O Memórias Narradas, esse nosso projeto de história oral, que imaginamos lá em 2019, sem nenhuma experiência, mas com muita vontade, chega ao seu último episódio. E é muito bom ver aquilo que imaginamos sendo concretizado, realizado.
Quando paro para olhar o processo todo, nos imagino como a criança que quer trazer para o papel o mundo que existe em sua imaginação: rabisca a folha, quase que instintivamente, com muito sentimento e pouca técnica. E, certamente, muitas vezes o primeiro desenho não sai da forma que imaginamos, mas nem por isso ele deixa de ser menos belo e precioso, conforme os seus desenhos evoluem. A técnica pode aprimorar, melhorar, mas o sentimento dedicado é o mesmo: forte, puro e potente, desde o primeiro traço.
Bem, após essa breve digressão, devemos retomar ao roteiro, pois o personagem de nosso episódio final viveu aventuras em série em nosso regional, aventuras que não estão no gibi (ou melhor, algumas até estão). Desenho, futebol, sinuca e… contabilidade. Uma combinação deveras inusitada, não é mesmo? Parece difícil conciliar esses termos… Mas não para o nosso protagonista, que o fez de forma leve e muito bem-humorada.
Vamos conhecer a história de Edison Vieira Pinto, o Dedé, um simpático e pacato servidor público, que trabalhava pela manhã com planilhas, cálculos e levantamento de custos, mas que, à noite, assumia o papel de justiceiro mascarado que… espera, me empolguei! À noite, assumia o papel de grande jogador de sinuca, contador de “mentiras sinceras” e criava, dava vida, para inúmeros heróis, cultivados em sua imaginação durante anos – esses heróis sim, combatiam os malfeitores usando máscara e tal…

E aqui, damos início ao último episódio da primeira temporada do projeto Memórias Narradas, essa série que nos trouxe tantas alegrias quanto desafios. Uma série que valeu a pena ser gravada, escrita e contada, assim como os melhores gibis. E é mais do que digno encerrarmos com Dedé, cujo roteiro da trajetória de sua vida ele escreveu e ilustrou com pinceladas de amizade, devoção ao trabalho e muito, mas muito bom humor. Acompanhe-me, caro leitor!

Como conhecemos Dedé? Descobrindo o homem por trás da identidade (não tão) secreta
Não é segredo que muito de nosso trabalho se inicia em conversas com servidores aposentados, leitura de documentos e processos. Havíamos escutado algumas vezes o apelido “Dedé”, que pertencia a um servidor que ocupou a direção-geral do Tribunal em idos da década de 1980.
A maioria das pessoas se lembrava dele dos cursos que lecionava dentro do Regional, para fins de promoção e ascensão de carreira, algo que já pertence a um passado relativamente distante dos servidores atuais.
Dedé ensinava temas relacionados a orçamento e finanças, disciplina constante naqueles certames. Geralmente, quando indagávamos se eles sabiam o nome de Dedé, muitos diziam: “Ah, não lembro o nome dele exatamente, só lembro o apelido”.
Não foi muito difícil descobrir a identidade “secreta” de Dedé, no entanto: foi tarefa mais fácil do que a Lois Lane perceber que Clark Kent era, na verdade, o Superman. Folheando os relatórios anuais de atividades, como que procurando algum detalhe daquela história de quadrinhos que deixamos passar batido, listamos os nomes que ocuparam o cargo de diretor-geral na década de 1980. Foi aí que encontramos “Edison Vieira Pinto”, o famoso Dedé (é assim que se faz, Lois Lane!). Bem, não era como se Dedé quisesse esconder sua identidade, mas vocês entenderam a referência.
Essa péssima piada sobre quadrinhos não é gratuita: Dedé é um amante da arte e exímio desenhista. Mas em seu trabalho no TRT-2, os heróis, damas misteriosas e diálogos intrigantes cediam espaço para números, tabelas e cotações de preços, em um enredo que assustaria (e assusta) muitos dos mais intrépidos “mocinhos” dos gibis e da vida real: Dedé desenhou sua carreira em setores relacionados a orçamento e finanças, um tema complexo e, até os dias atuais, uma área crítica do serviço público.

Entramos em contato com ele em junho de 2019, em um passado antes da pandemia, de que nos lembramos ainda com um pouco de estranheza. Dedé recebeu com certa modéstia nossa proposta de ser o protagonista de um episódio do Memórias Narradas: “Bem, se eu puder ajudar”. Seguimos as etapas já estabelecidas: pegar a pasta funcional do servidor, lê-la atentamente e fazer um roteiro de perguntas. Mas, como toda boa história em quadrinhos (e claro, qualquer história de vida), o desenrolar foi cheio de surpresas e descobertas, que nem mesmo o leitor mais habituado de quadrinhos de mistério estaria pronto para encontrar.

Na verdade, em parte, já sabíamos o que esperar. Mas vocês entendem, não é? Preciso manter o ritmo de suspense! Dedé havia se apresentado ao telefone como um senhor extremamente simpático e ativo, e foi a personificação dessa imagem que encontramos ao bater em seu apartamento, onde vive com a esposa, a sua “flor do asfalto”, dona Loreta. Dedé nos recebeu em duas tardes diferentes, em 31 de julho e em 14 de agosto de 2019. Tantas histórias para serem contadas renderam quase seis horas de gravação.
Apresentamo-nos, e ele, sempre com um sorriso largo no rosto, ouvia atentamente qual era a nossa proposta. A resposta dele, aquele modesto “se eu puder ajudar”, certamente não refletia a quantidade de conhecimento do Tribunal e de seus personagens que Dedé guarda em sua memória, afiada como a ponta de um lápis, pronto para desenhar as melhores histórias.
Em suas aventuras orçamentárias, Dedé participou de grandes marcos do TRT-2: a mudança da sede para a Consolação, a divisão da jurisdição do Regional (mais de uma por sinal), a informatização (que lega a ele a responsabilidade de explicar o nome do primeiro sistema do TRT-2). Bem, estou aqui dando spoilers. Melhor contar essa história desde o começo, folheando cada página e lendo cada balão de texto. Sem mais delongas, apresentamos o último capítulo dessa nossa primeira edição do Memórias Narradas: convidamos vocês a ler (e assistir) as linhas que desenharam a trajetória de vida de Edison Vieira Pinto, o Dedé.
O roteiro de uma vida de muito trabalho
Edison Vieira Pinto nasceu em Piedade, em 30 de novembro de 1931, pequena cidade pertencente à região metropolitana de Sorocaba. A cidade, pelo senso realizado em 2019, conta com cerca de 55 mil habitantes e já foi conhecida como “capital nacional da cebola”. Hoje sua produção agrícola é mais diversificada, concentrando-se no plantio de alcachofra, morango e caqui.
Piedade também abriga uma grande quantidade de imigrantes e descendentes de japoneses, possuindo em seu roteiro turístico a “Festa da Cerejeira”, evento em que se comemora a florada da árvore frutífera, um dos símbolos da terra do sol nascente. Por sinal, Dedé adora as cerejeiras, como comentou conosco sua filha mais nova, Denise, que muito nos ajudou enviando imagens e intermediando algumas conversas com Dedé.

