Em 2020, o TRT-2 celebra os 40 anos de seu edifício-sede. A data registrada na documentação oficial como a da primeira sessão solene realizada ali dentro, marcando oficialmente o início da trajetória do Tribunal no prédio, é o dia 29 de agosto.
Na verdade, porém, a mudança do Tribunal para o prédio da rua da Consolação aconteceu ao longo de todo o mês de agosto. Até mesmo uma audiência de dissídio coletivo foi realizada no local, no dia 14 daquele mês. Além disso, vários dos setores já tinham retomado as atividades nas semanas anteriores à da primeira sessão. Para o público, porém, o dia 29 de agosto foi a data oficial.
Sexto endereço do TRT-2
O edifício do número 1272 à rua da Consolação foi o sexto endereço que recebeu a sede de nosso Regional. Os cinco primeiros foram:
- Rua Conselheiro Crispiniano, nº 29 (1941-1948)
- Rua Quirino de Andrade, nº 193 (1948-1957)
- Rua Rêgo Freitas, nº 527 (1957-1964)
- Rua Brigadeiro Tobias, nº 722 (1964-1970)
- Avenida Rio Branco, nº 285 (1970-1980)





A mudança do Tribunal para a Consolação é uma das mais fascinantes histórias que nós, do Centro de Memória, já ouvimos ao longo de nossos dois anos de existência. Para poder contá-la recorremos às mais diversas fontes: relatórios de atividades produzidos pelo TRT-2 (infelizmente, ainda não totalmente digitalizados e disponíveis), reportagens de veículos da imprensa da época, além de entrevistas com personagens ligados aos variados interessados na mudança: servidores, magistrados e advogados.
Contar a história da mudança do Tribunal não é uma tarefa tão simples. Mas nós, como servidores de um Centro de Memória, acreditamos na importância de conhecer nosso passado institucional, reconhecer nossos erros e acertos e aprender com cada um deles. Acreditamos ser esse também um dos papeis da memória institucional. Por isso mesmo buscamos as mais diversas visões e lembranças, de modo a conseguir compreender os interesses das partes envolvidas, conforme remontam as memórias de cada um.
A história que você lê agora envolve, nas palavras de vários de seus personagens, mudança “na calada da noite”, participação ativa dos servidores, além do uso de muitos recursos judiciais para tentar reverter diversas situações. Tudo foi levado muito a sério naquela época, mas é contado, hoje em dia, entre risos e (ainda) incredulidade. Aliás, muito difícil pensar que isso tudo poderia acontecer nos dias de hoje. Mas aconteceu em 1980.
Um nova mudança do Tribunal (depois de apenas 10 anos)
Quando o Tribunal chegou ao edifício da Consolação, fazia apenas dez anos que uma outra mudança tinha ocorrido. Em 1970, depois de anos de insistência de nosso presidente da época, o juiz Homero Diniz Gonçalves (em especial junto ao presidente da República, Artur da Costa e Silva, já falecido ao momento da concretização da compra, e ao ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto), o TRT-2 finalmente havia conseguido a verba necessária para adquirir a sua primeira sede própria.

Até então, o Tribunal lidava com edifícios alugados, escassez de verba (o que resultou em ações de despejo ao longo do tempo – e não só uma única vez), prédios não muito bem adaptados para suas atividades (o da Rêgo Freitas, por exemplo, era um edifício residencial. Hoje em dia, por sinal, voltou a ter esse fim) – e muito pouco espaço.
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Até chegar ao prédio da Brigadeiro Tobias, primeira e segunda instâncias sempre haviam ficado instaladas no mesmo edifício. O mesmo valia para os setores administrativos. Pela primeira vez, porém, o tribunal teria um prédio bem adaptado, espaçoso e confortável.
A mudança para a Rio Branco foi, por essas razões, bastante comemorada na época, já que também encerrava, “com retumbante êxito, um dos mais difíceis e complexos capítulos da história da Justiça do Trabalho da 2ª Região”, nas palavras do presidente Homero Diniz Gonçalves, no Relatório de Atividades de 1970.

Com a aquisição daquele prédio, a Justiça do Trabalho podia, finalmente, “instalar-se com a dignidade que certamente merece”. Mal sabia dr. Homero que outros capítulos estariam por vir. E não demoraria muito.

Era um prédio muito bom
Em 1970, o Tribunal contava com 17 juízes de 2ª instância, divididos em três Turmas. O prédio da Rio Branco, chamado “Arthur da Costa e Silva”, em homenagem ao general morto pouco antes de sua inauguração (na qual esteve presente e discursou sua viúva, Iolanda Costa e Silva) tinha, nas palavras do juiz Homero, “área total de 7.265 m², compondo-se de garagem, loja, sobreloja, 11 andares, dois elevadores, revestimento de pastilhas, esquadrias de alumínio anodizado, etc”. Era um “prédio-ostentação”.
E se o prédio já era bom para quem trabalhava no local (em especial para quem já tinha passado por outros endereços do Tribunal), imagine para quem tinha a oportunidade de brincar por ali. É o caso do servidor do TRF-3, Dalmo Dalbem Câmara, que tinha ali sua residência – e o prédio todo para se aventurar assim que o expediente encerrasse.
Dalmo é filho de Antônio Meirelles Câmara (servidor do Tribunal entre 1971 e 1994; falecido em 2002) e Maria José Dalbem Câmara (servidora do TRT-2 entre 1981 e 2006). “Seu” Câmara, como era conhecido, foi zelador do edifício-sede do Tribunal – tanto na Rio Branco, quanto, anos depois, na Consolação. “Seu” Câmara não só trabalhava no local, mas também morava com sua família no endereço. Por isso mesmo, as lembranças de Dalmo, que chegou à Rio Branco aos sete anos de idade, são completamente diferentes das já mencionadas por outras pessoas por nós ouvidas. Afinal, ali era sua casa. O apartamento da família ficava no 11º andar do edifício.

