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UMA VIDA EM MEIO A GRANDES DECISÕES

No ano de 2019, o Centro de Memória do TRT-2 iniciou uma atividade desafiadora para nosso pequeno setor. “Memórias Narradas” é um projeto de história oral que tem como objetivo conversar com servidores e magistrados aposentados, que compartilham conosco suas trajetórias dentro de nossa instituição. Por meio de seus depoimentos, conhecemos um pouco mais sobre a história do TRT-2, a forma como as decisões foram tomadas ao longo do tempo e a maneira como cada um daqueles que participou de nossa jornada de 80 anos vivenciou e se recorda de momentos-chave de nossa trajetória institucional.

A “primeira temporada” teve como personagens alguns de nossos mais antigos servidores. Pessoas que foram indicadas mais de uma vez por terem papel importante em pontos decisivos de nossa história. Pessoas que se dedicaram ao nosso Regional e ajudaram a construir o TRT-2 que temos hoje. Conversamos ainda com famílias. Irmãos que entraram no Regional em momentos diferentes, que construíram carreiras variadas e que têm histórias diversas para nos contar. Ainda que complementares.

A penúltima personagem da primeira edição do projeto “Memórias Narradas” é também parte de um núcleo familiar. Renée Alice Garcia Leite nasceu no dia 25 de setembro de 1932, na cidade de São Paulo. É filha de Décio de Toledo Leite e de Maria Helena Garcia Leite.

Assista ao teaser do episódio com Renée Alice Garcia Leite.

Décio fez parte da primeira geração de magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região. Entrou em 1941, nomeado pelo presidente Getúlio Vargas para assumir a 5ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo do então Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região. Anos depois, foi promovido, por antiguidade, ao cargo de juiz de tribunal. Em 1959, foi eleito presidente do TRT-2, cargo no qual permaneceu até o ano de 1963. Sua aposentadoria aconteceu quatro anos depois, em 1967.

Renée tem também três irmãos: o primogênito, Decio Luiz (nascido em 1929, e personagem do projeto “Memórias Narradas”), Maria do Carmo (nascida em 1930) e o mais novo, Luiz Antonio (nascido em 1939, e que também conversou com a equipe do Centro de Memória do TRT-2). Com exceção de Maria do Carmo, todos os irmãos foram funcionários do TRT-2. O primeiro a ser nomeado foi Decio Luiz, em 1948 (permanecendo no órgão até 1982). Em 1956 foi a vez de Renée. Luiz Antonio, o Totó (como ficou conhecido), foi nomeado no ano seguinte, em 1957 (e permaneceu no Regional até 1990).

Importante lembrar que nos primeiros anos de funcionamento do TRT-2, os funcionários do Regional eram nomeados, em sua maior parte, por indicação. Concursos eram realizados apenas em âmbito interno, o que garantia a efetivação de quem já trabalhava no órgão. Foi exatamente isso o que aconteceu com os três irmãos. A partir de suas nomeações, todos trabalharam de forma independente para construir suas carreiras dentro do Regional. Decio Luiz e Luiz Antonio na primeira instância. E Renée, na segunda. É com esse contexto que começa nosso novo episódio do projeto “Memórias Narradas”.

A transcrição da íntegra da entrevista com Renée Alice Garcia Leite, para o projeto “Memórias Narradas”, você pode ler aqui.

A terceira irmã dos Toledo Leite

 Quando Renée Alice nasceu, São Paulo estava em polvorosa. A cidade já vivia o caos de uma revolução que se aproximava. O pai de Renée, Décio, que havia prestado serviço militar, já tinha se apresentado para participar dos combates. Renée conta, inclusive, que na primeira visita de Décio à filha, o pai estava fardado, “sem um tostão no bolso”. Apesar de já trabalhar, Décio era ainda um estudante na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Renéé em registro quando criança. Fonte: fundo Renée Alice Garcia Leite / acervo TRT-2.

Naquela época, os Toledo Leite viviam em um casarão na avenida Paulista, junto com os avós maternos, o lado Garcia da família, de quem Renée herdou um dos sobrenomes. Renée é, até hoje, grande admiradora de seu avô. De origem portuguesa, o avô Garcia tinha tentado diversos negócios ao longo do tempo. Aos 60 anos, idade considerada bastante avançada para os padrões da primeira metade do século XX, viu-se na posição de ter que recomeçar a vida. Quando faleceu, tinha uma loja de vitrais e vidros na Liberdade. O negócio estava prosperando. Acabou por conseguir deixar “um dinheirinho” para a avó e para a família, como lembra Renée.