Edison é filho de Francisco Vieira Pinto e Josefina Aires Pinto, e mesmo residindo na “cidade” teve em sua tenra infância contato com a ruralidade e a calma que uma pequena cidade do interior paulista podia oferecer em idos da década de 1930.
Mas Piedade logo se tornou pequena demais para o roteiro de Dedé. Com pouco mais de dez anos, mudou-se para a cidade de Sorocaba, onde residia uma de suas irmãs mais velhas. Sorocaba é bem próxima a Piedade, e, pela sua importância econômica e cultural, assume a posição de polo regional: era a chamada “Manchester brasileira”. Dedé havia aprendido as primeiras letras na pequena Piedade, mas como a capital nacional da cebola nos anos 1940 não possuía escolas que ofereciam o ensino secundário, ou melhor, o ginasial, rumou para Sorocaba. Lá faria o ginásio e, em sequência, o “científico”, onde fez o conhecido “magistério”, que o habilitava para lecionar no “primeiro grau”.



Apesar da possibilidade de poder escrever para si uma boa história de vida em Sorocaba, apontou seu lápis para a capital paulista e resolveu escrever seu destino lá. Sua intenção era continuar seus estudos, ingressar no curso de engenharia civil, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Àquela altura, o desenho já fazia parte de sua vida, seja como paixão ou como aspiração profissional. A carreira na engenharia talvez possibilitasse desenvolver ainda mais esse talento, mesmo que de uma forma mais técnica e menos lúdica. Na terra da garoa, iniciou sua vida laboral na loja de departamentos Isnard & Cia, e, infelizmente, não conseguiu sua aprovação para o curso de engenharia na Poli.
Dedé então se valeu do diploma do magistério, que o habilitava a lecionar: folheando um jornal, descobriu um processo seletivo para dar aulas no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Aprovado no certame, passou a integrar o corpo docente da instituição, fato que causa muito orgulho ao nosso entrevistado.
“Fiz o exame de seleção para o Senai e posso dizer que fui professor na escola Senai, que hoje é muito renomada, não é, tem grande, boa fama, o grupo S, né, e fui um dos primeiros professores lá, do Senai. E cada vez que eu vejo uma notícia, eu fico muito orgulhoso de ter sido um dos primeiros, né.”
Edison Vieira Pinto, em Entrevista ao Centro de Memória do TRT-2
Curiosamente, Dedé diz que não “levava jeito” para o magistério. É curioso porque o primeiro contato que tivemos com o nome dele foi justamente por servidores que lembraram dele como professor, nos cursos para os concursos internos de ascensão e progressão na carreira TRT-2, inclusive elogiando sua atuação como mestre.


De qualquer forma, acreditando que não “era a sua praia”, Dedé continuou prestando concursos públicos, conseguindo a aprovação e nomeação para um cargo administrativo na Secretaria de Saúde do estado de São Paulo, em 2 de fevereiro de 1954.
Dedé permaneceu algum tempo como servidor da saúde pública estadual, mas o ordenado era “curto”, como ele mesmo diz. Findando a década de 1950, o jovem Edison planejava seu enlace matrimonial com Loreta Allegretti, além de estar em vias de comprar o primeiro apartamento do casal, onde planejavam criar sua família. Dedé se lembra até hoje do quanto sobrava de seu salário no final do mês, descontando a parcela do apartamento: dos 3400 cruzeiros que recebia, sobrava apenas cerca de 200 cruzeiros para passar o mês.
Foi nesse ponto que Dedé começou a escrever as primeiras páginas de sua vida laboral na Justiça. Mas não na do Trabalho, que como nosso protagonista nos confidenciou, “nem sabia que existia” àquela época. Dedé apenas conheceria a Justiça do Trabalho ao prestar o concurso para o ingressar nos quadros de servidores de nosso Regional.
Por obra do destino (e claro, resultado da eficiência de Dedé) acabou por ser aprovado e nomeado em 22 de dezembro de 1960 no Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, pouco após a compra do apartamento.

O novo salário permitiria, certamente, melhores condições de vida para si e sua família. Assim, seu primeiro contato com os termos jurídicos e as máquinas de datilografar tilintantes das salas de audiência foi no Tribunal de Justiça de São Paulo, mais exatamente no 8º Ofício Criminal.
Quanto ao casamento com a jovem Loreta Allegretti (a quem Dedé chama carinhosamente de “flor do asfalto”, dada a afinidade da esposa com a capital paulista), ocorreu em fevereiro de 1962, um pouquinho antes de Dedé ingressar na Justiça do Trabalho. Alguns anos depois, o casal teve duas filhas, Débora e Denise, que vieram a ampliar a dupla dinâmica para um quarteto fantástico.




