viva, alimentada com dúvidas e ampliado em novas edições”, com linguagem mais acessível e prática.

Antônio Lamarca publica seu “Manual de Legislação do Trabalho”, obra produzida enquanto atuava na 16ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo. “O Jornal”, de 22 de dezembro de 1968. Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

Lamarca, culto e de grande domínio das leis, engrandecia os debates em que participava, apresentando-se de forma eloquente e enérgica. Apesar disso, não media esforços para “passar adiante” seu grande conhecimento e incentivar outras pessoas ao estudo do direito.

Foi professor na Faculdade de Direito de Guarulhos (entre 1969 e 1975), e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, sendo o segundo ocupante da cadeira 48 da academia, cujo patrono é Amir de Castro Garcia Duarte. Em 1962, com a criação da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra-2), Antônio Lamarca seria escolhido como seu primeiro presidente. Mais do que seu primeiro presidente, Lamarca foi um dos idealizadores da entidade. Em sua homenagem, a biblioteca da associação recebeu o nome do magistrado.

O legado de Lamarca na 16ª JCJ era notável. Tanto que o magistrado a assumi-la, logo após a nomeação de Lamarca para a segunda instância, “abriu mão” de ser o possível primeiro presidente do TRT-9 para atuar na unidade, sob os auspícios de um grande nome que anteriormente a presidiu.

Floriano Corrêa Vaz da Silva era o então presidente da 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, no Paraná. Em 1972, removeu-se inicialmente para a 9ª JCJ de São Paulo, e, menos de dois meses depois, para a 16ª Junta da capital. Àquela época, já se especulava a criação do TRT-9, cuja jurisdição abrangeria os estados do Paraná e de Santa Catarina (até então pertencente ao TRT-4). A criação do regional, de fato, só ocorreria em 1976. Se Floriano continuasse atuando no Paraná, seria o melhor posicionado na lista de antiguidade do novo regional, e talvez fosse escolhido como presidente. Sua opção, no entanto, foi construir sua carreira na capital paulista. Floriano Corrêa Vaz da Silva seria presidente do TRT-2 entre 1998 e 2000.

Floriano Corrêa Vaz da Silva, presidentes TRT-2

“O fato é que eu vim pra cá, pra uma vara de um juiz que eu admirava muito, que eu já tinha conhecido quando eu era substituto, um juiz muito conhecido na época. E eu então achei que, para mim, seria uma boa oportunidade, não ir para uma vara qualquer, mas para a 16ª, que era a junta do dr. Lamarca, que eu admirava e que eu conhecia. Amigo do Gabriel Moura, eles eram amicíssimos. E eu era, digamos assim, entre aspas, um discípulo, amigo, colega e admirador deles. Então para mim foi um momento decisivo, esse momento em que eu optei por sair do Paraná, abrir mão da possibilidade de ser o primeiro presidente do tribunal do Paraná e vim para cá para ficar anos e anos e anos na primeira instância”.

Floriano Côrrea Vaz da Silva, magistrado de carreira que atuou no TRT-2 entre 1961 e 2004. Foi presidnete do TRT-2 no biênio 1998-2000.

Pela sua atuação na primeira instância e pelas obras escritas, Antônio Lamarca promovia a justiça e o direito do trabalho em diferentes frentes, que ultrapassavam os limites do Estado, e consolidava seu nome na Justiça do Trabalho do país. Era questão de tempo até que ele alcançasse, merecidamente, a segunda instância.

A segunda instância

Em 1972 um antigo amigo de Antônio Lamarca estava se aposentando: Paulo Marques Leite. Marques Leite, que havia ingressado na magistratura trabalhista em 1954, pelo primeiro concurso realizado no TRT-2, teria atuado pouco tempo na segunda instância, apenas de 26 de março de 1971 a 27 de julho de 1972.

Lamarca então assumia a “cadeira” de um velho amigo, companheiro de estudos e de trabalho, cujas trajetórias, desde antes do ingresso no TRT-2 já se cruzavam. A nomeação de Lamarca ocorreu em 4 de setembro de 1972, e ele passou a atuar na primeira turma do Tribunal, ao lado de Roberto Mário Rodrigues Martins (presidente), Nelson Ferreira de Souza, Affonso Teixeira Filho (representante dos empregados) e Marcos Manus (representante dos empregadores).

A atuação de Lamarca na segunda instância continuou a marcar seu nome entre as grandes referências do direito do trabalho. Mantendo seu talento para o debate, sua moral norteadora e sua ampla cultura, ele agora estava em uma posição de maior visibilidade dentro da estrutura da Justiça do Trabalho. Não raro, as novas gerações de magistrados o procuravam e tinham nele uma espécie de “mentor”.

O trágico 1981

Em 1980, o juiz Nelson Ferreira de Souza foi eleito presidente do TRT-2. Cumpriria, ao lado de Roberto Barreto Prado (eleito vice-presidente), o mandato entre setembro de 1980 e setembro de 1982. Ferreira de Souza, no entanto, sofreria um acidente vascular cerebral, dentro de seu gabinete, no dia 10 de março de 1981. Tinha 64 anos. Viria a falecer em 18 de março, após ficar internado por oito dias.

O falecimento de Ferreira de Souza deixava muito mais que o cargo de presidente vago, mas um vazio em toda a instituição. Tendo iniciado sua carreira no TRT-2 como servidor, Nelson era querido por todos. Construiu sua carreira e família em torno do TRT-2: sua esposa, Maria Helena Lobo Rosa, também era servidora do tribunal. Eles se conheceram e casaram ainda quando atuavam juntos, na 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo, na década de 1940, bem no início da Justiça do Trabalho. Era um magistrado conhecido e dedicado. Nelson era amigo de Lamarca, compartilhavam o gosto pela música clássica e por ópera, frequentemente indo para concertos juntos.