Renée estudou no Colégio Sacré-Coeur de Marie. Localizado na av. 9 de Julho, no Jardim Paulista, a instituição foi fundada em 1938 e formou diversos jovens da alta sociedade paulistana. A escola fechou as portas no ano de 1995 e desde 2012 seu prédio está em processo de tombamento.

Uma vez formada, Renée fez um curso de datilografia na Remington, famosa marca de máquinas datilográficas e também renomada escola de datilografia. Naquela época, a datilografia era opção de estudo para quem se formava. E eram as mulheres o público que mais procurava esse tipo de escola – de olho nas futuras vagas do mercado de trabalho.

Anúncios da Escola Remington de datilografia.

Renée, no entanto, não trabalhava – algo normal para as moças de boa família, em sua juventude. Saía muito com os amigos, ia a festas, chegava tarde em casa. A situação, no entanto, não agradava a todos. Um dia, quando mais uma vez chegou tarde em casa para jantar, deparou-se com Mário Pimenta de Moura, diretor do TRT-2 e amigo de seu pai. Inconformado, Mário Pimenta informou à jovem que seu tempo de saídas e apenas diversão estava no fim. E que, a partir daquele momento, Renée passaria a trabalhar com ele: “Vai cortar essas unhas. Você vai ser datilógrafa”, teria dito Mário Pimenta. E, assim, por indicação do diretor do Tribunal, Renée começava sua trajetória no TRT-2. E colocava em uso seu merecido diploma.

O primeiro dia de Renée no TRT-2 foi em 1º de março de 1956. Naquela época, a jornada de trabalho no Regional era de segunda a sábado. Talvez Renée não soubesse disso quando foi “convidada” a trabalhar. De qualquer forma, foi um dia inesquecível para Renée: “Eu lembro que foi numa quinta-feira. Quando foi no fim do dia, eu falei para um colega meu, que eu já conhecia de vista da Barão de Itapetininga, o Waldir Carvalho: ‘Waldir, ainda bem que hoje é quinta-feira”, lembra entre risos. Em sua cabeça, faltava apenas um dia para o fim de semana. Mas ela não contava com o dia de trabalho no sábado. Não foi tão difícil entrar no ritmo, porém. Até porque a época do trabalho aos sábados acabaria em questão de poucos anos. “Eu me acostumei logo. No começo, nós trabalhávamos aos sábados. Depois tiraram”. Renée se recorda que seu horário sempre foi o mesmo: das 11 às 19h.

Detalhe da pasta funcional de Renée. Fonte: acervo TRT-2.

Renée entrou no tribunal no cargo de auxiliar judiciário. Era datilógrafa, em uma época em que os juízes entregavam suas decisões em papéis redigidos a mãos, “com péssimas letras”, que eram deixados para as funcionárias: “Eu datilografava os acórdãos que vinham manuscritos. Eu era uma das que datilografava, depois levava para os juízes assinarem para serem publicados”. Ao pé da página, Renée deixava suas iniciais – algo que era comum entre as datilógrafas, como forma de identificar a autora. Hoje em dia, todos os acórdãos encontram-se encadernados e compilados. Pertencem ao acervo histórico do TRT-2. Lá é possível localizar o trabalho feito por Renée naquele fim da década de 1950.

À esquerda, livros de acórdãos pertencentes ao acervo histórico do TRT-2. À direita, acórdão datilografado por Renée. Fonte: acervo TRT-2.

Quase um ano depois de entrar no TRT-2 por indicação, Renée prestou concurso interno e foi efetivada em seu cargo. A nomeação foi assinada pelo presidente da época, Hélio Tupinambá Fonseca, no dia 29 de março de 1957. Continuava no Setor de Acórdãos. Seguia datilografando.

Autorização (do marido) para trabalhar

Renée adorava trabalhar. Tinha feito muitos amigos. Conhecido muita gente. Entrado em contato com tantas coisas diferentes – muitas vezes incomuns em seu círculo social. Divertia-se, era inegável. Em um tempo em que o TRT-2 era reconhecido por ser uma grande família, como abandonar esse trabalho? Ainda que o salário não fosse grande coisa…   

Em 1958, porém, a vida de Renée se transformou completamente. A começar por seu estado civil. Casada, Renée precisaria de autorização do marido para trabalhar. Muito antes do casamento, porém, já sabia qual seria seu destino. “Mulher minha não trabalha”, teria ouvido do então namorado. E para evitar qualquer problema (inclusive com a lei, que exigia autorização do marido para que a esposa trabalhasse), pediu exoneração de seu cargo antes mesmo do casamento, logo em janeiro de 1958.