Edison permaneceu no Judiciário Estadual por cerca de três anos, até que uma nova aventura se desenhasse em seu horizonte. No TJ-SP fez amigos que, inclusive, o acompanharam em sua nova jornada, pela Justiça (do Trabalho). Por sinal, essa história do concurso do TRT-2, como Dedé mesmo diz, é “pitoresca”.
Uma historieta sobre a muleta: os primeiros passos para o ingresso na Justiça do Trabalho
“Um dia, um fim de tarde lá, apareceu alguém todo esbaforido, no cartório do 8º Ofício Criminal, dizendo que tinha um concurso na Justiça do Trabalho. Eu nem sabia que existia isso. E que era o último dia de inscrição para o concurso.”
Edison Vieira Pinto, em entrevista ao Centro de Memória do TRT-2
Em 1963, o TRT-2 publicava um edital para seleção de servidores. Dedé se lembra, corretamente, que esse fora o primeiro concurso aberto ao público. Antes, os certames, que eram internos, visavam efetivar aqueles que já estavam na Justiça do Trabalho paulista, nomeados diretamente pelo Presidente do Tribunal, selecionados pessoalmente ou por indicação. Eram outros tempos.
O procedimento era um passo importante na profissionalização da carreira, transparência do serviço público e isonomia. Como narra nosso protagonista, uma pessoa adentrou a vara no Tribunal de Justiça onde trabalhava, comentando do concurso, e que aquele era o último dia para inscrição. Entre conversas, ele e seu amigo de trabalho, José Roberto Garcia Durand, acordaram de prestar a prova.

Dedé conta que Durand gostava de jogar futebol, e devido a uma dura peleja enfrentada na várzea, havia machucado o pé, o que o obrigava a andar com ele enfaixado e com auxílio, seja de alguém o amparando, seja de muleta. Dedé, inclusive, exalta as qualidades futebolísticas do amigo dizendo que “era um ótimo jogador”.


Edison lembra desses primeiros passos para entrar na Justiça do Trabalho. E para falar a verdade, esses primeiros passos foram cambaleantes. Ao final do expediente do Tribunal de Justiça, naquele último dia de inscrição, a dupla foi até a rua Rego Freitas nº 527, sede do TRT-2. Lá, eles se depararam com uma fila gigantesca.
Mas seria essa grande barreira que obstaria as intenções de nossos heróis? Era necessária engenhosidade para superar a situação… O parceiro de aventuras de Dedé, Durand, sugeriu um plano:
“’Dedé (risos), Dedé, eu acho que eu vou aproveitar esse meu pé quebrado aqui, eu vou pedir preferência lá para a inscrição’. Eu disse: ‘Então, eu vou… você está se apoiando em mim, então eu vou com você’ (risos). E fomos até lá na frente, lá na frente onde estava fazendo inscrição e ele chorou as pitangas. ‘Não posso ficar de pé, e bibibi, bababá…'”
Edison Viera Pinto, em entrevista ao Centro de Memória do TRT-2
Dedé conta que houve uma certa celeuma entre os funcionários do TRT-2 que organizavam as inscrições: enquanto alguns aceitavam que Dedé e Durand fizessem a inscrição de forma preferencial, outros recusavam. Mas com efeito, a “forma alternativa” deu certo e eles realizaram a inscrição de forma preferencial, evitando a longa fila.
Os dias que se seguiram foram de muito estudo, em assuntos que Dedé até então desconhecia. Formaram um grupo com mais dois colegas do Tribunal de Justiça que prestariam o concurso, e passaram as madrugadas estudando. Como seus colegas eram da área de direito, Dedé teve muito a aprender com eles. Felizmente para o nosso protagonista, o esforço rendeu frutos e sua aprovação aconteceu. Durand também foi aprovado no mesmo concurso, e inclusive foi lotado na mesma seção inicial que Edison.
Bem, antes de iniciarmos a saga sobre a carreira e aventuras de nosso protagonista no TRT-2, peço licença para refinar um pouco melhor o traço sobre Dedé. Falar um pouco sobre suas paixões.
Um prelúdio ao Edison no TRT-2: Desenhando Dedé

A paixão pelos quadrinhos
Bem, eu era apenas uma criança “da roça”, como diziam, e sempre acompanhava meu pai até a cidade (na época, com pouco mais de 10 mil habitantes), seja para levar os legumes para serem vendidos na feira, seja para entregar uma remessa de queijos ou para fazer o “mercado” do mês. Nessas ocasiões, aproveitava para me esgueirar até a banca de jornais, e de forma furtiva, folhear aquelas revistas com heróis de roupas coloridas e nomes em inglês. A discrição tinha uma razão, era para evitar as censuras do jornaleiro, que atestava o que parecia óbvio para um adulto, mas talvez não tanto para uma criança: “para ler, tem que comprar!”
Embora esse pequeno trecho acima fale sobre as memórias daquele que escreve esse texto, acredito que existem muitos pontos em comum com a infância de Dedé, e pela sua paixão por quadrinhos. Mas Dedé, diferente de mim, tem um talento gigantesco para o desenho… E diga-se de passagem, um talento precoce. Aos 13 anos, sua arte já era reconhecida como excepcional: ganhou uma pequena “prenda” de 10 cruzeiros, participando de um concurso de desenhos promovido pela publicação “Gibi Mensal”, da editora globo. Sua obra vencedora ostentava orgulhosamente seus traços, retratando o herói Capitão Marvel Júnior.


O “Gibi Mensal” circulou em terras tupiniquins de 1941 a 1963, e foi responsável por introduzir e popularizar muitos dos heróis da terra do Tio Sam na cultura popular juvenil brasileira: Namor, Fantasma, Tocha Humana, Tarzan, Mandrake, Capitão Marvel e Super Homem preenchiam as páginas em preto e branco, que hoje, são relíquias para colecionadores. Dedé comenta que possui alguns exemplares com ele, e reconhece o grande valor daquelas revistas: o da memória afetiva. As revistas são pequenos tesouros de sua infância, de quando seu lápis reproduzia os heróis que lia naquelas publicações, que lhe eram dadas por Edmundo, o Dodô, seu irmão mais velho.
E a arte de desenhar acompanhou Dedé por toda a vida. Já morando em São Paulo, trabalhando no Tribunal de Justiça, desenhava o “Cine Jardim”, pequena publicação gratuita entregue para aqueles que compravam os ingressos para assistir aos filmes nas salas do cinema homônimo. O projeto, no entanto, rendia pouco dinheiro e muito trabalho, o que acabou afastando Dedé.