Dalmo era uma criança, mas se recorda de suas aventuras.
“Quando o prédio fechava à noite, eu e meu irmão tínhamos uma garagem inteira para andar de bicicleta. O meu playground era na garagem daquele prédio. E era totalmente seguro: baixavam a porta de ferro, ninguém entrava e dava essa liberdade”. Dalmo se recorda de brincadeiras que ficavam muito mais divertidas quando se tem um edifício todo: “Brincar de esconde-esconde no prédio inteiro era uma maravilha. Você se esconde e a outra pessoa nunca mais te acha. É meio chato até por causa disso. Por isso, a gente limitava: ‘Só pode se esconder na garagem e no térreo!'”.
Dalmo lembra com carinho da época da Rio Branco: “A gente conhecia todo mundo, sempre se encontrava. Porque só tinham dois elevadores, o prédio era menor”. Se antes o desembargador Roberto Mário Rodrigues Martins (presidente do TRT-2 entre 1976 e 1978) brincava de caubói com o garoto, com direito a efeitos sonoros e tudo, ou o presidente da época, Homero Diniz Gonçalves, ia conversar com ele (“e às vezes até me levava para dar uma volta de carro”), as coisas não seriam mais assim depois de 1980.
A necessidade de aquisição de um novo prédio
Em 1970, o TRT-2 contava com 23 juntas de conciliação na Capital, instaladas na rua Rêgo Freitas, nº 527 (que seriam transferidas, no ano seguinte, para o recém-adquirido prédio da av. Ipiranga, nº 1.225). Com 14 andares, “três elevadores de alta velocidade e acabamento de boa qualidade”, o prédio da Ipiranga recebeu o nome de “Thelio da Costa Monteiro”, homenagem ao presidente do TST da época, advindo da 2ª Região Trabalhista – e que esteve presente na sessão de inauguração.


Interessante observar, porém, que no mesmo ano de 1971, o presidente do TRT-2, Homero Diniz Gonçalves, já apontava, no Relatório Anual de Atividades, a falta de espaço para a instalação das nove juntas criadas pela Lei nº 5.643/1970. O prédio da Ipiranga, portanto, recém-inaugurado, era insuficiente para a instalação das novas juntas (já que, quando de sua negociação e compra, as novas unidades jurisdicionais não estavam previstas – mas já eram discutidas). No mesmo relatório, o presidente já sondava a aquisição de um outro prédio, na av. Cásper Líbero, nº 595, que pertencia, à época, ao Banco Central (por sinal, na rua detrás do prédio da Brigadeiro Tobias, que, até o ano anterior, tinha abrigado nossa sede).
Essa batalha do Tribunal entre falta de espaço e necessidade de novas instalações é uma constante em nossa história. Fato é que a Justiça do Trabalho da 2ª Região viu sua demanda crescer ano a ano. O ritmo maior de entrada de processos gerava, invariavelmente, um pedido de aumento da quantidade de juntas, servidores e juízes. Em um momento em que era pouca a verba existente, sendo apenas possível resolver o problema presente, pensar em soluções a médio e longo prazo era uma alternativa praticamente inviável. Talvez a primeira vez que se tenha feito isso tenha sido com o prédio da Rio Branco – ainda que sem tanto sucesso – e, depois, de forma mais assertiva, com o da Consolação.
Como era de se esperar, aquele prédio da Rio Branco, pouco a pouco, foi se mostrando insuficiente para o tamanho do Tribunal. Além do espaço já ocupado pelos juízes e unidades administrativas e judiciárias lá existentes, uma novidade, em 1979, fez com que se tornasse premente a mudança: a Lei nº 6.635/79, que aumentou a quantidade de juízes de tribunal de 17 para 27.
O servidor aposentado Hermas Lavorin, que atuou no TRT-2 entre 1966 e 1991, e trabalhava na 1ª Turma na época, concorda: “Era gostoso porque era uma família quando estávamos na Rio Branco, porque era um prédio pequeno. Mas com os projetos de aumento do Tribunal, tínhamos que mudar. Não havia mais espaço físico para colocar mais Turmas”. Até mesmo a celebrada existência de dois elevadores tornou-se um problema: afinal, eram agora “só” dois elevadores (que viviam lotados e sempre com grandes filas). Eram apenas 11 andares para um Tribunal que crescia vertiginosamente.
A verdade é que tudo isso foi levado em consideração. E o prédio foi ficando obsoleto – e pequeno – para seu propósito.
Era preciso encontrar um prédio maior, melhor. E também com uma boa localização, se possível. Isso porque apesar das “boas instalações” na Rio Branco, da porta para dentro, a situação não era a mesma da porta para fora. A região, até mesmo naquela época, já era bastante criticada.
Corina Maria Leite, servidora que atuou no TRT-2 entre 1973 e 1992, recorda que a região era parecida com o que é hoje: “Naquela época, já existiam prostitutas e ladrões por lá, mas havia também uma espécie de acordo tácito: e eles nunca mexiam com a gente“.

Em seu depoimento para o projeto “Memórias Narradas”, a servidora aposentada Dayse Conrado Bacchi menciona essa situação. Dayse conta que, na Rio Branco, o Tribunal ficava entre a Timbiras e a Aurora. Em sua opinião, local ainda pior do que os endereços anteriores: “Eu me lembro até que tinha um cinema, na frente do Tribunal. O ano inteiro passava filme pornográfico, na Semana Santa, passava a vida de Cristo”, relembra entre risos. Dayse atuou no TRT-2 entre 1958 e 1987, sempre na Seção de Certidões e Traslados, o que permitiu que pegasse o Tribunal instalado em quatro de suas seis sedes.
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A procura pela nova sede
A aquisição do prédio da Consolação demorou algum tempo para se concretizar. Segundo o servidor aposentado Edison Vieira Pinto, que trabalhava no setor financeiro do Tribunal à época, por cerca de três anos o TRT-2 possuiu a verba para fechar uma negociação, mas não conseguia localizar um prédio que fosse adequado. Segundo Dedé, como é conhecido o servidor, que atuou no TRT-2 entre 1964 e 1986, diversos prédios foram visitados ao longo do tempo.
Um dos primeiros que foi levado em consideração ficava no Largo de Santa Cecília: era a antiga sede das lojas Clipper, a primeira em São Paulo a instalar um equipamento de escadas rolantes (em 1943, na unidade da av. Brigadeiro Luiz Antônio) – e também a loja responsável pela “criação”, em 1953, do Dia dos Namorados no Brasil, em campanha desenvolvida por João Doria, pai do atual governador do estado de São Paulo.