Meses depois, ao perceber que seu estado conjugal não daria certo, não apenas se desquitou, mas também pediu para retornar ao TRT-2. Por sorte, o presidente era ainda Hélio Tupinambá Fonseca, que a fez esperar um pouquinho até que um cargo, na mesma posição, vagasse – o que aconteceu em agosto de 1958. Renée voltou para o mesmo setor, Acórdãos, e para a mesma função, datilógrafa. Nunca mais permitiu que um homem lhe dissesse o que fazer. A partir de 1962, inclusive, isso não mais seria necessário, graças à publicação do Estatuto da Mulher Casada. Nesse mesmo ano, foi nomeada chefe do setor.

Algo comum naquela época

Apesar de parecer absurda nos tempos de hoje, a situação ocorrida com Renée era comum no TRT-2 (assim como em tantos outros lugares, em especial nos grandes centros urbanos do país, onde a mulher já tinha uma entrada maior no mercado de trabalho).

E Renée sentia que cada uma das mulheres que se defrontava com essa situação, precisava de um alerta que fosse. A servidora aposentada lembra que quando uma funcionária informava que iria se casar, ela “já entrava em ação”: chamava em sua sala e tentava dissuadi-la. “Não saia do emprego. Case, mas não saia do emprego”, suplicava. Renée lembra que isso aconteceu muitas vezes. De uma delas, recorda-se com tristeza: “Teve uma que se casou, e saiu. Eu falei isso, recomendei. Pois ela foi infeliz, separou e acabou morrendo. Ela ficou doente e morreu. Era bem mocinha”. Ser mulher na década de 1960 não era missão fácil.

E se a situação era essa para as funcionárias, na magistratura não era muito diferente. Renée se recorda que durante muitos anos não havia qualquer magistrada no TRT-2, com exceção de Neusenice de Azevedo Barretto Küstner, primeira magistrada concursada da Justiça do Trabalho e do TRT-2, nomeada em 1957. E que foi juíza do irmão de Renée, Luiz Antonio. Na segunda instância, não havia. Em seus tempos de datilógrafa, Renée nunca datilografou uma decisão de uma mulher. Por sinal, a primeira juíza do tribunal (o atual cargo de desembargadora) foi nomeada apenas em 1984, dois anos antes da aposentadoria de Renée. A pioneira, novamente, foi Neusenice.

Neusenice de Azevedo Barretto Küstner, primeira magistrada do Brasil, primeira mulher juíza do TRT-2
Reprodução da foto 3×4 entregue pela magistrada Neusenice de Azevedo Barretto Küstner no ato de sua posse. Fonte: acervo TRT-2.

Trabalhar no prédio da rua Rego Freitas

Renée trabalhou em diversos prédios do TRT-2. O primeiro deles foi na rua Rego Freitas, o último dos edifícios que reuniu todo o Regional em apenas um lugar. Renée lembra, com um sorriso no rosto, do bar que ficava no subsolo e fazia bacalhau, onde todos frequentavam. Era “um barzinho pequeno” e muito animado, onde todos se reuniam para almoçar e comer um lanchinho. O café, no entanto, era no próprio tribunal.

Dois importantes personagens da história de Renée Alice Garcia Leite no TRT-2: à esquerda, sentado, Hélio Tupinambá Fonseca. À direita, em pé: Mário Pimenta de Moura. Fonte: acervo Mário Pimenta de Moura / acervo TRT-2.

Ela conta que em sua época não existia “mordomia” no TRT-2. O café era feito por uma única funcionária da Copa. As “meninas” do setor de Acórdãos eram responsáveis por servir. “Cada dia era uma”. As datilógrafas serviam o café ao diretor do Tribunal, Mário Pimenta de Moura, e aos advogados. Não muito acostumada com a arte de servir, Renée recorda-se de um daqueles momentos inesquecíveis de sua trajetória no TRT-2. Era seu dia de servir o café. E Renée resolveu fazer, em suas próprias palavras, “uma gracinha”. Não deu muito certo. Derramou todo o café nela mesma. Na frente de todos. Hoje, dá risada da história.