Mas Dedé tentou ainda mais uma empreitada como quadrinista profissional. Em 1963, o governo João Goulart editou o Decreto-lei nº 52.497, que disciplinou a publicação de histórias em quadrinhos no país. O decreto reconhecia a influência que esse tipo textual possuía sobre a cultura brasileira, e visava substituir gradualmente os quadrinhos importados por nacionais: as editoras teriam que apresentar em suas publicações, no mínimo, 30% de autores nacionais a partir de 1964, 40% a partir de 1965 e, finalmente, 60% a partir de 1966.
A medida, claro, possibilitava a inserção de artistas brasileiros em um mercado majoritariamente ocupado por estrangeiros. Dedé então passou a publicar a sua “série romântica” no jornal “A Nação”. O jornal fazia parte dos empreendimentos do Grupo Simonsen, que com a instituição do regime militar em 1964, passou por um processo de rápido desmoronamento, uma vez que seu principal administrador, Mário Wallace Simonsen, se exilou com receio de represálias pelo governo militar. Assim, infelizmente para nosso quadrinista profissional iniciante, seu emprego na área durou muito pouco. Dedé, mais uma vez, colocou sua caneta nanquim de lado, ao menos profissionalmente falando.

Isso porque Dedé continuou a dar vazão ao seu lado criativo. Não apenas ilustrando, mas também escrevendo crônicas. Os assuntos eram muitos, desde memórias de sua juventude a causos nas mesas de sinuca; dando vida a personagens que criou desde a sua infância e desenhando suas amadas filhas.

Todo esse mundo particular continuou a povoar a imaginação de Dedé, que o expressava e dava vida onde fosse possível: no aconchego de seu apartamento em sua mesa de desenho; em rabiscos rápidos nos papéis de rascunho em sua mesa de trabalho; ou no guardanapo dos botecos. A verdade é que, onde quer que estivesse, a escrita e o desenho sempre foram os principais meios de Dedé demonstrar sua visão sobre o mundo.
A paixão e inspiração dentro das quatro linhas: o futebol
Dedé tem uma relação muito estreita com o futebol, embora confirme que sempre foi um “perna de pau” dentro das quatro linhas do tapete verde. Apesar da falta de talento em campo, sempre compensou escrevendo, desenhando e claro, torcendo.
E por falar em torcida, Dedé se lembra com carinho do time de futebol do Tribunal, um elemento que, segundo ele, ajudou muito a unir os servidores. Ele conta que costumava levar sua filha mais velha, Débora, ainda bebê, para assistir aos jogos com ele. Denise, sua filha mais nova, comentou que Dedé inclusive trocava as fraldas da pequena ali, no meio da arquibancada, enquanto acompanhava as pelejas varzeanas.


O esporte também inspirou Dedé a criar um de seus personagens, “Deo, o guardião”: um goleiro bom de briga e com grande senso de justiça. Pelas histórias de Deo, Dedé fazia crítica às “maracutaias” dos resultados dos jogos de futebol, assim como criava um herói brasileiro que tinha relação com o esporte mais amado do país.


Mas o esporte rendeu para Dedé também uma oportunidade para expressar sua veia cronista, com o jornal de circulação interna do TRT-2, “Boletim Esportivo”, encabeçado por Edison e realizado com a ajuda de outros colegas. Nele, Dedé publicava textos e desenhos sobre o esporte e o cotidiano dentro e fora do Tribunal. Aliás, Dedé não, Dedépuã, pseudônimo que usava no folhetim… Mas que todo mundo sabia quem era. Pelo jeito Dedé não era muito bom em esconder sua identidade secreta…
O pseudônimo era uma homenagem a Sérgio de Andrade, que utilizava o cognome Arapuã, em sua famosa coluna “Oras, bolas!” (a coluna de Dedépuã se chamava “Oras, bolhas!”, note o trocadilho…), no jornal “Última Hora”, durante a década de 60. A coluna de Arapuã, de viés humorístico, trazia sátiras sobre a política, os costumes e esportes, notadamente o futebol. De forma semelhante, o Boletim Esportivo trazia informações sobre o TRT-2, esportes, pequenas crônicas sobre o dia a dia do Tribunal e anedotas, sempre de forma leve e descontraída.



Bem, feito esse pequeno desvio para falar um pouco sobre as paixões de Dedé, assim como elas eram expressas com sua criatividade, vamos retomar o nosso roteiro. Nós tínhamos deixado nosso protagonista logo após seus primeiros passos (cambaleantes, é verdade) no ingresso da Justiça do Trabalho.
Começa uma nova saga: O TRT-2.
Edison iniciou sua história no TRT-2 em um endereço diferente daquele em que ele havia realizado a inscrição do concurso, no final do ano de 1963. Quando foi nomeado, em janeiro de 1964, a sede de nosso regional estava em novo endereço, na rua Brigadeiro Tobias, nº 722. O prédio era, certamente, um pouco melhor do que o anterior, mas como se lembram outros servidores, (e o próprio Dedé) não muito melhor, e logo se tornou insuficiente. Dedé teria muita participação nas compras e mudanças de imóveis do TRT-2, mas esse é um assunto para um capítulo posterior da história.

A primeira lotação de Edison foi na Seção Processual, que estava subordinada à Secretaria Judiciária do Tribunal, chefiada por Ivone Casali. Ivone é um nome que aparece também nas histórias de Luiz da Silva Falcão, Dayse Conrado Bacchi e Renée Alice Garcia Leite (todos os três participaram dessa primeira temporada do Memórias Narradas), por todos eles estarem, em algum ponto de suas trajetórias, trabalhando em uma seção ligada à diretora. Dedé teria Durand como colega de seção, que também fora classificado e nomeado no TRT-2. A jornada dos amigos que havia se iniciado ainda no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo continuava agora nas páginas de uma nova história. Durand, posteriormente, escreveria uma bela carreira no Ministério Público, como procurador.




Dedé ficou na Seção Processual até a instituição de um marco na Justiça do Trabalho (e na vida do trabalhador brasileiro): a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS. O fundo foi criado pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, e foi implantado de fato em janeiro de 1967.
O FGTS chegava para substituir o instituto da estabilidade decenal, que dantes previa que o trabalhador que estivesse a dez anos em determinada empresa se tornaria estável, sendo possível seu desligamento apenas em casos comprovados de “justa causa”. A referida lei previa que o trabalhador que optasse pela participação no fundo deveria ter sua decisão homologada pela Justiça do Trabalho, e aí entrava a mudança na carreira de Dedé: um novo setor havia sido criado para dar vazão a essas homologações. E Dedé passou a compor a equipe, em 5 de outubro de 1966.

