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50 ANOS DA RIO BRANCO

Em um passado, que agora pode parecer distante, o Tribunal do Trabalho da 2ª Região tinha suas unidades da capital e sua Sede localizados no centro histórico da cidade de São Paulo. A rotina dos servidores, magistrados e advogados era outra, assim como dos trabalhadores e empregadores que buscavam a Justiça do Trabalho.

Um pouco dessa história já foi descrita pelo Centro de Memória, em um texto que fala dos 15 anos da inauguração do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa e conta um pouco de como era aquela época em que as varas do trabalho estavam instaladas em diferentes prédios: na av. Ipiranga, na r. Aurora, Cásper Líbero, e na av. Rio Branco. Esse último, que hoje ainda abriga setores do TRT-2 foi, um dia, a Sede do Tribunal, e em 18 de dezembro de 2020 completou 50 anos de sua inauguração como dependência da Justiça do Trabalho.

Muito anos se passaram, e hoje, a sede do TRT-2 está no prédio da r. da Consolação, lugar que ocupa desde 1980 (a história da aquisição e mudança para lá também já foi explorada pelo CM). Contudo, quando, em 1970, o Tribunal conseguiu adquirir o prédio da av. Rio Branco, além de outro, na av. Ipiranga, isso foi tratado como uma grande conquista, diante de uma situação que beirava uma crise administrativa.

O antigo prédio da r. Rêgo Freitas, em situação precária, em espaços limitados e estrutura básica, assim como a sede na Brigadeiro Tobias, impunham obstáculos ao crescimento do TRT-2, que segundo jornais da época, recebia entre o prédio da juntas de conciliação e julgamento e a Sede, cerca de 6 mil pessoas por dia.

Unidade do TRT-2 da av. Rio Branco, 285, no Centro de São Paulo, onde esteve instalada a Sede do Tribunal na década de 1970. Foto tirada em 2019. Fonte: acervo TRT-2.

Os antecedentes da compra

Na época o TRT-2 sofria com a escassez de verbas, que não acompanhavam as exigências de um Regional em constante expansão. Em notícias de jornal de 1968, são comuns as informações sobre visitas do presidente do TRT-2, Homero Diniz Gonçalves, ao presidente da República da época, Artur da Costa e Silva. Foram intensas as negociações e articulações políticas para conseguir verba para o novo prédio. Em um longo processo de convencimento, o presidente do TRT-2 conseguiu o apoio do Presidente da República e a garantia de que seriam liberados valores para a compra de novas instalações para o regional.

Jornal o Estado de São Paulo, edição de 10 de maio de 1968. Fonte: Hemeroteca Nacional.

Inicialmente Homero e sua equipe tinham tentado o prédio dos “Diários Associados”, na r. 7 de abril, que foi descartado devido ao alto preço para a desapropriação. Era um prédio histórico da cidade, que chegou a receber as primeiras instalações do Museu de Arte de São Paulo, antes da inauguração do seu famoso prédio na Paulista. A proposta era utilizar o local para abrigar as 23 juntas de conciliação e as três turmas  julgadoras, além dos setores administrativos. Contudo, no desenvolver das negociações, acabou-se por decidir por um prédio para cada instância e que estivessem dentro do orçamento.

Uma comissão formada pelos magistrados Reginaldo Allen (juiz togado), Afonso Teixeira Filho (juiz classista representante dos trabalhadores) e Wilson de Sousa Campos Batalha (juiz classista representante dos empregadores) foi nomeada para estudar o problema das novas instalações do Tribunal e manifestou preferência pelo prédio da antiga Assembleia Legislativa do Estado, no Parque Dom Pedro II, o antigo Palácio das Indústrias. Esse era um prédio imponente e simbólico, que recebeu a Assembleia Legislativa de São Paulo até 1968, quando o órgão foi transferido para o Palácio 9 de Julho, localizado no Parque do Ibirapuera.

