UMA PEQUENA HOMENAGEM
Um dia, faz alguns anos, eu tinha pouco tempo de magistratura, encerrei uma pauta de audiências lá pelas 14 horas e fui almoçar. Encontrei um colega juiz mais experiente, almoçando no mesmo lugar. Aproveitei para pedir um conselho sobre o caso problemático que acabara de instruir. Eu poderia decidir A ou B, e cada possibilidade tinha suas consequências, mas as provas admitiam as duas soluções que eu via. Qual delas adotar?
O juiz mais experiente disse: “Não sei, nem posso saber. Você é o juiz do caso, viu os depoimentos. A solução está aí dentro de você, não de mim. Procure a decisão mais justa possível”. Ele achou que não tinha me ajudado aquele dia; mas ajudou sim. E eu lhe disse isso tempos depois.
Esse mesmo juiz contava casos de audiência impagáveis. Um dia ele falou de um processo entre o ex-empregado de uma pizzaria e o ex-patrão. Ouviu os depoimentos e percebeu que, apesar dos pedidos de verbas rescisórias e horas extras, a rusga entre eles começou porque o patrão teria negado um pedido para que o empregado levasse uma pizza para casa, sem custo. “Ele queria a mais cara do cardápio”, disse o réu. “Era uma ocasião especial na família”, respondeu o autor. Depois de muitos cálculos e argumentos, o juiz conseguiu que fizessem um acordo para encerrar a demanda. Já com os ânimos desanuviados, olhou para o réu e disse: “Agora, vou pedir um favor para o senhor. Um favor especial do senhor pra mim”. “Pode falar, doutor”. “Eu quero uma pizza do seu estabelecimento”. “Mas é claro, doutor. Até duas. É só escolher”. Mas o juiz sorriu: “Eu quero aquela pizza cara que o nosso amigo ali quis; e eu quero que o senhor mande entregar lá na casa dele. Ele merece, não merece?” E com o sorriso de todos a audiência foi encerrada, com uma pizza já encomendada para o ex-empregado.
Se a história foi exatamente assim, não sei; nem tenho como saber. Todas aquelas saborosas histórias foram vividas e contadas por ele, estavam dentro dele, não de mim. E ele, lamentavelmente, encerrou sua jornada entre nós e não mais poderá confirmar.
Seu nome: Maurício Assali. Um juiz extraordinário, uma figura humana esplêndida, um amigo inesquecível.

Vá em paz, meu amigo. Sua missão foi cumprida com louvor. Obrigado por tudo.
Eduardo Rockenbach Pires foi servidor do TRT-24 entre 2004 e 2008. Desde 2008, é juiz do TRT-2. Formado em direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS, é mestre e doutor em direito do trabalho pela Faculdade de Direito da USP. O magistrado conheceu o juiz Maurício Assali em seu curso de formação inicial e com ele manteve contato pelos corredores do Fórum Ruy Barbosa e nas dependências da Amatra-2. O texto foi redigido na época do falecimento do juiz Maurício Assali.

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