Dedé lembra que foi para o setor para “tapar um buraco”, já que havia muita demanda pelas homologações. Confessa também que se assustou com o tamanho das filas que se formavam, chegando a dobrar a esquina do prédio do Tribunal. Diante dessa situação, nosso engenhoso protagonista propôs uma solução simples, tão simples quanto um traço que desenha o horizonte em uma página de quadrinhos: senhas. Elas eram distribuídas durante todo o expediente, e no dia seguinte, o trabalhador comparecia até a seção, evitando filas e com a certeza de ser atendido. O sucesso conferiu a Dedé reconhecimento e apreço de seus outros colegas, bem como alívio dos trabalhadores que tinham mais segurança e previsão em seu atendimento.
E o apreço de seus colegas, seja por sua simpatia ou competência, lhe rendeu frutos. Em 5 de janeiro de 1967, foi convidado a assumir uma vaga na Seção de Orçamento e Controle de Pagamentos. Naquela altura, Dedé sabia pouco, ou quase nada, do assunto: “Acho que o povo gostava de mim, não é?”, tenta explicar o motivo do convite. Talvez fosse isso, uma vez que é tarefa quase impossível não simpatizar com nosso protagonista. Apesar do pouco conhecimento na área, acabou descobrindo uma paixão improvável pela contabilidade, que, a partir de então, conduziu o roteiro de sua vida no Tribunal.

Já atuando na área de orçamento e finanças, ocorreu uma das grandes viradas de página na carreira de Dedé, que o colocou como protagonista do assunto no TRT-2: a instituição do Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967. O referido decreto afetava diretamente o Executivo Federal, dispondo sobre a organização administrativa e propondo diretrizes para uma reforma burocrática. Trazia inúmeras inovações na área de orçamento e finanças públicas que afetavam a administração direta e indireta.
Embora o Judiciário Federal não fosse mencionado no decreto-lei, por questões constitucionais, os órgãos do Judiciário foram incentivados a segui-lo, no que coubesse, uma vez que a ferramenta era uma evolução técnica muito bem-vinda à administração pública. Além do mais, ele trazia os meios para que os orçamentos do judiciário passassem a ser mais autônomos, possibilitando a aplicação mais otimizada e menos burocrática dos recursos.
Todos esses pontos, que, confesso, podem parecer enfadonhos escritos dessa forma, foram explicados por Dedé em sua sala de estar de forma super descontraída e divertida. O talento com as palavras de nosso entrevistado é notável. Mas não apenas o talento com as palavras: seu talento com os números, especialmente na área de orçamento público, também são.
Debruçado sobre o decreto-lei, e empenhado na aplicação dele na Justiça do Trabalho Paulista, Edison começou a se destacar na área, conquistando ainda mais espaço e reconhecimento dos seus colegas. Passou a frequentar os cursos fornecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho, ainda funcionando na cidade do Rio de Janeiro, onde fez amigos “interestaduais”, como gosta de contar. A partir de então, Dedé era um membro “permanente” dos cursos de orçamento e administração pública promovidos pelos órgãos públicos pelo Brasil, sempre ampliando seus conhecimentos e sua rede de amigos.


Em 1969, seu trabalho e conhecimento na área continuavam a render-lhe frutos: o posto de chefia da Seção de Orçamento e Controle de Pagamento tornou-se vago, e seu nome foi indicado. Mas Dedé lembra, entre risos, que tal cargo não era disputado por ninguém, dada a complexidade e responsabilidade da posição. Mas, embora a indicação fosse uma espécie de “presente de grego”, nosso protagonista abraçou a tarefa e a cumpriu com maestria, sendo, como o próprio diz, uma grande sorte o fato de ninguém desejar seu cargo: afastado das vicissitudes dos jogos de poder, concentrou-se em seu trabalho ao longo dos anos, tornando-se referência na área. Afinal de contas (e fazendo contas), ele gerenciava o orçamento do maior tribunal trabalhista do país, e o fazia muito bem.


Avançando nas páginas, Dedé permaneceu no cargo até 1974, quando foi transformado em diretor da Serviço de Orçamento e Finanças, por força de uma alteração administrativa na seção. Aqui, mais uma vez, vamos cortar a linha do tempo dessa saga principal e contar algumas peripécias de nosso herói da contabilidade, o arauto das finanças, Dedé, enquanto esteve no TRT-2.

As aventuras na Justiça do Trabalho
A epopeia que não está no gibi: a mudança para a Consolação
Dedé participou da compra de diversos imóveis para o TRT-2, afinal de contas era ele quem verificava a disponibilidade orçamentária e a possibilidade de aquisição deles. Pelo tempo em que atuou em nosso regional, viu e atuou diretamente em inúmeras mudanças de endereço, mas uma delas, em especial, ficou marcada na memória de Dedé: a saga da mudança da sede para o prédio da rua Consolação, em agosto de 1980, que já foi citada em diversos artigos do Centro de Memória e explorada em um texto minucioso, na ocasião dos 40 anos do Edifício-sede do tribunal.
Dedé se refere a esse evento como “épico”, justamente pelos revezes encontrados no processo e pelas formas que eles foram contornados. Como bem sabemos, a Justiça Federal emitiu liminar obstando a mudança. O motivo da liminar envolvia os questionamentos de diferentes setores da sociedade, que iam desde a necessidade da compra do prédio até a finalidade dele. Questionamentos justos, mas que foram inflamados por notícias falsas, como a de que o prédio, que antes tinha como finalidade abrigar um hotel de luxo, manteria saunas e banheiras para os magistrados.
Dedé se lembra que, apesar da liminar, a mudança continuou a acontecer, inclusive madrugada a dentro, contando com a ajuda de muitos funcionários.
“(…) durante a madrugada, a tarde, a noite e a madrugada toda, nós, inclusive todos os funcionários, eu participei disso, era o caminhãozinho lá. Lotava o caminhão, levava e jogava lá no prédio, voltava, enchia o caminhãozinho, levava lá e jogava no prédio… Mas foi muito bonito, foi muito bacana. Eu sei que de madrugada, eu estava em cima de um monte de caixa, não sei aonde, lá no primeiro subsolo, segundo subsolo, são quatro subsolos, não é? Sujo, suado, cansado, que nem… cachorro doido, mas como eu, todo mundo, todo mundo participou, foi uma aventura, uma epopeia.”
Edison Vieira Pinto, em entrevista ao Centro de Memória do TRT-2
Havia pressa para “ocupar” o prédio antes que a notificação judicial da liminar fosse entregue ao então presidente do TRT-2, Nelson Virgílio do Nascimento, para reforçar a tese de que “desfazer” a mudança geraria prejuízo ao erário e para os jurisdicionados, que teriam que esperar por uma nova transferência de endereço.