Os últimos anos do tribunal não haviam sido tranquilos. Em 1980, durante o mandato de Nelson Virgílio do Nascimento, a mudança da sede para a Consolação havia rendido muitos atritos, tanto com a sociedade e com advogados, quanto internamente. Nelson Ferreira de Souza, por sua vez, também enfrentava resistências internas e externas com a instalação da nova sede trabalhista em Santos: o acidente vascular cerebral que vitimou o magistrado ocorreu pouco após uma tensa sessão em que se discutia a matéria. A situação como um todo não era auspiciosa. Os “ares” do tribunal ficavam ainda mais pesados com o fatídico evento.

Segundo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), publicada em 1979, caso o mandato de um presidente fosse interrompido em menos de um ano de gestão, o novo mandante seria escolhido entre os dois mais antigos da carreira. Antônio Lamarca e Roberto Barreto Prado eram aqueles que cumpriam os requisitos preconizados na referida lei.

Em 1º de abril de 1981, uma nova eleição foi realizada para definir o presidente do Regional, que completaria o mandato do falecido magistrado. Antônio Lamarca foi escolhido pelos seus pares, ao lado de Roberto Barreto Prado, que já ocupava o lugar de vice-presidente no mandato de Nelson. Lamarca tomou posse como presidente em 7 de abril de 1981.

Não houve cerimônia de posse. Lamarca assumiu o posto de seu amigo, e em honra de sua memória o fez de forma discreta e silenciosa.

Em maio de 1981, a Justiça do Trabalho também comemoraria seus 40 anos de instalação. Talvez pelo momento em que se encontrava o TRT-2, não há registros de eventos no dia 1º de maio. Nos jornais de São Paulo existem menções à data, mas sem comemorações. Apenas da participação de representantes do TRT-2 em um evento sediado pelo TST, em Brasília. No Relatório de Atividades de 1981, a mesma situação. O impacto sobre a moral do regional foi grande, era um momento difícil e doloroso para todos.

A personalidade de Lamarca ajudaria o TRT-2 a atravessar esse momento turbulento. Seu nome era respeitado por diferentes frentes, por seu amplo conhecimento, cultura e atuação guiada por uma moral extremamente rígida.

Um pouco sobre o homem por trás da toga

Antonio Lamarca, presidentes do TRT-2
Antonio Lamarca presidente do TRT-2 entre 1981-1982.

Apesar de o apontarem como “enérgico” nos debates, e se portar com um ar “sério”, Antônio Lamarca era um homem bem-humorado. A servidora aposentada Maria do Carmo Sacramento de Castro, que atuou no TRT-2 entre os anos de 1978 e 1992, trabalhou próxima a diversos presidentes do TRT-2, seja no Gabinete da Presidência, seja na Corregedoria. A servidora conta que Lamarca incentivava os funcionários do tribunal a prestarem concurso e chegou, até mesmo, a ir ao local de um determinado certame para apoiá-los.

“Ele não era expansivo, mas conversava conosco, principalmente nos encorajando a fazer concurso da Procuradoria do Trabalho. Foi no dia da prova torcer pra gente, esperando na saída do pessoal e falando com cada um. Me emprestou um livro dele pra estudar. Nele estava escrito: ‘invendível, inalienável e imprestável’. Era divertido, embora sério”.

Maria do Carmo Sacramento, servidora do TRT-2 entre 1978 e 1992.

Lamarca de fato era rígido, consigo mesmo e com o seu trabalho. Mas um homem apaixonado pelo direito (e seus debates), pela música clássica, por ópera e… Por uma boa pizza, honrando sua ascendência italiana. E também, claro, pela sua família.

Antônio Lamarca casou-se com Dirce Lagana em 1951, sua companheira por toda a vida. O casal teve três filhos: Erick Wellington Lagana Lamarca, Vera Lígia Lagana Lamarca e Antônio Lamarca Filho.

Sempre fez questão de demonstrar sua devoção à família, por meio de suas publicações no universo jurídico. Não é raro encontrar em seus livros dedicatórias belíssimas àqueles que lhe eram tão caros.

Lamarca fez questão de colocar a educação como norteadora na vida dos filhos, assim como o fez na sua. Dizia aos garotos: “Eu darei os meios para que cada um tenha um diploma. A partir daí, é com vocês”. De preferência um diploma em uma faculdade pública, como relembra, entre risos, a filha, Vera Lígia. E assim foi feito. Se dos irmãos de Lamarca, apenas ele havia conseguido um diploma de nível superior, seus três filhos alcançariam essa marca: Vera Lígia e Erick se bacharelaram em direito e Antônio em engenharia civil.

Erick e Vera, por sinal, chegaram a atuar no TRT-2, em idos da década de 1970. Erick afirma ter entrado no Regional em 1972. Trabalhou no gabinete da Presidência, durante a gestão de Homero Diniz Gonçalves, e, posteriormente, na corregedoria, quando ela foi criada. Quando Antônio Lamarca assumiu a presidência, passou a assessorar o pai. Erick lembra-se dessa fase como um grande aprendizado. Recorda-se, especialmente, da mediação das grandes greves, com a participação de nomes como Almir Pazzianoto Pinto, Roberto Della Manna, Luís Inácio Lula da Silva, dentre outros.

Os irmãos pediriam exoneração dos cargos no TRT-2 em 1983, por ocasião da aprovação, de ambos, no primeiro concurso do Ministério Público do Trabalho (aquele mesmo que a servidora Maria do Carmo Sacramento de Castro comentou que Lamarca incentivava os servidores a prestarem).

No referido certame outros nomes conhecidos de nosso regional seriam aprovados: o servidor Américo Deodato da Silva Júnior, que à época do concurso, ocupava o cargo de diretor-geral do TRT-2; e os futuros juízes togados Rubens Tavares Aidar, Nelson Nazar, Marcelo Freire Gonçalves, Iara Ramirez da Silva Castro e Lázaro Phols Filho. Aidar e Nazar também seriam presidentes de nosso regional (entre 1994 e 1996 e entre 2010 e 2012, respectivamente).

Uma passagem divertida sobre esse concurso, narrada por Vera Lígia, menciona a ocasião da prova oral, realizada na sede do Ministério da Justiça, em Brasília. No mesmo dia realizariam a prova os irmãos, Vera e Erick, além de Deodato, Freire Gonçalves, Pohls Filho e Aidar.