O TRT-2 e o Regime Militar

A partir da década de 1960, o TRT-2 começou a crescer vertiginosamente. Não havia mais espaço no prédio da rua Rego Freitas para todas as juntas de conciliação e julgamento que eram criadas. E não mais foi possível reunir todos os setores em apenas um edifício. Da Rego Freitas, a segunda instância e a área administrativa foram transferidas para a rua Brigadeiro Tobias. Depois, em 1970, para a avenida Rio Branco, no primeiro prédio próprio do Tribunal.

No prédio da Rio Branco, o TRT-2 vivenciou a fase mais dura do Regime Militar, que já tinha começado anos antes, quando o Tribunal estava ainda todo ele instalado na rua Rego Freitas. Por estar localizado no centro da cidade de São Paulo, onde ocorreram tantos (duros) enfrentamentos, os funcionários e os magistrados do TRT-2 foram testemunhas de diversas ações da polícia política. Renée conta que eles, funcionários do Tribunal, “acompanharam de perto” as ações do Regime Militar. E revela que não apenas Carlos de Figueiredo Sá, um dos magistrados aposentados pelo AI-5 (e muito querido por Renée), ou a servidora Benedicta Savi, que acabou por se exilar, ao lado do companheiro, Carlos Sá, foram perseguidos. Houve ainda prisões. Um deles, colega seu. “Eles (os policiais) esperaram esse colega sair do prédio para prendê-lo”. O motivo, segundo Renée, era uma grande besteira: “Ele entregava panfletos”.

O juiz Carlos de Figueiredo Sá e a servidora Benedicta Savi: perseguidos no Brasil e exilados por quase dez anos. Fonte: fundo Benedicta Savi / acervo TRT-2.

É impossível conversar com servidores que atuaram no TRT-2 nas décadas de 1960 e 1970 sem ouvir uma história marcante do Regime Militar. E foi isso o que aconteceu com os irmãos Toledo Leite. Cada um compartilhou uma história dessa época. Decio Luiz contou sobre o aparelho metralhado, ao lado do prédio da Rego Freitas. Luiz Antonio contou sobre um funcionário que ligava para o tio, deputado federal em Brasília, para atualizar sobre os acontecimentos dentro do TRT-2. Renée, além de contar sobre o colega que foi preso, mencionou outro fato inédito: a suspensão dos pagamentos dos funcionários. “Nós paramos de receber ordenado. Foi fogo, foi duro”, conta. Apesar de não ter sido uma época muito fácil para tantos funcionários que tinham em seu trabalho o sustento de toda a família, Renée conseguiu sobreviver: “Eu morava com meu pai, né?”. E foi o pai que a ajudou durante essa dura fase: “Meu pai sempre dizia: ‘Minha filha está sem dinheiro, né?’”, lembra Renée entre risos. Seu querido pai iria ajudá-la novamente.

A última etapa da carreira: a mudança para a Consolação

No ano de 1980, o Brasil já vivia o processo de redemocratização, e as mulheres quase chegavam a dividir o mercado de trabalho paritariamente com os homens (em 1992, início da série histórica, a PNAD/IBGE aponta que as mulheres já eram 56,1% do mercado de trabalho), o TRT-2 também passava por transformações. A principal delas, a mudança da sede do Regional para o edifício da rua da Consolação, onde até hoje se encontra.

Apesar de ter contato com a ajuda de centenas de funcionários para a realização da mudança “na calada da noite”, Renée revela que não participou do feito: “Eu não vi nada da mudança, eu sei que foi durante a noite”. A nova sede contou com aprovação imediata da servidora aposentada. “Ah, foi maravilhoso. O hotel era lindo, eu tinha uma sala espetacular”, conta Renée fazendo referência ao fato de que o prédio que passou a abrigar o TRT-2 seria, originalmente, um hotel.

Renée faz questão de dizer que a mudança foi toda muito bem planejada e credita todo o sucesso à “caprichosa” servidora Isabel de Castro Mello, então diretora da Administração.

Seu setor ficava no nono andar. “Eu ficava em uma sala toda envidraçada”. De um lado, ficava a sala do setor de datilografia. Do outro, de Publicação de Acórdãos. “Parecia um aquário”, comenta Renée. Naquele início de década de 1980, o prédio era grandioso. E tudo parecia uma grande novidade: “Aquelas portas de ferro contra incêndio. Naquela época era uma maravilha. Hoje em dia não é nada”, comenta Renée.

Naquele ano de 1980, o TRT-2 contava com apenas 17 juízes de Tribunal (o atual cargo de desembargador – apesar de já haver lei ampliando a quantidade para 27). Hoje, são 94. Além disso, eram apenas três Turmas (ante as atuais 18 Turmas, oito Seções Especializadas e uma Seção de Dissídios Coletivos).  