A outra alternativa seria uma escola, que não é especificada nos relatórios, mas que foi descartada por estar longe do centro. Notícias da época chegavam a estimar que em dias de grande movimentação, o prédio das juntas na r. Rêgo Freitas, e da sede, na r. Brigadeiro Tobias, chegavam a receber juntos, mais de 6 mil pessoas. Por isso, a prioridade continuava sendo um prédio no centro da cidade, que fosse de fácil acesso ao contingente de pessoas que procuravam a Justiça do Trabalho na Capital.

Manchete da edição de 14 de março de 1968, do Jornal Estado de São Paulo, fazendo menção ao interesse do TRT-2 em adquirir o antigo prédio da Assembleia Legislativa do Estado. Fonte: acervo Estadão.
Em 2009, após processo de restauração, o antigo prédio do Palácio das Indústrias passou a abrigar o Museu Catavento. O prédio, que chegou a ser cotado para receber a sede do TRT-2 no final da década de 1960, foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) no ano de 1982. Foto: Cedem Unesp.

Diante do valor muito alto exigido para a desapropriação do prédio que antes abrigara a Assembleia Legislativa do Estado, começaram novos estudos, que chegaram até dois endereços: na av. Rio Branco, que deveria abrigar o Tribunal e setores administrativos, e um prédio na av. Ipiranga, que receberia as Juntas de Conciliação e Julgamento, que antes estavam todas acomodadas de forma precária no antigo prédio da Rêgo Freitas.

Em uma matéria do jornal Estado de São Paulo, de 16 de agosto de 1969, são relatados os problemas existentes no prédio das juntas. Os dois únicos elevadores ameaçavam parar de funcionar, e a manutenção estaria orçada em 15 milhões de cruzeiros, que a JT não tinha em caixa. A proprietária do imóvel, uma entidade de amparo a tuberculosos pobres, não podia arcar com esses custos e era iminente, segundo o próprio presidente Homero, que o elevadores entrariam em pane, inviabilizando o funcionamento da primeira instância.

Prédio da r. Rêgo Freitas, 527. A partir de 1957 passou a abrigar tanto o Tribunal e setores administrativos (na sobreloja) quanto as juntas de conciliação e julgamento nos demais andares. A partir de 1964 a sede passou a ocupar um prédio na r. Brigadeiro Tobias, 722. Foto tirada em 2019. Fonte: acervo do TRT-2.

Em 2019, a equipe do Centro de Memória do TRT-2 visitou o prédio localizado na r. Rêgo Freitas, 527, que hoje é um condomínio residencial que passou por uma grande reforma interna. Visitamos algumas das dependências e fizemos um exercício de imaginação, ao tentar localizar onde e como estavam instaladas as Juntas naquela estrutura. Foi difícil imaginar como aquele prédio de corredores e escadarias estreitos suportava o fluxo intenso de partes, servidores e magistrados, durante o expediente de funcionamento das 26 juntas instaladas ali. Como afirma uma publicação da época:

Por uma série de razões, ambos os locais são inadequados; basta dizer que aproximadamente 6 mil pessoas, por dia, procuram as Juntas de conciliação e Julgamento, utilizando-se de dois lentos elevadores, no prédio da rua Rego Freitas, onde não há salas de testemunhas, nem salas de advogados, instalações sanitárias suficientes ou qualquer outras facilidades materiais.

Jornal “O Estado de S.Paulo”, edição de 20 de fevereiro de 1970.

O novo prédio

No Relatório Anual de Atividades do TRT-2, do ano de 1970, a aquisição dos novos dois prédios da av. Rio Branco e da Ipiranga é tratada como um dos acontecimentos mais importantes da história do órgão, até então:

Pela profundidade de seus efeitos, alguns dos acontecimentos que se sucederam na Justiça do Trabalho da 2ª Região, em 1970, revestiram-se da mais transcendental importância e magnitude. São lídimos exemplos dessa afirmação, a compra dos dois imóveis destinados a receberem a sede deste Tribunal e as Juntas de Conciliação e Julgamento da Capital – fatos esses que, pela repercussão e alcance prático, pontificam historicamente entre os mais significativos de toda a existência da Justiça do Trabalho desta Região.

Relatório de Atividades do TRT-2 de 1970 (fls. 18).