Diário Oficial publica horário das provas orais para o concurso público para ingresso na carreira de Procurador do Trabalho. Fonte: Diário Oficial, de 5 de novembro de 1982.

No dia do certame, a família chegou cedo ao local onde seria realizada a prova. E apenas aguardava o horário da realização do exame. Enquanto esperavam, Antônio Lamarca dava dicas para outros candidatos, simulando perguntas e explicando alguns pontos. Vera se diverte ao lembrar que, mesmo eles sendo concorrentes diretos de seus filhos pelas vagas, Lamarca não hesitava em repassar seu amplo conhecimento e ajudar os outros candidatos. Também se lembra que Américo Deodato demorou a chegar no local da prova, o que preocupou seu pai: “Liguem para o Américo, ele deve estar dormindo ainda. Ele vai se atrasar!”, lembra Vera as palavras do pai. Américo Deodato não se atrasou. E também foi aprovado naquele concurso.

A família Lamarca havia viajado com antecedência para Brasília. Segundo Vera, todo o trajeto entre São Paulo e a capital do país, de cerca de 1000 km, foi feito de carro. A lembrança da filha de Antônio Lamarca faz-nos remeter a uma antiga conversa tida com o servidor aposentado Otacílio Esteves Pereira (que atuou no TRT-2 entre 1981 e 2014), na qual ele garantia que o magistrado tinha um certo receio quanto ao transporte aéreo: “Dr. Lamarca não gostava de avião, só viajava de carro” , contou certa vez Otacílio.

A filha do juiz confirma a informação. Ela conta que quem dirigia o carro da família na estrada, inclusive, era sua mãe, Dirce. Antônio Lamarca havia perdido a visão de um de seus olhos, devido a uma catarata, o que o impedia de dirigir com segurança. A companheira, então, assumia a tarefa nas viagens familiares.

A família de Antônio Lamarca. Da esquerda para a direita: Sueli Scotti Lamarca (esposa de Antônio Lamarca Filho), Antônio Lamarca Filho, Antônio Lamarca, Dirce Lagana Lamarca, Erick Wellington Lagana Lamarca e Vera Lígia Lagana Lamarca. Registro fotográfico na ocasião da posse de Lamarca no TST. Foto: fundo Antônio Lamarca / Acervo TRT-2.

O trajeto entre a capital paulista e Brasília seria um itinerário conhecido por Dirce e Antônio Lamarca. Quando atuou no TST, embora o tribunal superior colocasse à disposição um motorista, o “Benê”, como lembra Vera, ele não tinha o hábito de dirigir nas rodovias, apenas na cidade de Brasília. Assim, quem assumia mais uma vez a direção era Dirce, tendo Lamarca ao seu lado no banco de passageiro. Benedito, o motorista oficial, por sua vez, ia a viagem toda descansando no banco de trás, conta a filha, entre risos. Vera conta que Benedito chegou a entrar em contato após a aposentadoria do pai no TST, para agradecer o apoio que Lamarca sempre deu a ele, e aos incentivos que também dava à filha de Benedito em estudar e prestar concursos: ela teria alcançado a magistratura.

A longa viagem era comumente interrompida para o almoço na residência de um amigo, o magistrado Valentin Carrion (que atuou no TRT-2 entre 1961 e 2000). Carrion, descendente de espanhóis, brincava com Vera: “Seu pai não gosta de mim porque sou espanhol”. Obviamente era apenas uma provocação. Eles se davam super bem.

Assim, Lamarca rodava pelas estradas entre São Paulo e Brasília, da mesma forma que caminhava pela sua vida: sempre acompanhado da família, que tanto amava; encontrando e fazendo amigos; e, certamente, guiando, incentivando e ajudando pessoas.

O presidente Lamarca

Antônio Lamarca assumiu a presidência do TRT-2 em 1981 e, com ela, inúmeros projetos iniciados por seus antecessores, que seriam concluídos em sua administração.

Em 1981, por força da Lei 6904/81, de 30 de abril, o Tribunal aumentou sua composição de 27 para 29 magistrados. Foram nomeados para os novos cargos José Henrique Marcondes Machado, que até então ocupava a presidência da JCJ de São Caetano do Sul; e Aluysio Mendonça Sampaio, então presidente da 21ª JCJ de São Paulo. A ampliação do número de magistrados na segunda instância era para atender um pleito originado no mandato de Nelson Virgílio do Nascimento: a criação dos cargos de corregedor e vice-corregedor regionais.

Os ocupantes desses novos cargos de gestão seriam escolhidos por votação secreta, acompanhando os mandatos do presidente e vice-presidente. Coube a Aluysio Simões de Campos e Pedro Benjamin Vieira, respectivamente, os cargos de corregedor e vice-corregedor geral. Eles foram os primeiros da história do TRT-2 a ocupar as referidas funções, a partir de 14 de julho de 1981.

Apesar das recentes expansões no número de magistrados no segundo grau (a Lei 6.635/1979, tinha ampliado de 17 para 27 juízes; e a Lei 6.904/1981, de 27 para 29) a quantidade de trabalho ainda era muito grande. Assim, apesar das recentes adições, durante o mandato de Lamarca como presidente do TRT-2 foi solicitada a criação de cinco novas turmas na segunda instância, bem como a criação de novos cargos para colocá-las em funcionamento.

Na primeira instância a situação era similar. Apesar de um aumento de 65% na quantidade de unidades judiciárias, graças à publicação da Lei 6.563/1978, que criou 63 novas juntas de conciliação e julgamento, o volume de processos era crescente. Além disso, nem todas as unidades haviam sido instaladas, apesar dos esforços das gestões anteriores.

No ano de 1981 seriam instaladas as 13 juntas de conciliação faltantes da capital, que passaria, então, a contar com 45 juntas. Ainda faltavam cinco unidades para entrar em funcionamento: as das cidades de Marília, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo, Barueri e Franco da Rocha. O TRT-2 encerraria o ano de 1981 com 99 juntas sob sua jurisdição.