Houve ainda um prédio na rua 7 de Abril, segundo Dedé, um antigo museu de arte. Trata-se do primeiro endereço que recebeu o Museu de Arte de São Paulo, entre 1947 e 1950. O museu, que nasceu como uma instituição particular, fundada por Assis Chateaubriand, foi inaugurado em uma sala de mil metros quadrados dentro dos “Diários Associados” (do mesmo proprietário).
Até mesmo um terreno na Barra Funda (segundo informações, no local que hoje abriga a estação rodoviária) foi levado em consideração, mas ele exigia a construção de um prédio.

Foram, no total, três os endereços vistos, analisados e recusados até chegarmos a 1979, quando finalmente a decisão foi tomada. A lavratura da escritura de compra e venda do prédio da Consolação seria assinada em 17 de dezembro daquele mesmo ano.

Originalmente, o prédio da rua da Consolação teria outro fim: seria um luxuoso hotel, daí seu nome “Palácio das Américas”, como ganhou fama o edifício nos jornais da época. A construtora, porém, garantiu que seriam feitas todas as modificações necessárias. Incluindo a retirada do projeto das famigeradas banheiras, que ficariam nos (que agora seriam) gabinetes (e que acabou por virar lenda entre aqueles que falavam sobre o “suntuoso prédio da Consolação” que o TRT-2 havia comprado). Mesmo não existindo banheiras ou saunas, por anos falou-se nisso.
Em pouco tempo, começariam as obras de adaptação do prédio.
Não contavam com os advogados
Outro fator muito lembrado nessa história é que a OAB e as associações de advogados (de São Paulo e Trabalhistas) não queriam a mudança de jeito nenhum. E tentaram a todo custo impedi-la. Mas o caso aqui é um pouco mais complicado.
Naquela época, as condições do TRT-2 eram lamentáveis – para se dizer o mínimo. O orçamento era enxuto, havia falta de funcionários e magistrados. Os salários eram baixos. O servidor aposentado Luiz da Silva Falcão conta, em seu depoimento para o projeto “Memórias Narradas”, que o salário que ele recebia era inferior ao salário mínimo e o Tribunal tinha que completar com uma verba para conseguir chegar no menor valor exigido pela legislação. As coisas não eram fáceis.
O TRT-2 contava ainda com outros dois prédios (Ipiranga, 1225 e Cásper Líbero, 88 – o antigo prédio do jornal “A Gazeta”), que reuniam as 32 juntas de conciliação e julgamento existentes na capital na época. Todas estavam localizadas no centro. Nenhuma delas bem instalada, é verdade. Havia várias reclamações: de falta de salas de espera a falta de banheiros para o público. Além, claro, da total falta de conforto para os usuários.
Na edição de 3 de abril de 1976, o jornal “O Estado de S.Paulo” já abordava essa situação – de falta e de excessos. Enquanto faltavam banheiros, magistrados e conforto, sobravam filas nos elevadores e processos aguardando solução. A situação já era difícil quatro anos antes.

O desembargador aposentado José Carlos da Silva Arouca, atuante advogado sindical na época, afirma que a situação era bastante grave: “Nós queríamos que resolvessem os problemas das juntas de conciliação. Lá não tinha banheiro para advogado – a gente tinha que pedir ‘por favor’ para alguma secretaria em que a gente era mais conhecido para emprestar o banheiro. Não tinha absolutamente nada”. Arouca foi o quinto colocado no IV Concurso da Magistratura, realizado durante o Regime Militar, mas teve sua nomeação preterida em decorrência de uma possível ligação com o Partido Comunista. Nomeado pelo Quinto Constitucional em 1999, em uma espécie de compensação pelo ocorrido décadas antes, Arouca atuaria anos depois na Consolação como desembargador da casa.
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Segundo ele, os advogados queriam que as juntas fossem antes instaladas com maior dignidade. E que todos tivessem melhores condições de trabalho. Por esse motivo foram feitas diversas manifestações em frente ao prédio da av. Ipiranga, que abrigava grande parte das juntas (e o que mais sofria reclamações). Assim foi o início dessa história, segundo Arouca. Aos poucos, porém, ela foi tomando novos rumos.
Um pouquinho de política envolvida
Se por um lado o Tribunal afirmava que o prédio da Rio Branco já não era mais adequado e que a mudança da sede estava definida, por outro, a advocacia trabalhista da época recusava-se a acreditar que, diante da possibilidade de uma solução para todas as juntas de conciliação (inclusive as 13 que ainda seriam instaladas, criadas pela Lei nº 6563/1978), com a unificação de todas elas no prédio da Consolação, o Tribunal realizaria a mudança apenas de sua sede, que, por mais que fosse importante, ainda estava, segundo relatos, bem instalada na Rio Branco (apesar de todos os pesares).
Foram meses de protestos e cartas abertas à sociedade. Era um movimento dos advogados que lidavam diretamente com a primeira instância da Justiça do Trabalho.

Segundo o desembargador aposentado Arouca, um dos grandes “agitadores” desse movimento, tratava-se de uma luta da classe. Arouca conta que, em determinado momento, com a proximidade da mudança, os advogados conseguiram até um caminhão de som emprestado do Sindicato dos Metalúrgicos (ao qual ele próprio prestava serviços) para as manifestações em frente ao prédio da Ipiranga. Mas, ainda de acordo com seus relatos, de repente, a luta da advocacia “começou a virar uma questão política”, quando passou a envolver juristas renomados e políticos locais. O movimento, aos poucos, começava a se distanciar da realidade vivida por eles e até mesmo do pleito feito pela advocacia.
A movimentação dos advogados passou, em pouco tempo, a ser uma movimentação da máquina judicial.
A evolução do caso
O servidor aposentado Adilon Arantes de Faria, que atuou no TRT-2 entre 1958 e 1990, e trabalhava na 1ª Turma do Tribunal à época, lembra-se muito bem da movimentação dos advogados, contrários à mudança: “Ficaram inventando um monte de coisas, colocando empecilhos para não realizar a compra”.
Inventada ou não, essa foi a forma como as informações chegavam aos advogados, em uma época em que transparência não era um princípio tão consolidado na Administração Pública. De uma hora para outra, os advogados descobriram que a segunda instância do Tribunal iria para um prédio que era para ser um hotel. “Se você visse como ele era no começo, tinha um local lá no ultimo andar que era todo envidraçado, que era para baile, para festas, para banquete…”, lembra um inconformado dr. Arouca:
“Nós queríamos que fosse um prédio que fosse compatível com o tribunal e não um prédio para servir de hotel. Queríamos que resolvesse antes os problemas das juntas de conciliação e julgamento: essa era a nossa bandeira, a nossa reivindicação como advogados”.