A compra do prédio e sua mudança foram encarados como uma transformação fundamental para o funcionamento da Justiça do Trabalho. A lei do inquilinato da época dava margem para que os proprietários alterassem os preços dos imóveis de forma arbitrária, em um contexto histórico no qual a inflação alcançava variações muito superiores que as dos dias atuais. Eram frequentes os litígios entre o TRT-2 e os proprietários dos imóveis onde estava instalado na capital e demais cidades nas quais se fazia presente (lembrando que na época o TRT-2 abarcava o que hoje é o TRT-15, e parte dos atuais TRT-9 e TRT-10).

Casos de ameaça de despejo eram frequentes e demandavam dos dirigentes da época a constante negociação e também articulação política com o governo federal , tratando diretamente com os presidentes militares da época (Artur Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici) para conseguir verbas suplementares para poder arcar com as despesas dos alugueis.

A legislação do inquilinato, ora vigente, permite aos locadores fixarem ou pretenderem aluguéis totalmente incompatíveis com as verbas destinadas ao poder público para tal finalidade. […] A esta Justiça não tem restado outra alternativa senão figurar invariavelmente como ré, nas frequentes ações de despejo que lhe são movidas.

Relatório Anual de Atividades do TRT-2 de 1970 (fls 20).
Jornal o Estado de São Paulo, edição de 20 de fevereiro de 1970. Fonte: acervo Estadão.

Foram as articulações políticas mencionadas, que demandavam viagens frequentes à Brasília, por parte do corpo dirigente, que permitiram tanto que a Justiça do Trabalho se mantivesse em funcionamento, quanto a compra de prédios próprios. Em 1970 a mudança do Tribunal para a av. Rio Branco 285, além da compra do prédio da Av. Ipiranga 1.225, permitiu, finalmente, que o TRT-2 alcançasse certa segurança na capital paulista, sem ter que conviver com o fantasma do despejo. O primeiro passou a receber o Tribunal e setores administrativos, o segundo as Juntas de Conciliação e Julgamento.

A inauguração da sede foi tratada como um grande acontecimento, contando com a presença de ilustres da época, o Ministro do Trabalho Júlio Barata e o Ministro da Fazenda Delfim Neto, assim como a viúva de Costa e Silva, presidente com quem Homero Diniz tratou diretamente durante a fase de negociação da compra dos novos prédios.

Edição de 10 de dezembro de 1970 do jornal Diário da Noite. Fonte: Hemeroteca Nacional.

Às quinze horas do memorável dia 18 de dezembro, com seu Plenário literalmente tomado, com a imprensa falada, escrita e televisada a documentar os acontecimentos, e, sob os acordes do hino nacional brasileiro, foram iniciadas as solenidades oficiais de inauguração das novas instalações do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

Relatório Anual de Atividades do TRT-2 de 1970 (fls. 22).

O prédio da Rio Branco possuía estruturas modernas para a época, mas ainda assim, passou por reformas em suas dependências, para poder receber os setores do Tribunal. Sua localização, na região central de São Paulo atendia às necessidades de acesso para as pessoas que procuravam a Justiça do Trabalho. Como anuncia a publicação da época,  o TRT-2 estava de casa nova e própria.

Felicitações publicadas pela imobiliária que mediou a compra do novo prédio, na edição de 18 de dezembro de 1970 do Diário da Noite. Fonte: Hemeroteca Nacional.

Uma área total de 7.265 m2, compondo-se em garagem, no subssolo, loja, sobreloja, 11 andares, dois elevadores, revestimento de pastilhas, esquadrias de alumínio anodizado, etc.. Seu custo atingiu Cr$ 7.265.000,00.

Relatório Anual de Atividades do TRT-2 de 1970.

Em 10 de dezembro de 1970, a Lei n° 5643/70 criou mais 12 juntas de conciliação e julgamento, sendo nove na cidade de São Paulo, uma em Osasco, uma em Santos e uma em Curitiba. No ano seguinte, logo em janeiro, seria inaugurado o prédio da av. Ipiranga, comprado quase ao mesmo tempo que o novo prédio da Sede, e que recebeu as Juntas de conciliação e Julgamento. Com dependências próprias, o TRT-2 não corria mais o risco dos despejos na capital, ainda que, no futuro, esses prédios se tornassem pequenos diante do processo de expansão do Regional.