No ano seguinte, Lamarca instalaria as juntas de conciliação e julgamento de Marília (1º de abril de 1982) e a de São João da Boa Vista (27 de agosto de 1982). Faltariam, ainda, três juntas. As dificuldades impostas pela falta de verba para servidores, para o material de escritório e para o aluguel de imóveis adiavam a implantação dessas unidades. Apenas para se ter uma ideia, a última instalada foi a junta da cidade de São José do Rio Pardo, em 7 de dezembro de 1984. A de Barueri seria instalada em 5 de setembro de 1984 e a de Franco da Rocha, em 30 de novembro do mesmo ano.

A instalação de unidades da Justiça do Trabalho sempre era motivo de comemoração. Jornal “Tribuna de Imprensa” de 2 de abril de 1982. Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

Havia uma outra questão: as instalações de São Paulo. Ainda em 1981, a Prefeitura de São Paulo, então representada pelo prefeito Reinaldo de Barros, ofereceu a doação de um terreno para a construção de um prédio para abrigar as 45 juntas de conciliação e julgamento da Capital. A ideia da unificação da Justiça do Trabalho na cidade de São Paulo, surgida no curto mandato de Nelson Ferreira de Souza, começava a se desenhar. Mas não iria muito longe. O terreno é mencionado, sem muitos detalhes, nos relatórios de 1981 e 1982. A doação aconteceria ainda em 1982, mas durante a gestão de Aluysio Simões de Campos.