Em 10 de abril de 1980, alguns jornais de grande circulação, como é o caso de “O Estado de S.Paulo”, publicaram uma carta conjunta da Seccional São Paulo da OAB (à época presidida pelo advogado Mario Sergio Duarte Garcia), da Associação dos Advogados de São Paulo (presidida à época por Luiz Olavo Baptista) e da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (presidida à época por Agenor Barreto Parente).
Mario Sergio Duarte Garcia é sobrinho de Décio de Toledo Leite, antigo presidente do Tribunal. Mario Sergio chegou a ser servidor do TRT-2 em suas primeiras décadas de existência – foi inclusive mencionado por Décio Luiz de Toledo Leite, filho do ex-presidente, durante a entrevista concedida para o projeto “Memórias Narradas” (o episódio ainda será publicado). Já Agenor Barreto Parente, falecido em 2019 dá nome à sala dos advogados existente em um dos andares do Ed. Sede do Tribunal, o mesmo contra o qual ele protestou – mais uma vez o espirituoso destino entrando em ação.



A carta, datada de 27 de março de 1980, valorizava a importância da Justiça do Trabalho, reivindicava melhor tratamento a ela, ressaltando a insuficiência do quadro de funcionários e os baixos salários pagos para servidores e magistrados. Reforçava ainda as más condições de instalação das juntas de conciliação nos dois prédios existentes, que seriam ampliados para três com a mudança da sede do tribunal para o recém-adquirido e “majestoso” prédio da rua da Consolação, onde, ainda de acordo com a carta, seria “instalado com todas as condições de conforto e comodidade, o que é até louvável, mas é inadmissível [que] se relegue a segundo plano as condições de funcionamento das juntas de conciliação e julgamento, com um mínimo de conforto e segurança [para o] volume de frequentadores”.


Segundo Edson Martins Cordeiro, advogado trabalhista e um dos fundadores da Associação dos Advogados Trabalhistas, em 1978, a Justiça do Trabalho sofria forte preconceito – assim como a classe de advogados e magistrados que nela atuavam. Cordeiro lutou durante décadas por melhores condições para o ramo da Justiça no qual atuava. Em tempos de “justicinha”, não é de se duvidar que a situação fosse de fato grave.
Cordeiro teve participação ativa durante todo o ano de 1980 na questão da mudança. Inconformado com a situação, e com o objetivo de unificar a Justiça do Trabalho, o advogado, no dia 13 de maio, solicitou ao TRT-2 informações acerca das condições da aquisição do prédio. Ele queria encontrar uma possibilidade de reverter essa mudança.
O desenrolar dessa história não ficou muito claro em nossas pesquisas, uma vez que a próxima menção ao pedido, e não diretamente, na verdade, veio apenas na edição do dia 25 de julho do jornal “O Estado de S. Paulo”, em que uma reportagem informava que alguns juízes do Tribunal haviam pedido a sustação da mudança para que a compra fosse averiguada.
Outro importante articulador do movimento foi Francisco Gimenez. Gimenez era membro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo e também vereador na capital paulista. No dia 17 de julho, reportagem do jornal “O Estado de S.Paulo” trazia a revolta do político e advogado em relação ao tribunal.
O vereador chamava a atenção para o tamanho do novo prédio (27 andares, segundo ele – uma confusão com os 27 juízes de tribunal existentes à época, com os 24 andares do edifício), que receberia apenas a segunda instância. Um absurdo, em seu entendimento, uma vez que as 32 juntas estavam “espalhadas” em dois prédios no centro de São Paulo (sendo 23 na Ipiranga e nove na Cásper Líbero, em uma distância de menos de 500 metros, cumpre-me informar), em “prédios absolutamente acanhados e de forma inteiramente improvisada”.


A reportagem menciona que o prédio da Ipiranga recebia diariamente cerca de 5 mil pessoas e que no local havia apenas dois banheiros para o público: um no 7º e outro no 14º andar. Além disso, os corredores haviam sido “transformados em salas de espera por falta de espaço”. A situação, segundo Gimenez, piorava devido à criação das 13 novas juntas, o que faria, inevitavelmente, que se tivesse que instalá-las em um terceiro prédio, o que “poderia muito bem ser resolvido com a centralização das juntas no suntuoso prédio da Consolação”. O Tribunal, porém, tinha outros planos. A ideia era, uma vez na Consolação, realizar as adaptações da antiga sede para receber as novas juntas, criadas, mas ainda não instaladas (o que aconteceria apenas em setembro de 1981).
Até o dia 7 de junho, o advogado Edson Martins Cordeiro não tinha obtido resposta quanto a seu pedido de esclarecimentos perante o Tribunal. Diante da situação, impetrou um mandado de segurança. Três dias depois, foi realizada uma sessão para a definição do relator do mandado de segurança. A sessão foi presidida pelo presidente do Tribunal à época, Nelson Virgílio do Nascimento, autoridade coatora no mandado de segurança. O juiz sorteado foi Aluysio Simões de Campos (juiz que havia sido nomeado em 1978, vindo da OAB. Aluysio foi delegado Regional do Trabalho durante a década de 1970 e seria presidente do TRT-2 entre 1982 e 1984). O magistrado indeferiu a liminar no mandado de segurança. O caso, porém, estava longe de seu fim.