Dedé conta, aos risos (e nos advertindo que essa é uma história que correu na época), que Nelson Virgílio teria se “escondido” dos oficiais de justiça, para dar tempo de se concretizar a mudança. E de fato, quando o presidente foi notificado, a transferência já havia sido realizada. Mas Nelson não estava apenas evitando a notificação, ele também estava articulando com órgãos superiores uma forma de rever a liminar, de forma a concluir legal e definitivamente a compra e a mudança para o novo prédio. Uma estratégia comum nas histórias de quadrinhos: ganhar tempo e gerar distração enquanto se desenrola o plano principal.
O fato é que a liminar foi revista, e todo o processo foi considerado legal e justo pelos órgãos superiores da justiça. A mudança, realizada a toque de caixa com o esforço de diversos servidores, quase que de forma “clandestina”, serviu para povoar diversas memórias e lembranças ao longo do tempo, algumas cheias de humor, outras de nostalgia, como toda boa história em quadrinho. Como disse Dedé, “foi uma epopeia, foi épico”.
Desenhando novos tribunais
A essa altura da história, não é segredo que Dedé participou de momentos cruciais da trajetória do TRT-2. Eventos que até então tínhamos conhecimento, mas nunca tínhamos conversado com alguém que os viu tão de perto. Nosso protagonista fez parte da comissão designada para a instalação do TRT-9, nomeada em 1975, e que foi responsável pelo acompanhamento e execução da primeira divisão da jurisdição do TRT-2, no ano de 1976. Vale lembrar que, desde 1941, com a criação do Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região, a Justiça do Trabalho Paulista era incumbida do julgamento dos processos oriundos dos estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso (que seria dividido em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul apenas em 1977).
Dedé nos contou que estava lá na sala dele, “cuidando de sua vida, tranquilo” quando recebeu o convite (ou melhor, uma convocação) de Péricles Cardoso Paes, diretor de orçamento e finanças do Tribunal Superior do Trabalho. Até parece aqueles chamados urgentes que o herói recebe em seu quartel general, não é? Péricles encabeçou uma equipe de servidores vindos do TRT-2, TRT-4 e TST, com o intuito de colocar em prática a Lei nº 6.241/1975, que havia criado o TRT-9. A equipe era uma espécie de “Liga da Justiça do Trabalho”… Entenderam a referência?



Dedé, enquanto nos mostra recortes de jornais, conta que foi uma “aventura”, e que ficou um bom tempo organizando tudo, juntamente com a comissão e servidores que já atuavam no Paraná. Para abrigar o novo regional, foi alugada uma casa que, na memória de Dedé, já tinha vivido dias melhores, mas que serviria ao propósito. A nomeação dos juízes, para o devido funcionamento, no entanto, demorou um pouco, ocorrendo apenas em setembro de 1976.


A série de eventos que culminou na instalação do TRT-9, e na consequente primeira separação jurisdicional do TRT-2, pode ser lida em detalhes no texto A saída do Paraná, publicado pelo Centro de Memória do TRT-2.
Um fato curioso é que, se Dedé ajudou a desenhar a primeira separação de jurisdição do TRT-2, também participou da última, quando o nosso regional passou a ter responsabilidade apenas sobre a região metropolitana paulista e a baixada santista. Ele atuou no processo de criação do TRT-15, no ano de 1986, mesmo ano em que se aposentaria do TRT-2. Teve como grande parceiro dessa aventura Pedro Benjamin Vieira, que àquela época, presidia nosso regional.
Dedé esteve ao lado de Pedro Benjamin Vieira durante o rápido processo de criação do TRT-15, para tratar e responder temas relativos às finanças do regional a ser criado. Afinal de contas, colocar um novo Tribunal em funcionamento demandava muito planejamento orçamentário e previsão de gastos, coisa que Dedé dominava tão bem quanto sua caneta nanquim. Além do mais, em seu currículo, já constava a instalação de um outro regional.

“Ah, esse foi um processo tão dinâmico, tão rápido, que eu fiquei assustado. Foi o dr. Pedro Benjamin. Tinha gente que queria desmembrar São Paulo e botar o outro Tribunal em Ribeirão Preto. E o dr. Pedro queria botar em Campinas. Ele acabou ganhando. Porque ele era persuasivo pra burro, né? E quando acho que decidiram que ia ser em Campinas, o
Edison Vieira Pinto, em entrevista ao Centro de Memória do TRT-2
dr. Pedro Benjamin arregaçou a manga e de um dia pro outro ele resolveu, tá bom? O homem era uma fera! E me levava a tiracolo dele pra falar em termos financeiros, né. A gente viajava pra Brasília e corria, Câmara de Deputados, Senado Federal, ele entrava nos gabinetes lá e passava uma conversa desgraçada nos senadores e deputados, e eu assistindo de lado, né. E eles concordavam e em três tempos a lei foi publicada, criando o Tribunal Regional de 15ª Região.”
A lei que criou o TRT-15 (Lei nº 7.520/1986) foi sancionada pelo presidente José Sarney, no dia 14 de julho, aniversário de Campinas, cidade escolhida como sede do novo Regional. Em 5 de dezembro de 1986, menos de seis meses após a publicação da lei, o TRT-15 era instalado, um processo assustadoramente rápido. Como aponta Dedé, tudo isso só foi possível pela atuação de Pedro Benjamin e a equipe que ele montou (da qual Edison fez parte). É possível ler toda a saga de criação do TRT-15 no minucioso texto publicado pelo Centro de Memória do TRT-2.
Mas a parceria de Dedé e Pedro Benjamin não ficou restrita à instalação do TRT-15, como veremos mais adiante.