JUNTAS DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO EXISTENTES DURANTE A PRESIDÊNCIA DE ANTÔNIO LAMARCA

JUNTA DE CONCILIAÇÃOCRIAÇÃOINSTALAÇÃOPRIMEIRO JUIZ-PRESIDENTE
1ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/19401/5/1941Oscar de Oliveira Carvalho
2ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/19401/5/1941Thélio da Costa Monteiro
3ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/19401/5/1941José Veríssimo Filho
4ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/19401/5/1941José Teixeira Penteado
5ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/19401/5/1941Décio de Toledo Leite
6ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/19401/5/1941Carlos de Figueiredo Sá
7ª JCJ de São PauloDecreto-lei 8.087/194516/3/1946João Rodrigues de Miranda Júnior
8ª JCJ de São PauloLei 2.279/1954 9/5/1955José Adolfo de Lima Avelino
9ª JCJ de São PauloLei 2.279/19549/5/1955Antônio Felipe Domingues Uchôa
10ª JCJ de São PauloLei 2.279/19549/5/1955Roberto Barreto Prado
11ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Rodolpho de Moraes Barros
12ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Enéas Chrispiniano Barreto
13ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Gabriel Moura Magalhães Gomes
14ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Paulo Marques Leite
15ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Nelson Ferreira de Souza
16ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Antônio Lamarca
17ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Raul Duarte de Azevedo
18ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Cid José Sitrangulo
19ª JCJ de São PauloLei 2.694/19552/1/1957Paulo Jorge de Lima
20ª JCJ de São PauloLei 3.873/196116/3/1964Mauro Quaresma de Moura
21ª JCJ de São PauloLei 3.873/19619/3/1964Rubens Ferrari
22ª JCJ de São PauloLei 3.873/19619/3/1964Clóvis de Castro e Campos 
23ª JCJ de São PauloLei 3.873/196116/3/1964Francisco Garcia Monreal Júnior
24ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/8/1974Oswaldo Sant’Anna
25ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/8/1974Antonio Carlos de Moraes Salles
26ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/8/1974Neusenice de Azevedo Barreto Küstner
27ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/8/1974Helder Almeida Carvalho
28ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/08/1974Walter de Moraes Fontes
29ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/08/1974Hildéa Reinert
30ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/8/1974Waldemar Thomazine
31ª JCJ de São PauloLei 5.643/197030/8/1974Ralph Cândia
32ª JCJ de São PauloLei 5643/197030/8/1974Carlos Eduardo Figueiredo
33ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Lillian Daisy Adilis Ottobrini Costa
34ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Raimundo Cerqueira Ally
35ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Floriano Corrêa Vaz da Silva
36ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Adilson Bassalho Pereira
37ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981José Luiz Vasconcellos
38ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Vantuil Abdala
39ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Carlos Eduardo Figueiredo
40ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981José Claudio Netto Motta
41ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Lucy Mary Marx Gonçalves da Cunha
42ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Amador Paes de Almeida
43ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Claudio Henrique Corrêa
44ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Alceu de Pinho Tavares
45ª JCJ de São Paulo*Lei 6.563/197830/9/1981Neusenice de Azevedo Barreto Küstner
1ª JCJ de Barueri**Lei 6.563/19785/9/1984Wilma Nogueira de Araújo
1ª JCJ de Cubatão*Lei 6.563/197821/9/1979Antônio José Teixeira de Carvalho
2ª JCJ de Cubatão*Lei 6.563/197821/09/1979João Maria Valentim
1ª JCJ de DiademaLei 6.563/197809/3/1979Braz José Mollica
1ª JCJ de Franco da Rocha**Lei 6.563/197830/11/1984Antônio da Graça Caseiro
1ª JCJ de GuarulhosLei 3.873/196123/10/1962Marcondes Ancilon Aires de Alencar
2ª JCJ de GuarulhosLei 6.563/19782/3/1979Antônio da Silva Filho
1ª JCJ de Itapecerica da SerraLei 6.563/197830/3/1979Lillian Daisy Adilis Ottobrini Costa
1ª JCJ de MauáLei 5.892/197315/8/1974Júlia Romano Correa
1ª JCJ de Mogi das CruzesLei 3.873/196120/11/1962Aluysio Mendonça Sampaio
1ª JCJ de OsascoLei 5.643/197018/9/1971Rubens Ferrari
1ª JCJ de Santo AndréDecreto-lei 9.110/19461/5/1946Antônio Felipe Domingues Uchôa
2ª JCJ de Santo AndréLei 5.298/196712/11/1969Clóvis Canelas Salgado
1ª JCJ de SantosDecreto-lei 5.926/19434/4/1944José Ney Serrão
2ª JCJ de SantosLei 2.020/19531/4/1954Ildélio Martins
3ª JCJ de SantosLei 5.643/197015/9/1971Walter Cotrofe
1ª JCJ de São Bernardo do CampoLei 3.873/19617/9/1962José Amorim
2ª JCJ de São Bernardo do CampoLei 6.563/197816/2/1979Vantuil Abdala
3ª JCJ de São Bernardo do CampoLei 6.563/197816/2/1979Alceu de Pinho Tavares
1ª JCJ São Caetano do SulLei 2.763/195617/4/1957Bento Pupo Pesce
1ª JCJ de SuzanoLei 6.052/197423/8/1974Eldha Ebsan Menezes Duarte
1ª JCJ de AmericanaLei 3.873/196110/11/1962Wagner Drdla Giglio
1ª JCJ de AraçatubaLei 6.563/19789/2/1979Genésio Vivanco Solano Sobrinho
1ª JCJ de AraraquaraLei 3.873/19615/11/1962José Victorio Fasanelli
1ª JCJ de AvaréLei 6.563/19789/2/1979Ildeu Lara de Albuquerque
1ª JCJ de BarretosLei 3.873/196111/1/1963Valentim Rosique Carrion
1ª JCJ de BauruLei 3.873/196120/10/1962Lázaro Bittencourt de Camargo
1ª JCJ de BotucatuLei 6.563/197823/3/1979Carlos Francisco Berardo
1ª JCJ de CampinasLei 5.926/19431/1/1944Abrãao Blay
2ª JCJ de CampinasLei 6.563/1997820/7/1979Claudio Henrique Corrêa
1ª JCJ de CatanduvaLei 6.563/197818/4/1979Vera Lúcia Pimentel Teixeira 
1ª JCJ de FrancaLei 5.082/196617/2/1968Valentim Rosique Carrion
1ª JCJ de GuaratinguetáLei 6.563/197813/2/1979Milton de Moura França
1ª JCJ de ItuLei 6.563/19781/2/1979Roberto Gouvêa
1ª JCJ de JaboticabalLei 6.563/197819/4/1979Raimundo Cerqueira Ally
1ª JCJ de JacareíLei 6.563/197814/3/1979Jairo de Souza Aguiar
1ª JCJ de JaúLei 6.563/197816/3/1979Daisy Vasques
1ª JCJ de JundiaíLei 5.926/194330/3/1944Homero Diniz Gonçalves
2ª JCJ de JundiaíLei 6.563/197813/2/1979Carlos Alberto Moreira Xavier
1ª JCJ de LimeiraLei 4.088/19624/6/1969Pedro Vidal Neto
1ª JCJ de MaríliaLei 6.563/19781/4/1982José Joaquim Badan
1ª JCJ de Mogi-MirimLei 6.563/197821/2/1979Antônio Pereira da Silva
1ª JCJ de OurinhosLei 6.563/197828/4/1979Regina Maria Apparecida Baptista Corrêa
1ª JCJ de PiracicabaLei 3.873/196119/1/1963Carlos Eduardo de Figueiredo
1ª JCJ de Presidente PrudenteLei 3.873/196124/3/1979Diva Aparecida Leite Alves
1ª JCJ Ribeirão PretoLei 2.695/195519/3/1957Alfredo de Oliveira Coutinho
1ª JCJ de Rio ClaroLei 3.873/196124/11/1962Reynaldo Prestes Nogueira
1ª JCJ de São CarlosLei 3.873/196110/11/1962Francisco de Mattos Range
1ª JCJ de São João da Boa Vista*Lei 6.563/197827/8/1982Pedro Paulo Teixeira Manus
1ª JCJ de São José do Rio Pardo**Lei 6.563/19787/12/1984José Joaquim Badan
1ª JCJ de São José do Rio PretoLei 6.056/197427/09/1974Milton Rodrigues
1ª JCJ de São José dos CamposLei 3.873/196121/1/1963Neusenice de Azevedo Barreto Küstner
1ª JCJ de SorocabaLei 5.926/194331/8/1944Armando de Oliveira Netto
2ª JCJ SorocabaLei 5892/197315/8/1974Fernando Hernani Gentile
1ª JCJ de TaubatéLei 3.873/196121/11/1962Clovis Canellas Salgado
1ª JCJ de VotuporangaLei 6.563/19785/4/1979Marilda Izique Chebabi
JCJ de CuiabáDecreto 6.596/1940 1/5/1941José Adolpho de Lima Avelino
JCJ de CorumbáLei 3.873/19614/12/1962Antônio de Souza Nogueira Filho 
JCJ de Campo GrandeLei 6.563/197922/7/1979Cremilda Vieira Lessa
* JCJs criadas durante a presidência de Nelson Virgílio do Nascimento, mas instaladas posteriormente, devido a falta de verba, durante a gestão de Antônio Lamarca.
** JCJs criadas durante a presidência de Nelson Virgílio do Nascimento, que ainda seriam instaladas em gestões posteriores à de Antônio Lamarca.

Uma importante alteração na jurisdição do TRT-2 ocorreu sob a administração de Lamarca. Muita coisa havia mudado desde a instalação da Justiça do Trabalho em 1941, quando o CRT-2 fora criado com jurisdição sobre os estados de São Paulo, Mato Grosso (até então unificado) e Paraná. Conforme os anos passaram, a demanda do TRT-2 mostrou que era inviável a manutenção de sua competência da forma em que foi configurada em 1941. Eram três estados riquíssimos, com grande extensão territorial, que cresciam em número populacional, importância econômica, e claro, em lides trabalhistas. O Paraná havia se desligado do TRT-2 com a criação do TRT-9, em 1975 e instalação em 1976. Agora era a vez de se despedir dos estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul.

Existiam apenas três juntas de conciliação e julgamento nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: a de Cuiabá, instalada em 1941; a de Corumbá, instalada em 1962 e a de Campo Grande, instalada em 1979.