O infindável mês de agosto
O mês de agosto no TRT-2 foi, durante décadas, no último ano da gestão de um presidente, o mês que antecede a posse do novo gestor (que geralmente acontecia no dia 15 de setembro). Por isso, não é de se estranhar que o presidente Nelson Virgílio do Nascimento quisesse efetivar a mudança para o tão sonhado novo prédio ainda em sua gestão. Afinal, não só a localização do edifício, mas também sua aquisição, tinham acontecido durante seu mandato. Assim, na sessão administrativa do dia 5 de agosto, esse foi um dos assuntos discutidos. Naquele dia, o Pleno autorizaria o início da mudança da sede do tribunal para a rua da Consolação, a partir do dia 8 de agosto.
Um dia antes do início definido da mudança, o Tribunal decidiria acerca da liminar impetrada meses antes pelo advogado Edson Martins Cordeiro. Diante do indeferimento, e ciente da autorização do início da mudança, o advogado entrou com uma ação popular, distribuída na Justiça Federal da 3ª Região, contra a aquisição do novo prédio e questionando o uso a ser dado pelo TRT-2 para esse mesmo edifício. Era o início da batalha judicial.
Segundo Cordeiro, a ação tinha como principal objetivo lutar por melhores condições para a primeira instância: “A ideia era transferir toda a Justiça do Trabalho para o prédio da Consolação, porque lá era grande”. Segundo o advogado, em depoimento ao Centro de Memória do TRT-2, no novo prédio seria possível instalar todas as juntas: “E assim poderíamos fazer todas as audiências em um mesmo local. Era esse o objetivo: a gente queria a unificação da Justiça do Trabalho em um único prédio”.
No dia 8 de agosto, em frente ao prédio do Tribunal na av. Ipiranga, nº 1.225, advogados trabalhistas, membros da OAB-SP, da Associação dos Advogados de São Paulo e da Associação do Advogados Trabalhistas de São Paulo reuniram-se para um ato público “Pela Unificação da Justiça do Trabalho”. A manifestação contou com a participação de cerca de 200 advogados e com diversos oradores, dentre eles Mário Carvalho de Jesus (atuante advogado trabalhista da época,), o vereador Francisco Gimenez, Agenor Barreto Parente e Eduardo Gilberto.


Mario Carvalho de Jesus, por sinal, foi um dos fundadores, em 1958, da Frente Nacional do Trabalho, organização de trabalhadores de orientação anticomunista (mas cristã e humanista) e advogado que teve atuação marcante durante a Greve de Perus. Mario Carvalho foi ainda um dos signatários da denúncia formalizada à Organização Internacional do Trabalho – OIT – contra a intervenção administrativa que sofria o sindicato dos trabalhadores na Fábrica de Cimento Perus – como consequência, ocorreu a liberação do sindicato e, anos depois, a inserção, em nossa Carta Magna de 1988, da proibição de toda e qualquer interferência ou intervenção administrativa na vida sindical (art. 8º, inciso I). Perseguido durante o Regime Militar, consta em sua ficha no Dops a participação no ato da av. Ipiranga, no qual teceu “críticas àquela Justiça e ao seu titular, que chegou a ser taxado de ‘ditador’”.
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O ato da advocacia foi destaque de capa da edição do dia 9 de agosto do jornal “Folha de S.Paulo”. De acordo com o veículo, os advogados protestavam contra a compra do edifício. Mas também para reivindicar a unificação das juntas de conciliação da capital. Segundo o veículo, os advogados acreditavam que o novo prédio “deveria destinar-se à instalação das 45 juntas de conciliação e julgamento de São Paulo e não aos 27 juízes da segunda instância”. O ato já havia sido decidido uma semana antes, em assembleia. Naquela manifestação, via-se com clareza o principal objetivo dos advogados: o uso que seria feito do novo e “suntuoso” edifício (assim como mencionado pelo desembargador Arouca) – e não exatamente sua compra.



Enquanto isso, no “Palácio das Américas”…
O Tribunal seguia com seus planos de transferência. Caminhões de mudança revezavam-se entre os prédios para levar caixas e mais caixas de processos e documentos. O mobiliário da Consolação era novo, por isso mesmo não houve tanta dificuldade em relação a isso. Mas o Arquivo foi também totalmente transferido para a Consolação. Eram muitos os processos, objetos e algumas partes do mobiliário existente que precisavam ser removidas. Os caminhões iam e voltavam ao longo de todo o dia.
Para Dalmo Dalbem Câmara o ir e vir de caminhões foi uma das coisas mais marcantes daquela história: “Pra mim, era uma grande brincadeira. Eu nunca tinha visto uma mudança de um prédio inteiro, uma mudança tão grande assim”. Dalmo conta que foi informado por seu pai sobre o deslocamento que aconteceria, mas, em sua cabeça de criança, as coisas seriam diferentes: algumas caixas, um caminhão e pronto. Mas não foi bem assim: “Foi uma mudança de grande porte. No dia, chegaram vários caminhões, várias pessoas para fazer esse deslocamento, para ver o que seria levado, para encaixotar tudo. Eu achei aquilo incrível, sensacional”, relembra.
Dalmo conta que acompanhou o “desmonte” e toda a mudança da Rio Branco. Aos poucos, conforme a papelada ia embora, uma certa tristeza tomava conta: “O prédio foi desocupado por andar, não lembro se de cima para baixo ou debaixo para cima. E era estranho entrar naqueles andares que antes estavam ocupados, que tinham mobiliário. Porque os móveis de escritório ficaram. Mas, em alguns andares, eu não sei o que aconteceu, ficaram vazios, ou então encostaram os móveis em um canto. Em outros, só ficava aquele monte de cadeiras. Eu conhecia muito bem aquele prédio, fui criado nele. Ver tudo aquilo foi dando uma sensação de vazio enorme“, relembra.
Sob a responsabilidade de Isabel de Castro Mello, diretora da Administração da época (falecida em 2019), a mudança foi, apesar de intensa, bastante organizada. Por isso mesmo, foram poucos os dias de mudança, mas muitos os de organização. E da forma como foi planejada, quase não se perdeu tempo. Alguns setores, em poucos dias, retomaram suas atividades normalmente. Não se esperava menos de uma mudança sob o comando de Dona Isabel, sinônimo de organização e ordem. Segundo Dalmo, o desmonte e transporte levaram cerca de três dias: “Não demorou muito”.
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Quem olhava o Tribunal, tinha a impressão de que ele agia como se nada estivesse acontecendo ao seu redor. Mas não era bem assim. A Administração do Tribunal estava preocupada. Tanto que, no dia 14 de agosto, o presidente Nelson Virgílio do Nascimento, agendou uma audiência de conciliação em dissídio coletivo. O fato chegou ao conhecimento do Centro de Memória graças à ata da sessão do dia 19 de agosto, que a menciona. Mas foi muito mais interessante descobrir que o advogado representante do sindicato dos trabalhadores era o desembargador aposentado José Carlos da Silva Arouca. Ele próprio conta a sua versão da história.
Arouca relatou ao Centro de Memória que, muito contrariado, teve que comparecer ao local que tanto desprezava para ser a nova sede do Tribunal. Arouca afirma que ele próprio foi vítima de um ardil do presidente Nelson Virgílio do Nascimento. O dissídio em questão era do ramo da alimentação. Segundo Arouca, não havia o que fazer: “Ele marcou uma audiência e eu tive que comparecer. Eu não ia deixar um processo daquela ordem, que envolvia milhares de trabalhadores. Eu não podia deixar que os dirigentes sindicais ficassem lá sozinhos com os patrões, então, eu fui”.
O desembargador aposentado lembra que o Tribunal ainda não estava instalado (“ainda sem mobiliário ou pessoal”) e mesmo com todos os rumores da grandiosidade e suntuosidade do edifício, conta que estava com tanta raiva que entrou no prédio, pegou o elevador, fez a audiência e foi embora. Não deu nem tempo de ver nada. Estava enfurecido. Como imaginou à época, a audiência serviria de argumento para a mudança da sede: “Ele falou que os sindicatos estavam de acordo, por causa da audiência que tinha acontecido. Mas não estavam de acordo coisa nenhuma”, expõe.