Um sistema com nome de passarinho
A dupla também participou do processo de informatização do TRT-2. Na verdade, talvez possamos atribuir a Pedro Benjamin o pioneirismo nessa empreitada. Mas Dedé também deu sua contribuição ao mundo digital, de uma forma, no mínimo, inusitada.
Ali no início da década de 80 o TRT-2 já comprava seus primeiros computadores, que foram utilizados, vejam só, pela área de Dedé. As robustas (e caras) máquinas eram utilizadas para gerar balancetes financeiros que eram enviados periodicamente para o TST, em Brasília. Dedé confessa, no entanto, que nunca se deu bem com os computadores, inclusive tinha uma certa resistência até mesmo com máquinas de escrever elétricas, que àquela altura, já figuravam em gabinetes e salas de audiência do TRT-2.
A gestão de Pedro Benjamin foi marcada pelo grande impulso na informatização no TRT-2, passos que o magistrado reproduziria mais tarde no TRT-15, durante sua gestão naquele órgão. Dedé fez parte do grupo para estudos da informatização do TRT-2, mas tratava principalmente de aspectos orçamentários, como ele faz questão de ressaltar. Mas sua principal (e inusitada) contribuição para informática do regional foi de ordem criativa.

O primeiro sistema informatizado oficial do TRT-2 chamava-se Ben-te-vi. Nós, do Centro de Memória (apesar da grafia do nome), sempre achamos que o nome havia sido dado em homenagem ao pássaro, bem popular tanto nas cidades quanto nas áreas rurais de todo o Brasil. E acredito que outras pessoas também, uma vez que temos outro sistema que sucedeu o Ben-te-vi, nomeado de Colibri, e ouvimos até falar de um “não-oficial” que se chamou Sabiá. Essa história da informatização do TRT-2 foi contada em detalhes nos textos escritos pelo Centro de Memória do TRT-2, Adeus, F8: a desativação do SAP, bem como a origem do nome do sistema no texto Entre passarinhos, opalas e computadores.
Dedé nos revelou na entrevista, dando uma reviravolta na história do batismo do primeiro sistema, que é digna dos melhores roteiros de quadrinhos: Ben-te-vi é um arranjo com as iniciais do nome de Pedro Benjamin Vieira e do TRT-2: Ben de Benjamin, Te de TRT e Vi de Vieira. E foi bolado por Dedé, em uma epifania sentado à mesa de um restaurante com outros colegas do regional. Como Pedro Benjamin adorava apelidos e trocadilhos, aceitou bem o nome do sistema que inspirou outros, com nomes de pássaros. Assim, o mistério do sistema com nome de passarinho foi esclarecido, graças ao nosso protagonista!
A dupla dinâmica com Pedro Benjamin Vieira
Dedé não esconde a admiração por Pedro Benjamin, com quem, inclusive, manteve uma relação de amizade. Aponta que o magistrado era visionário e extremamente dinâmico, super requisitado dentro e fora do Tribunal. Pedro Benjamin Vieira presidiu o TRT-2 entre 1984 e 1986, e foi o presidente instalador do TRT-15 (1986), bem como o segundo presidente eleito (1988-1990) do novo Regional – acumulando a marca de único magistrado a presidir dois regionais trabalhistas. Foi, inclusive, na gestão de Pedro Benjamin no TRT-2 que Edison foi nomeado diretor-geral de nosso regional.

Desde 1972 Dedé já substituía eventualmente a diretora administrativa do TRT-2, Isabel de Castro Mello, e, posteriormente, passou a substituir aqueles que ocupavam o cargo de diretor-geral. Conforme os anos que corriam, essas substituições e contribuições de Edison para a administração ficavam mais constantes, devido a sua experiência na área de orçamento e seu conhecimento sobre a Justiça do Trabalho. Mas foi em 13 de junho de 1986 que Dedé se tornou oficialmente diretor-geral do TRT-2. Em nosso regional, permaneceu no cargo até a sua aposentadoria, em novembro do mesmo ano.
Dedé lembra, entre risos, que enquanto foi diretor-geral, como Pedro sempre estava muito atarefado em seu gabinete da presidência, deixava “lição de casa” para o magistrado:
“Preparava tudo os despachos, tudo direitinho, arrumadinho, punha na pasta, deixava lá e falava, ‘aí, dr., lição de casa’. E ia embora. Ele pegava a pasta, naquele tempo ele já morava em Campinas, dentro do carro de São Paulo a Campinas ele já ia assinando os despachos. No dia seguinte, me devolvia. Se não, ia passar a noite toda lá. O homem era dinâmico.”
Edison Vieira Pinto, em entrevista ao Centro de memória do TRT-2
Como vocês devem ter notado, a aposentadoria de Dedé no TRT-2 (em novembro de 1986), ocorre pouco antes da instalação do TRT-15 (dezembro de 1986). Dedé nos confidenciou que queria se aposentar para “curtir a vida”: viajar com a família, passar mais tempo com eles, tomar despreocupado seus aperitivos com os amigos, e claro, desenhar.
Mas ao mesmo tempo, sentia-se responsável pelo regional que acabara de surgir. Apesar de o TRT-15 ter herdado a estrutura das juntas de conciliação e julgamento do TRT-2, toda a parte administrativa tinha que ser desenhada do “zero”. Experiência, conhecimento técnico e “jogo de cintura” seriam bem-vindos naquele momento, para não dizer, fundamentais. Com a instalação do novo regional, Dedé conta que sentiu que tinha um certo “dever” para com o TRT-15: queria se certificar que as linhas iniciais que foram traçadas seguissem na direção de uma bela ilustração. Assim, Edison adiou os planos de aposentadoria e aceitou o convite de Pedro Benjamin para assumir o cargo comissionado de diretor-geral do TRT-15.

Dessa forma, como todo bom herói de história em quadrinhos, nosso protagonista também acabou por alcançar uma marca curiosa, difícil de ser replicada por outras pessoas: com a criação do TRT-15, Dedé foi o primeiro diretor-geral do tribunal campineiro, conseguindo o incrível feito de ter dirigido dois TRTs!
Nas palavras de Dedé, aquela foi “uma época muito bacana”, com muito trabalho e arestas para acertar. Recebeu muito reconhecimento dos servidores e magistrados, o que o envaidecia muito, tornando a relação dele com o TRT-15 ainda mais estreita. Mas as viagens diárias entre São Paulo e Campinas foram cansando nosso protagonista. Era o ano de 1989 e Dedé já completava 25 anos de trabalho dedicado à Justiça do Trabalho. Talvez fosse hora de retomar o sonho da aposentadoria.