O TRT-10, criado pela Lei 6927/1981 e instalado oficialmente em 2 de fevereiro de 1982, também visava ampliar a área de atuação da Justiça do Trabalho nos estados do centro-oeste do país, que, pela grande extensão territorial, precisavam de mais unidades. Era uma situação positiva para o jurisdicionado, para a Justiça do Trabalho e para o TRT-2.

Assim, o novo regional passava a ser responsável pelos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e pelo Distrito Federal, sendo esse último, a sua sede. Goiás e o Distrito Federal faziam parte, até então, do TRT-3 (Minas Gerais).

Com a instalação do novo regional, o TRT-2 perderia quatro de seus magistrados, dentre eles Oswaldo Florêncio Neme (até então juiz-presidente da 4ª JCJ de São Paulo) e Heloísa Pinto Marques (juíza-presidente da JCJ de Corumbá). Ambos se tornaram juízes togados do TRT-10 e viriam a ser presidentes do Regional (o terceiro e a quarta da história da 10ª Região).

Na gestão de Antônio Lamarca também seria criado o Conselho Administrativo do Tribunal, que tinha como atribuição “opinar sobre questão administrativa de caráter relevante, a ser submetida à aprovação do Tribunal Pleno, para tanto estudando, discutindo e propondo soluções” (Relatório Anual de Atividades do TRT-2 de 1981, fl. 21). Ele era composto nativamente pelos ocupantes dos cargos de gestão (presidente, vice-presidente, corregedor e vice-corregedor), por um juiz togado e um classista de cada representação, escolhidos por seus pares.

As juntas de Santos encontram um porto seguro

A cidade de Santos sempre ocupou uma posição importante dentro da jurisdição do TRT-2. A cidade litorânea tem grande participação na economia do estado e do país, por ser ponto de entrada e saída de diversos bens e pessoas. Devido ao grande estímulo econômico e social, os trabalhadores da cidade sempre tiveram um histórico de boa organização e politização. Não à toa, Santos figurou entre as primeiras cidades fora da sede do TRT-2 a receberem juntas de conciliação em julgamento, com a publicação do Decreto-lei 5.926/1943. Nesse sentido, sempre existiu um grande interesse acerca da Justiça do Trabalho e do direito do trabalho na cidade.

Magistrados do TRT-2 também sempre estiveram muito próximos à cidade, seja atuando diretamente nas juntas de conciliação, seja lecionando em suas universidades ou palestrando. Dessas palestras, podemos destacar o “Círculo de Debates Sobre Direito do Trabalho”, promovido pela Associação de Advogados Trabalhistas de Santos, que se tornaram referência no país, contando com diversas edições. O evento tinha, como palestrantes, ministros do TST, advogados e, claro, magistrados do TRT-2. Antônio Lamarca foi um nome constante no ciclo de debates, mantendo sempre uma relação boa com a cidade.

Assim, a Justiça do Trabalho em Santos era um tema caro para o TRT-2. É de se entender toda a tensão que envolvia as discussões sobre a nova sede para as juntas da cidade, ainda na gestão de Nelson Ferreira de Souza.

A questão era ainda mais importante naquele momento, porque sua resolução era também uma forma de honrar a memória de Nelson, cujo passamento se deu enquanto tratava a matéria. Era um grande evento para todos: a comunidade jurídica de Santos, o TRT-2 e especialmente para Lamarca, que havia sucedido seu amigo, Nelson, nessa missão.

A inauguração da nova sede da Justiça do Trabalho em Santos foi motivo de grande celebração, contando com a presença do então corregedor-geral da Justiça do Trabalho, Carlos Coqueijo Torreão da Costa. As juntas de Santos finalmente estavam instaladas em um local adequado, colocando fim a uma discussão que evocava momentos tristes. Elas encontravam finalmente um “porto seguro”, na rua Brás Cubas, 158, local que as abriga até hoje.

As greves da década de 1980

O mandato de Antônio Lamarca também foi marcado pela mediação e julgamento de inúmeros movimentos grevistas, que mais do que lutar por melhores condições salariais, também refletiam os desejos de ampliar a democracia para as relações de trabalho. Não é segredo que os referidos movimentos, alavancados por aqueles que ocorreram no final da década de 1970, eram uma forma de atingir diretamente o regime ditatorial e suas formas de controle sobre a sociedade.

Os anos iniciais da década de 1980, seguindo aquilo que já se desenhava no final da década anterior, mostrava que a organização dos trabalhadores crescia e consolidava núcleos grevistas em diferentes categorias, aglutinando muitos trabalhadores descontentes com a política e a economia do país.

Lamarca era reconhecido por sua energia nos debates, sempre tentando alcançar seus ideais de justiça nas salas de audiência. Era respeitado por operadores do direito, mesmo que em posições contrárias, pela sua grande cultura e senso de justiça. Roberto Della Manna, industriário paulista que foi ministro do TST entre 1990 e 1996, lembrou em entrevista concedida ao TRT-2 a sua relação com Antônio Lamarca, do quanto ele aprendeu com o magistrado com sua capacidade para mediar situações conflituosas.

“Não sei se por causa de origem italiana, porque eu tenho uma afinidade muito grande, mas ele sempre foi, dentro desse relacionamento capital e trabalho, que eu aprendi muito com ele no dia a dia das negociações, está certo? E ele realmente foi um grande intermediador de todo esse trabalho que nós enfrentamos naquela época difícil, em que ele foi Presidente do Tribunal”.

Roberto Della Manna, ministro do TST entre 1990 e 1996, em entrevista concedida ao TRT-2 em 2015.

Apesar da grande habilidade de Lamarca e do respeito evocado pela sua atuação, a mediação das greves nesse período não foi fácil. Os ânimos sempre aflorados, o descontentamento, não necessariamente com a Justiça do Trabalho, mas com conjuntos de leis e medidas do governo eram refletidas nas audiências do TRT-2.

Antônio Lamarca como presidente do TRT-2 e Roberto Della Manna como representante da Fiesp: negociações em tempos difíceis. Jornal “O Estado de S.Paulo” de 8 de maio de 1982. Fonte: acervo Estadão.