Pouco a pouco, o Tribunal se preparava para retomar suas atividades junto ao público no dia 25 de agosto. Mas claro que as coisas não seriam exatamente assim.
A fatídica liminar
A ação popular, movida pelo advogado Edson Martins Cordeiro, foi distribuída para a 7ª Vara Federal, sob o comando do juiz Márcio José de Moraes, o mesmo que havia, dois anos antes, chamado a atenção da imprensa por, de forma corajosa, ter condenado a União no processo movido por Clarice Herzog, viúva do jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog, morto na sede do DOI-Codi em São Paulo, em 1975.

Naquele 15 de agosto, um despacho de Moraes traria uma reviravolta na situação do TRT-2. O magistrado da Justiça Federal havia concedido uma liminar frustrando a efetivação da mudança. A decisão ainda impedia qualquer ocupação do “Palácio das Américas” e previa uma permissão para que o presidente do TRT-2 retirasse do prédio da Consolação objetos que já tivessem sido transportados para o novo endereço e que fossem necessários para o funcionamento da sede do tribunal na av. Rio Branco. Em sua decisão, o juiz alega que levou em consideração que “a mudança imediata e ocupação total do prédio pelo egrégio Tribunal Regional do Trabalho não só redundaria em maiores despesas para o erário, como criaria um fato consumado e, talvez, irreversível”, como menciona o jornal “O Estado de S.Paulo” em sua edição de 16 de agosto. Era como se ele conseguisse antever os acontecimentos.
A notícia da liminar foi recebida com alegria e muita festa pelos advogados, que se encontravam em frente ao prédio da av. Ipiranga, em nova manifestação. O portador da notícia foi o próprio autor da ação, que chegou ao ato no momento em que o também advogado Agenor Barreto Parente se pronunciava “no ‘palanque’ (um caixote de madeira na calçada)”, segundo o jornal. Houve abraços e queima de fogos em comemoração à decisão. Ocuparam a “tribuna” também os advogados José Carlos da Silva Arouca e Francisco Gimenez, dentre outros. O fato ganhou a capa do jornal “Folha de S.Paulo” do dia 16 de agosto.

Apenas para fins de contextualização, estávamos em 1980, no 16º ano de Governo Militar. A anistia tinha sido concedida no ano anterior, por meio da Lei nº 6.683/1979, assinada pelo presidente João Figueiredo, na esteira do processo de abertura, lenta e gradual, proposto pelo Regime. Os primeiros grandes movimentos grevistas já começavam a acontecer – vide as greves da Scania, em 1978, e a greve dos metalúrgicos, em 1979 (quando, por sinal, começa a despontar a figura de Luís Inácio da Silva como importante líder sindical da época). O TRT-2 tem participação fundamental nesse momento da história.

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Não era de se estranhar, portanto, que houvesse manifestação por parte de uma ala contrária à mudança. O próprio secretário do Trabalho, Sebastião de Paula Coelho, afirmaria isso, poucas semanas mais tarde, reforçando a “naturalidade” desse movimento: “São normais, dentro do processo de abertura”, diria, ao ser questionado sobre as manifestações, à época da inauguração do prédio.
A ordem do dia é “mudar”
Com ou sem liminar, porém, a ordem no TRT-2 era “mudar”. Foi isso que revelou a “Folha de S.Paulo” na mesma reportagem do dia 16. O jornal afirmava que a mudança havia começado na noite da quarta-feira anterior (13 de agosto – cinco dias depois do que o Tribunal fez constar em ata) e que durante toda a tarde caminhões de uma empresa de mudança finalizavam apressadamente a transferência dos últimos móveis que ainda restavam na Rio Branco. Segundo o jornal, às 19h daquela sexta-feira, o Tribunal já estava em sua nova sede.
Naquele dia, porém, o presidente do TRT-2 não foi localizado pelos oficiais de justiça para receber a citação, que o “informaria” da decisão do juiz Márcio José de Moraes. Os servidores da Justiça Federal chegaram à sede do TRT-2 no início da tarde e “esperaram até o anoitecer, informados pela diretora administrativa do TRT, Isabel de Castro Mello, de que o presidente poderia chegar ‘a qualquer momento’”.
Os jornais da época mencionam três nomes diferentes de oficiais que fizeram diligências, dentro desse mesmo processo. Um deles, porém, foi mencionado em mais de uma reportagem do jornal “Folha de S.Paulo”: Geraldo Fernandes (no veículo, seu nome é grafado “Fernando”, incorretamente), servidor que atuou no TRF-3 entre 1978 e 1998. Fernandes, que atualmente mora na cidade de Presidente Alves, concedeu entrevista à equipe do Centro de Memória recentemente, na qual afirmou lembrar de poucas passagens do caso. Mas recorda-se, entre risos, de uma delas: “A situação chegava a ser engraçada. Eu não lembro exatamente quem me atendeu em uma das vezes em que fui fazer a citação. Eu estava lá com o papel e de repente ela pegou-o da minha mão e saiu para levar para alguém. Eu só ouvi o barulho de uma porta e uns passos, descendo escadas. Tive que gritar: ‘Você não pode ir sozinha, eu tenho que ir junto!’”. Talvez fosse Isabel. Fernandes conta que a sensação que teve era de que ela quisesse avisar alguém, mas sem deixar essa pessoa receber a citação. Afinal, enquanto não houvesse citação, o prazo não poderia correr. E a mudança continuaria, até sua concretização.