Decidiu pedir a exoneração do cargo de diretor-geral do TRT-15. Dedé lembra que quando informou de sua decisão para Pedro Benjamin, que então presidia o TRT-15, encontrou certa “resistência” do magistrado. A parceria entre os dois era tão eficiente e harmônica, e Dedé possuía tanta experiência, que Pedro pediu paciência para encontrar um novo diretor-geral que estivesse à altura de Edison.
“(… ) ‘você vai ter que esperar um pouco de tempo porque quem tem Rivellino’, não falou Pelé, ‘quem tem Rivellino, é duro achar um substituto’.”
Edison Vieira Pinto, em entrevista ao Centro de Memória do TRT-2
E não é para menos, Dedé era um exímio administrador público, um grande jogador dentro das quatro linhas de sua sala. Pedro, que sempre gostou de dar apelidos, como nos contou Dedé, o chamava de “Rivellino da administração”, em alusão ao craque do futebol. Rivellino jogou por diversos times, mas escreveu seu nome na história do futebol ao defender o manto alvinegro do Corinthians, no início de sua carreira profissional nos anos 60 e 70.

Embora Edison não fosse corintiano, aceitou bem o elogio, afinal, Rivellino foi o “super craque”. E esse apelido fazia muito sentido, não apenas pela capacidade técnica de Dedé, mas também pela sua grande paixão pelo futebol.
De qualquer forma, em março de 1989, com o TRT-15 bem encaminhado; e Pedro Benjamin tendo encontrado um substituto para o “Rivellino da administração pública”; era hora de, finalmente, “pendurar as chuteiras” e sacar a caneta de nanquim. Dedé teve sua exoneração do TRT-15 publicada em 3 de março de 1989. Aposentou-se da Justiça do Trabalho definitivamente, deixando a marca indelével de suas contribuições, tal qual a tinta que traça definitivamente o papel branco.
Aposentado, nosso protagonista pôde, enfim, viajar com sua família, curtir seus “aperitivos” com os amigos e, claro, dar vazão aos seus talentos de desenho e escrita.





Dedé já tinha anos de produção criativa acumulada, personagens que deu vida no papel, mas que poucas pessoas, além da família ou amigos próximos, podiam apreciar. Todo esse trabalho compôs seu livro: “Crônicas e Comics”, publicado em 2021, que tive o grato prazer de receber um exemplar, com direito a autógrafo e tudo!
Em seu livro, suas paixões emanam das páginas, embaladas por um humor leve e gostoso, ilustradas pelos traços caprichados de Dedé. Uma leitura descontraída, que esbanja memória afetiva e presenteia o leitor com um bom arsenal de piadas e “mentiras sinceras” que podem ser compartilhadas em reuniões de família, com os amigos tomando uns “aperitivos” ou durante uma boa partida de sinuca.
Dedé inclusive pôde conversar sobre sua obra com Maurício de Sousa, um dos maiores expoentes dos quadrinhos, em um encontro virtual proporcionado pela filha de Dedé, Denise. E claro, os dois artistas descobriram várias afinidades!



Embora aqui encerremos a primeira temporada do projeto, com a última “tirinha” do Memórias Narradas, Edison Vieira Pinto, Dedé ou Dedépuã, continuará a escrever sua história, com muito bom humor e talento. Aqui compartilhamos um pouco das páginas da vida dele, de suas aventuras na Justiça do Trabalho, uma trajetória desenhada com leveza, trabalho e muita dedicação. Dedé jamais deixou suas paixões de lado, conciliando-as com as responsabilidades na Justiça do Trabalho, e mais importante, como ele mesmo diz, “se divertindo à beça” no processo.

Bem, caro leitor, aqui me despeço da sua companhia. Espero que a leitura tenha sido divertida, assim como foi escrever este texto e editar o vídeo: ambos foram feitos com muito carinho e amor. E isso tem tudo a ver com as páginas da vida de Dedé, apresentadas neste episódio. Porque se tem uma coisa que ele nos ensinou, com a simplicidade de uma tirinha de jornal, e que ficou marcada na nossa memória, como as melhores histórias em quadrinhos, é que:


Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.
Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.
Que maravilha, saber detalhes da vida funcional do nosso sempre querido Dedé! Quanta habilidade nos vários desenhos que publicou aqui!! Essa veia artística é encantadora, só esse trabalho maravilhoso da Central de Memórias, permitiu que tomássemos conhecimento . …e expandir nossa admiração ao Dedé, além do destaque bem reconhecido que teve em sua carreira nos TRTs 2 e 1 5!!! Orgulho de conviver com Dedé como funcionária e aluna por ocasião dos concursos internos!! Tivemos o imenso prazer de vê-lo Ubatuba anos atrás por ocasião de um almoço com Dr.Julio de Araujo Franco Filho e colegas dele e ex-funcionarias colegas minhas!! Só gratidão e saudades!! Parabéns Dedé!!
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Muito obrigado pelo comentário, Maria do Carmo! Dedé é uma figura incrível, não é? Foi muito legal conhecê-lo! Ele comentou com saudades das reuniões com vocês, dos almoços… espero que logo possam retomar o ritmo deles! Um grande abraço e obrigado pela ajuda que você sempre dá ao Centro de Memória!
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Belmiro, o trabalho do Centro de Memória do TRT, notadamente, por seus integrantes que conheço, amo e admiro, aproximou todos os servidores fazendo-os recordar passagens gostosas na vida funcional de cada um, fazendo buscarmos nos arquivos da nossa memória e também guardadas no coração, a experiência de nossa vida de trabalho, trazendo o passado para o presente momento, registrando os “causus” com imensa satisfação. Com admiração e carinho, Belmiro, meus cumprimentos e um grande abraço. Maria do Carmo
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Ah, Maria do Carmo, que bom ler isso! Ficamos muitos contentes com essas palavras, e agradecemos muito o apoio e carinho que você sempre dá para nós em nosso trabalho! Compartilhar e reviver memórias é fantástico, e ficamos muito gratos pela oportunidade de poder fazer isso. Um grande abraço!
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