Havia, de fato, muito espaço – algo que mudaria ao longo do tempo, devido à necessidade de compatibilização dos andares com o aumento da quantidade de pessoas e setores do Regional. “Agora está tudo retalhado. As salas todas retalhadas. Aquelas salas enormes que tinha”, lamenta Renée.

Renée tinha uma sala bem grande. Mas também tinha muitos funcionários. E todos extremamente competentes, como faz questão de mencionar. Dentre as datilógrafas, cita a hoje desembargadora Dóris Prina, que antes de ser aprovada no Concurso da Magistratura, em 1989, foi servidora do TRT-2 (entre 1980 e 1988). Renée menciona ainda dois funcionários igualmente competentes: Sérgio Mazzilli e Newton Uzeda Moreira, ambos atuaram na magistratura trabalhista após uma carreira como funcionários do Regional.

Registro da equipe de Acórdãos, em janeiro de 1982. Fonte: fundo Renée Alice Garcia Leite / TRT-2.

Renée Alice Garcia Leite trabalhou durante 30 anos no mesmo setor. Começou como datilógrafa, e foi crescendo profissionalmente, mostrando seu trabalho, comprovando seu valor, até tornar-se diretora de dois setores e chefe de muitos funcionários. Em 1986, pediu sua aposentadoria. Tinha 54 anos. Não se casou novamente. Nem teve filhos – espaço que ficou reservado para os seus muitos sobrinhos, sobrinhos-netos e bisnetos. A servidora usou seu tempo (agora livre) para cuidar ainda mais da família. E, quando possível, viajar. Manteve contato com duas queridas colegas de Tribunal: Elza Maria e Regina Sarno, amigas até hoje.

Renée não sente falta de sua época de ativa, mas lamenta o fato de não precisar ir para algum lugar todos os dias e de não ter os colegas no dia a dia. A servidora conta que gostava do que fazia: gostava do ambiente, gostava das pessoas com quem convivia, gostava de ser útil e executar bem suas atividades. Resultado disso são os elogios que constam em sua pasta funcional.

O trabalho foi ainda fundamental para ela conhecer universos diferentes, ter contato com maneiras diversas de pensamento, com a própria evolução das gerações. Trabalhar, para Renée, foi muito bom. “Eu amadureci muito trabalhando, eu aprendi a resolver meus problemas, amadureci muito. Trabalhando, eu acho, a cabeça fica outra. Eu aceito mais as coisas. Coisa que quem não trabalha não aceita. Minha cabeça, graças a Deus, foi muita aberta sempre”, comenta.

Pioneira e e vanguardista a seu tempo

Ao longo de sua vida, Renée enfrentou barreiras das mais diversas. A maior delas decorrente de seu gênero. Foi uma daquelas pioneiras, que talvez nem tenham plena consciência da importância de seu feito. Mas que foram fundamentais para que, hoje em dia, as mulheres possam ter não apenas a merecida independência de fazer aquilo que desejam, mas também de estarmos mais perto de um mundo em que todos, independentemente do gênero, tenham os mesmos direitos.

A servidora aposentada orgulha-se de sua trajetória e de todas as decisões com as quais se deparou no meio do caminho. Sejam aquelas redigidas por juízes de tribunal, em péssimas caligrafias (e depois por ela datilografadas). Sejam aquelas tomadas por ela própria e que mudaram o rumo de toda uma vida.

Renée, em registro do ano de 2016. Fonte: fundo Renée Alice Garcia Leite / acervo TRT-2.

A vida de Renée hoje em dia, por sinal, é bem tranquila. Fruto de seu trabalho e de seu esforço ao longo dos anos. Mas, sobretudo, resultado de suas (grandes) decisões. A servidora, no entanto, não se esquece daqueles que a ajudaram no meio do caminho. Guarda todos em sua memória com um carinho especial. Prestes a completar 90 anos, admite que não precisa de mais nada para ser feliz, somente agradecer. “Agradeço a Deus e a meu pai a vida que eu levo. Simples, mas sossegada”, finaliza.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.

Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.


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Publicado por Christiane Teixeira Zboril

Radialista, jornalista e historiadora, é especialista em Comunicação Pública. Possui experiência com produção de rádio e TV, assessoria de imprensa, eventos e gestão de mídias sociais. Adora fazer planos, conhecer novos lugares e pessoas, além de ouvir uma boa história. Desde 2012, é servidora do TRT-2.

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