Edison Vieira Pinto, diretor financeiro do TRT-2 à época, afirma que foi nesse momento que a mudança do Tribunal para a Consolação acabou virando “uma epopeia”. Segundo ele, estava tudo bastante organizado até aparecer a liminar: “Aí foi um ‘pega para capar’. O próprio presidente do tribunal, dr. Nelson Virgílio, deu uma de foragido. Ele ‘fugiu’ para não ser intimado pelo oficial de justiça. Então, [durante] a tarde, [durante] a noite e [durante] a madrugada toda, nós, inclusive todos os funcionários, participamos disso. Era o caminhãozinho lá, lotava o caminhão, levava e jogava lá no prédio. Voltava, enchia o caminhãozinho, levava lá e jogava no prédio… amanhecemos no local. Mudando e colocando material… para sacramentar a posse do edifício. Eu sei que de madrugada, eu estava em cima de um monte de caixa, lá no primeiro subsolo. Sujo, suado, cansado, que nem cachorro doido, mas como eu, todo mundo, todo mundo participou, foi uma aventura, uma epopeia”.

A servidora aposentada Mirna Loi Silva, que atuou como telefonista do Tribunal entre 1971 e 1991, recorda-se dessa história como “um auê“. Mirna conta que, quando aconteceu a mudança, o prédio ainda estava em obras: “A gente [do setor de Telefonia do Tribunal] ficou jogado no subsolo. Parecia retirante”, conta, com seu jeito debochado. A lembrança é complementada pela de Dalmo, o filho do “Seu” Câmara e de Dona Zezé, que conta que apesar da rapidez no trasladar dos papeis e mobiliários, a distribuição do material foi uma etapa mais complicada, em especial depois que a mudança teve que acontecer a toque de caixa: “Lembro que muita coisa ficou no primeiro subsolo e no salão de entrada do prédio. Ficou apinhado de caixa perdida, que não sabia para onde iria”. Segundo o servidor, foram ainda uns 15 dias para descobrir o destino de guarda de todas as caixas.
Mirna conta que a mudança foi dividida em partes: “A gente mudou durante o dia, mas teve gente que mudou durante a noite”. Foi o caso da servidora aposentada Carmen Pinto de Castro, que atuou no TRT-2 entre 1969 e 1980, e à época trabalhava no gabinete do juiz de Tribunal Francisco Pugliese, da 3ª Turma. Segundo ela, a mudança “foi apressadíssima. A gente recebeu ordem para transportar tudo pela noite para, de manhã, já ajeitar os gabinetes”, relembra.
Dessa forma também se recorda Corina Maria Leite, que atuava no Setor Médico do Tribunal em 1980. Sua experiência com a mudança foi um pouco diferente das experiências de Dedé e de Mirna. Cora, como é conhecida, nos relatou que a mudança foi bastante fácil, apesar de todo o trabalho braçal. Segundo seu depoimento ao Centro de Memória, tudo foi programado: “Nem existia esse termo naquele tempo, mas a logística foi muito bem aplicada. Nós mudávamos por andar, então você já sabia em que dia aconteceria a mudança. Tínhamos tempo de encaixotar tudo e, no dia seguinte, as coisas da seção já estavam lá no prédio novo. Era só colocar dentro do armário”, lembra. Seu setor foi um dos que mudaram à noite.
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Cora guarda, porém, uma mágoa. Ela revela que o único problema eram alguns servidores de junta que colocavam nos servidores do Tribunal a culpa pela transferência da sede: “Essa foi a parte ruim da história. Que culpa tínhamos nós? Nós éramos funcionários ali. Tinha que mudar, nós vamos mudar“. Cora lembra que uma vez estava almoçando e já tinham alguns servidores de juntas no local. A servidora conta que ela e seus colegas de setor começaram a sofrer ofensas: “A ponto de o dono do restaurante se oferecer para levar a comida no setor médico. Foi a única parte amarga da mudança”.


O fato é que era necessário mudar. Era a ordem. Pronto ou não o prédio. Querendo ou não os advogados. Ou os colegas das juntas. E assim foi feito. “E depois que já tinha tomado posse, o dr. Nelson Virgílio apareceu e ficou sem sentido a intimação dele, não é?”, relembra Dedé, entre risos.
No dia 18, segunda-feira, os oficiais de justiça da 7ª Vara Federal já estavam no TRT-2 logo cedo. Às 14h45, o presidente do Tribunal foi localizado, como mencionou Dedé, para a tomada de ciência da liminar. Mais uma vez foi Fernandes quem realizou a diligência. O jornal “Folha de S.Paulo” do dia 19 de agosto conta que mesmo citado, ainda havia veículos trazendo móveis e documentos da Rio Branco, além de funcionários da construtora Chohfi-CBH retirando andaimes e tapumes do local. Segundo o veículo, “pouco depois das 17 horas, começou a limpeza do pátio externo”.
O Tribunal, no entanto, continuava fechado ao público (oficialmente, em recesso administrativo até o dia 25 de agosto). A reportagem menciona que as “dezenas de pessoas que procuraram a sede do TRT na av. Rio Branco encontraram o prédio fechado. Na porta, um funcionário dizia que nada podia informar, aconselhando o público a se dirigir ao edifício da rua da Consolação, cujo número ele não sabia com certeza”.
Cora lembra que os advogados pareciam estar sempre de plantão ali pela Consolação. Então, quando os servidores que já haviam mudado saíam do prédio, os advogados vinham conversar com eles: “Eles faziam perguntas, como se a gente soubesse responder alguma coisa. Era muito constrangedor”.