Mesmo tomando posições muitas vezes que eram vistas como “desfavoráveis” a uma categoria (sempre dentro do contexto legal, obviamente) o respeito e a admiração que Lamarca recebia eram reflexos do próprio respeito com o qual lidava com a justiça e as partes. Esse posicionamento foi fundamental para que ele conseguisse conduzir o TRT-2 durante esse momento delicado. E fundamental também para uma carreira excepcional.

Lamarca enfrentou muitos desafios na mediação dos movimentos grevistas enquanto presidente do TRT-2. Jornal “O Estado de S.Paulo” de 5 de março de 1982. Fonte: acervo Estadão.

Fim da gestão e a coroação de uma carreira

Em setembro de 1982, Lamarca deixava a presidência do TRT-2, que assumira em uma situação envolta de pesar.

A despeito da situação dramática em que recebeu o cargo, seguiu com os planos iniciados nas gestões anteriores, concluindo muitos dos objetivos legados pelos seus predecessores. Sua atuação foi reconhecida por muitos. Tanto que, ao fim de sua gestão, foi agraciado com a “Ordem do Ipiranga”, sendo recebido pelo então governador do estado de São Paulo, Paulo Maluf. Também foi homenageado pela Prefeitura e pela Câmara Municipal de São Carlos, com o título de cidadão São-Carlense.

Aluysio Simões de Campos, magistrado que assumiu a presidência do TRT-2 após a gestão de Lamarca, ressaltou, em seu discurso de posse, a maneira “afável e tranquila” com que Lamarca conduziu a Presidência do TRT-2, apesar das condições adversas.

“(…) Assumindo a direção máxima desta Casa, em momento sombrio e triste, soube S. Exa., com a dignidade que sempre o caracterizou, conduzir, de maneira afável e tranquila, os destinos desse regional”.

Aluysio Simões de Campos, magistrado do TRT-2 que atuou entre 1978 e 1991. Foi presidente do TRT-2 entre 1982 e 1984.
Aluysio Simões de Campos, presidentes TRT-2

Lamarca, com efeito, parecia ter conseguido navegar por entre aquelas águas turvas e turbulentas, o que só favorecia para o engrandecimento de sua carreira. Assim, quando encerrava seu mandato como presidente do TRT-2, seu nome já era ventilado como uma grande possibilidade para uma cadeira junto ao Tribunal Superior do Trabalho, mesmo não tendo se candidatado ao posto. A indicação partia de líderes sindicais, tanto dos trabalhadores quanto patronais, juristas e advogados, que o enxergavam como um magistrado justo e de currículo à altura do cargo.

#PRESIDENTES DO TRT-2 NOS ANOS DE ATUAÇÃO DE ANTÔNIO LAMARCAMANDATO
7Hélio Tupinambá Fonseca1954-1959
8Décio de Toledo Leite1959-1963
9Hélio de Miranda Guimarães1963-1967
10Homero Diniz Gonçalves1967-1976
11Roberto Mário Rodrigues Martins1976-1978
12Nelson Virgílio do Nascimento1978-1980
13Nelson Ferreira de Souza1980-1981
14Antônio Lamarca1981-1982
15Aluysio Simões de Campos1982-1984

Sobre a nomeação de Antônio Lamarca para o TST, Erick nos confidencia algo que guardou como “segredo de estado” por muitos anos. Ele conta que, ao final do mandato de seu pai na presidência do TRT-2, o magistrado, já sabendo de toda a movimentação a favor de seu nome para o posto de ministro, confessou ao filho que havia redigido uma carta ao então presidente do Brasil, general João Baptista de Oliveira Figueiredo, agradecendo a honra de ser cogitado para tal cargo, mas declinando respeitosamente da nomeação. Lamarca tinha o intuito de continuar sua vida no TRT-2 e em São Paulo.

Dirce, sempre apoiadora do marido, era uma grande militante a favor da nomeação de Lamarca. O magistrado, por sua vez, para não magoar os sentimentos da amada esposa, não havia lhe dito da carta.

E eis que Dirce resolve aproveitar uma viagem para Brasília com outros amigos para “sondar” como andava o processo de nomeação de Lamarca para o TST. O magistrado então incumbiu o filho de proteger esse segredo, acompanhando sua mãe até o Ministério da Justiça. O primogênito deveria certificar que ela não lesse a carta, que provavelmente estaria na pasta entre os documentos constantes do seu processo de indicação. Erick foi bem sucedido em guardar o segredo da carta, evitando uma “crise conjugal” entre os pais. Mas a nomeação de Lamarca, ainda assim, aconteceria.

Erick conta que, oficiosamente, seu pai soube que a carta declinando a nomeação alcançou o general Figueiredo, que haveria dito: “Olha, ele é o melhor currículo, ele é o homem que precisa vir para o TST. E isso é missão. Eu também preferia estar cuidando dos meus cavalos a estar sentado aqui nessa cadeira, mas missão é missão. Que haja a publicação“.

A nomeação de Lamarca para o TST ocorreria de fato em 9 de maio de 1983, em vaga decorrente da aposentadoria de Thélio da Costa Monteiro, o primeiro magistrado do TRT-2 a se tornar ministro do TST. Antônio Lamarca, muito querido pelos seus colegas do TRT-2, recebeu homenagens ao alcançar um cargo de tamanho prestígio e importância. Erick conta que quando ocorreu a nomeação, enquanto todos festejavam e cumprimentavam Lamarca, os dois trocavam olhares, e ele entendia o olhar do pai como “oras bolas, falei que eu não queria, e lá vou eu para Brasília”, comenta o filho.

Erick, Dirce e Antônio Lamarca. Foto: fundo Antônio Lamarca/ acervo TRT-2.

A passagem pode parecer surreal, como afirma Erick. Mas demonstra o quanto Antônio Lamarca era simples e não se deixava levar pelo ego. Pode parecer loucura declinar um cargo dessa importância. Mas, para Lamarca, estar perto da família e continuar trabalhando na Justiça do Trabalho paulista era algo que o faria desistir da honraria.