O advogado trabalhista Rio Branco Paranhos realiza sua sustentação oral diante dos desembargadores do TRT-2, na década de 1970, nas dependência do prédio da av. Rio Branco. Foto: acervo do TRT-2.

O prédio da av. Rio Branco abrigou o Tribunal por 10 anos. Porém, em 1980, as exigências estruturais do Regional tinham aumentado. Em 1979, a Lei nº 6.635/1979 alterou a composição do TRT-2, que passou de 17 para 27 juízes de tribunal (desembargadores). Uma situação parecida com aquela vivida na década de 1960 se repetia. O demanda por espaço aumentava na mesma proporção que o número de processos.

Edifício sede do TRT-2 na r. da Consolação 1272. Fonte: acervo do TRT-2.

A sede foi transferida para o atual prédio da r. da Consolação (uma história também cheia de revezes e curiosidades), e a unidade da av. Rio Branco passou a abrigar parte das Juntas de Conciliação da Capital (da 25ª a 45ª). Nesse período, eram os elevadores da Rio Branco, assim como os da Rego Freitas há quase 30 anos atrás, que passaram a não dar conta das exigências. Filas enormes se formavam nas calçadas, e as salas de espera das audiências ficavam abarrotadas de gente. As secretarias, atulhadas de processos, eram ambientes abafados e insalubres, nos quais servidores e magistrados passavam o dia trabalhando. Fora isso, o prédio da av. Ipiranga, que em 1970 era uma grande inovação, passava por problemas estruturais que levaram à sua interdição, enquanto ainda abrigava diversas varas.

Foi um caminho árduo até que todo o TRT-2, primeira e segunda instância, estivesse instalado em estruturas compatíveis com suas necessidades. Em 2004, com a inauguração do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, parte desses problemas foram solucionados, e as unidades de primeira instância deixaram o centro da cidade. De todos elas, apenas o prédio da Rio Branco continuou abrigando setores do TRT-2. Hoje funcionam em suas dependências a Seção de Produção Gráfica, a Secretaria de Processamento de Recursos aos Tribunais Superiores, Secretaria de Assistência Jurídica e Admissibilidade de Recursos e parte do Setor de Informática do TRT-2. Quem passa por ali, ainda consegue ver a fachada com o letreiro que identifica parte do passado histórico do órgão e, também, parte do seu presente.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.

Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.


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Publicado por Lucas Lopes de Moraes

Antropólogo, graduado em ciências sociais, possui mestrado e doutorado em antropologia no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da USP. Possui experiência em pesquisa e análise de dados qualitativos e em projetos de acervo. Colecionador de discos, apaixonado pela etnografia e pelo trabalho de campo, defende que as trajetórias de pessoas e coisas são a maior fonte de conhecimento. É servidor do TRT-2 desde 2015.

9 comentários em “50 ANOS DA RIO BRANCO

  1. Parabéns pela matéria, Lucas!

    Você me fez voltar no tempo, quando em abril de 1982 tomei posse como Auxiliar Judiciário e fui trabalhar na 34ª JCJ/SP, neste prédio hoje homenageado, ocasião em que precisei ser emancipado por ter apenas 20 anos de idade…
    Depois fui para a sede do Tribunal para trabalhar na Secretaria da 4ª Turma, depois em gabinetes de Juízes (hoje desembargadores), CIAO e, finalmente, aposentando-me no último dia 18, data em que o TRT da Rio Branco completou os cinquenta anos, título desta matéria.
    O TRT foi e sempre será um marco em minha vida, e que deixa saudades de muita gente bacana que conheci e muitos amigos queridos que fiz nesses meus quase 39 anos nelel!

    Abço.

    João Antonio Paes

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    1. João, muito obrigado pelo comentário e pela leitura!
      Que bom que o texto trouxe lembranças sobre a sua trajetória. Parabéns pela aposentadoria!
      Acredito que você tenha muitas histórias para contar!
      Quando passar essa fase difícil que estamos enfrentando, de isolamento, seria muito bom receber sua visita no Centro de Memória do TRT-2.

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