A missão, porém, havia sido dada. E Lamarca assumiria o cargo. Mas atuaria por pouco menos de um ano na instância máxima trabalhista, aposentando-se em 16 de abril de 1984, contando então com 58 anos. Esse tempo, no entanto, foi suficiente para marcar a corte, com seu trabalho e sua eloquência. Ser ministro era, enfim, a coroação de uma carreira excepcional como magistrado.

Sua aposentadoria pode ter sido incentivada pelo fato de ele não ter se habituado tão bem à capital do Brasil. Realizar o trajeto por via terrestre, como sempre fazia, também era um fator que pesava contra sua estadia na cidade. Vera brinca que um dos fatores também seria o fato de ele preferir a pizza de São Paulo à de Brasília.

A breve estadia no TST, porém, deixou marcas. E ali o recém-nomeado ministro fez amigos. Orlando Teixeira da Costa e Carlos Coqueijo Torreão da Costa tornaram-se próximos de Antônio Lamarca, e Dirce, das suas respectivas esposas. Ela, inclusive, brincava com o marido: dizia que o destino quis que ele se tornasse ministro apenas para que ela pudesse conhecer as novas amigas.

E coube ao ministro Orlando Teixeira da Costa, homenagear seu querido amigo na cerimônia que marcava a aposentadoria de Lamarca.

“Por isso, esta é uma hora de despedida, sim, mas não de adeus. Encerra-se o fraternal coleguismo da magistratura, para dar lugar a outro de não menor significação, pois da bancada, Lamarca passará à Tribuna, para continuar a sua trajetória lúcida, vibrante, inquieta, brilhante e sempre plena de elevado espírito público”.

Orlando teixeira da costa, ministro do tst entre 1982 e 1997.

Com a sua aposentadoria, Antônio Lamarca retornou à advocacia, dedicando-se também aos livros e ao ensino. Jamais abandonou sua forte moral e ética norteadora. Vera comenta que em várias ocasiões seu pai se negou a pegar casos pelo fato de que a parte que o procurava “não tinha nenhum direito”. “Se eu o defendesse, seria imoral”, explicava para a família.

Aposentado, continuou a espalhar seu conhecimento e toda sua experiência com palestras e lecionando, alcançando ainda mais operadores do direito. Seu nome, já inscrito no panteão de grandes juristas, engrandecia ainda mais.

Antônio Lamarca faleceu em 25 de fevereiro de 1995, com apenas 69 anos, em São Paulo. Seu passamento foi noticiado por diversos órgãos, que lhe renderam justas homenagens, demonstrando o grande prestígio que possuía. O TST, órgão em que atuou durante menos de um ano, dedicou, em sua revista, na edição de 1995, três textos de ministros que com ele trabalharam, enaltecendo suas virtudes. A Amatra-2, em sua publicação bimestral, também prestou homenagens a Lamarca, que passou a nomear também a biblioteca da associação.

Capa do jornal Magistratura e Trabalho, Ano II nº 16 de 1995. Fonte: Amatra-2.

Aluysio Mendonça Sampaio escreveu, na publicação da Amatra, um belo texto em homenagem ao amigo, que destaca a simplicidade e a devoção de Lamarca à família e amigos.

Certa feita, acompanhamos Lamarca em viagem a Brasília. À noite, nos preparamos para jantar, saindo em busca de um dos melhores restaurantes da cidade. Mas, em meio caminho, divisamos uma pizzaria. Não houve jeito de desviá-lo da pizza. Assim jurista de escol, magistardo de talento, mas homem de vivenciar com simplicidade, Antônio Lamarca foi levando a vida dedicada à família e amigos. Nos dias de frio, pescoço protegido por cachecol, cachimbo pendurado na boca, ele caminhava. Ou melhor, ele andava pelos caminhos da vida, até subir na nave – e la nave va!

Aluysio Mendonça Sampaio, “Antônio Lamarca, juiz e jurista”, publicado no jornal “Magistratura e Trabalho”, Ano II, nº 16, de 1995.

Antônio Lamarca atuou como presidente do TRT-2 em um momento de profundo pesar, e em que o país passava por um período conturbado, no qual várias greves foram deflagradas e julgadas no Regional. Deixou na Justiça do Trabalho o legado de um magistrado eloquente em seus textos e discursos, que mesclavam seu conhecimento acadêmico com a prática da magistratura. Em sua vida expressou seus desejos de um mundo mais justo, pelas ferramentas que a carreira que escolheu com tanta paixão, colocou em suas mãos.

Sê JUSTO: embora não sejas um deus, despoja-te, momentaneamente, de tua humana condião, e pondera e avalia, com imparcialidade, os dados do
processo. E julga, dentro dos autos, e na Lei. Mas com o cérebro, nunca com o coração. Pois é certo que, quando a JUSTIÇA falha, os homens perdem a confiança
e a fé no FUTURO!

– Os 10 mandamentos do magistrado, Antônio Lamarca.

Antônio Lamarca preconizou em seu texto “Os dez mandamentos do magistrado” diretrizes para a atuação de seus pares. Mas mais do que pregar aquelas virtudes descritas nos mandamentos, ele as personificou, pois acreditava que a justiça, mais do que resolver disputas, servia também para alimentar a fé em um futuro melhor. Nas palavras de seu saudoso amigo, Orlando Teixeira da Costa: Antônio Lamarca, o “impoluto magistrado trabalhista de carreira, jurista de escol e impressionante figura humana“, é um dos nomes que engradeceram a Justiça do Trabalho Paulista.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.

Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.


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Publicado por Belmiro Fleming

Cientista social, faz parte do TRT-2 desde 2016, tendo integrado anteriormente o TRT-15 por quase três anos. De ascendência nipo-irlandesa, sempre se interessou por história, seja de seus antepassados, seja dos lugares em que viveu. Acredita que a modernidade de São Paulo traz uma carga histórica, algumas vezes esquecida.

8 comentários em “PRESIDENTES DO TRT-2: ANTÔNIO LAMARCA

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