A terça-feira, 19 de agosto, foi de intensa atividade na 2ª Região Trabalhista. Reportagem do jornal “O Estado de S.Paulo” afirma que, mesmo citado, o presidente do Tribunal, Nelson Virgílio do Nascimento, não havia determinado a suspensão da mudança, até o fim daquele mesmo dia. Na verdade, a mudança já havia sido feita e ele se articulava internamente: o juiz classista, representante dos empregadores, Wilson de Souza Campos Batalha, mantinha contatos em Brasília para obter a suspensão da liminar, via Tribunal Federal de Recursos (na época, ainda não existiam os Tribunais Regionais Federais, criados apenas em 1989. Assim, os recursos iam todos para o TFR). Enquanto isso, os juízes de tribunal (atual cargo de desembargador) Bento Pupo Pesce (que era o vice-presidente à época) e Francisco Garcia Monreal Junior estiveram na 7ª Vara Federal para conversar com o juiz Marcio José de Moraes. A intenção era que o juiz reconsiderasse sua decisão.
Em paralelo, os advogados também se articulavam. Mario Carvalho de Jesus foi um dos que rumou a Brasília para tentar dissuadir alguns dos magistrados do TFR sobre a importância da manutenção da liminar do juiz Marcio José de Moraes. Carvalho de Jesus conversou com os ministros José Neri da Silveira e Jarbas dos Santos Nobre, presidente e vice-presidente do TFR, além de ter passado pela Procuradoria-Geral da República. A reportagem do “Estadão” mencionada que no dia 20 haveria uma coletiva de imprensa com advogados trabalhistas e dirigentes sindicais para falar sobre o assunto. Mas não localizamos informações sobre ela.


No mesmo dia 19, o juiz Marcio José de Moraes mantinha sua liminar, determinando a ida de dois oficiais de justiça para o prédio da Consolação, a fim de verificar a obediência, por parte do Tribunal, de sua determinação.
O dia 19 continuaria agitado. Às 18h, na Consolação, aconteceria uma sessão administrativa extraordinária (a primeira do prédio, ainda que não fosse a oficial). Na sessão ficou definido que a mudança seria mantida, mas que, em respeito à liminar concedida pela 7ª Vara Federal, o Tribunal suspenderia suas atividades (o recesso administrativo seria entre os dias 18 e 25 de agosto). Por fim, os juízes votaram por autorizar o presidente a tomar todas as medidas necessárias para retomar o funcionamento do Tribunal, ainda que fosse necessário recorrer à Justiça.

Naquele dia, o presidente deixava claro que não haveria “condições de retorno do Tribunal ao imóvel da av. Rio Branco, já sob providências de adaptação para instalação de juntas de conciliação e julgamento”, como fez questão de deixar consignado na ata, assinada por ele, Nelson Virgílio do Nascimento, e pelo secretário do Tribunal Pleno, Waldir Carvalho (servidor entre 1949-1982, falecido em 2006).
No dia 20 de agosto, oficiais de justiça da 7ª Vara Federal estiveram no prédio da Consolação para verificar se a liminar estava sendo cumprida. Novamente, entrava em ação Geraldo Fernandes. Segundo Fernandes, naquele dia foi possível percorrer todo o prédio e suas repartições, que já estavam ali, prontas, trabalhando normalmente, mais ainda fechadas para o público externo. Segundo ele, o prédio era bonito e muito grande. Mas confessa que não observou nenhuma banheira pelo prédio, ao contrário do que ouvia falar os advogados (ou ao menos não se recorda de ter visto). Nos autos da ação popular, pertencente ao acervo histórico do TRF-3, é possível ler o auto de constatação feito pelo oficial (infelizmente, devido à pandemia, não conseguimos obter acesso à íntegra do processo, que é de guarda permanente por se tratar de ação popular).
Sorte ou revés
A situação ficava cada vez mais complicada, afinal, o Tribunal já havia sido transferido, estava funcionando, mas continuava fechado ao público. Foi por isso que em 21 de agosto, o presidente Nelson Virgílio do Nascimento logo cedo estava em Brasília. Durante cerca de duas horas conversou com o presidente do TST, ministro Geraldo Starling Soares (“visita de cortesia”, segundo Virgílio do Nascimento; visita para tratar da “mudança da sede”, segundo o corregedor da Justiça do Trabalho, ministro Carlos Alberto Barata Silva, que também estava presente no encontro). Na reunião, informou que o advogado Ildélio Martins já preparava um mandado de segurança com o objetivo de suspender a liminar que impedia a mudança da sede do Tribunal. Martins foi o candidato que ficou em primeiro lugar no I Concurso da Magistratura do TRT-2, em 1953, mas que aqui atuou por apenas um ano. Em 1981, seria nomeado ministro do TST (faleceu em 1999).


Antecipando-se ao mandado de segurança, os advogados Mario Carvalho de Jesus e Edson Martins Cordeiro, autores da ação popular, encaminharam uma série de documentos ao TFR justificando a ação impetrada. Os advogados passaram a ser representados pelo jurista Hélio Bicudo, deputado federal à época. Bicudo passou a fazer fortes declarações à imprensa. Formado em direito, Bicudo participou da comissão que elaborou os estatutos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) e foi ministro da Fazenda no governo João Goulart. Como procurador de Justiça de São Paulo, nos anos 70, atuou à frente da investigação da organização miliciana “Esquadrão da Morte” (comandada por Sérgio Paranhos Fleury, temido delegado do Departamento de Ordem Política e Social – Dops) e foi um dos fundadores do PT, no mesmo ano de 1980, permanecendo no partido até 2005 (o jurista foi também um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, dez anos depois).


No dia seguinte, 22 de agosto, a liminar da 7ª Vara Federal foi cassada pelo TFR. A decisão foi do ministro José Pereira de Paiva, que, coincidências do destino, atuaria, em instância recursal, em um outro processo cuja decisão de origem era também do juiz Márcio José de Moraes. Tratava-se nada menos que o caso Vladimir Herzog (o magistrado, que atuou como relator – dias antes de sua aposentadoria, em março de 1983 – manteve a decisão de primeira instância, condenando a União).
Pereira de Paiva tinha sido nomeado em 23 de julho de 1980. Antes de completar dois meses de TFR tinha sido sorteado para o caso do TRT-2. Em seu despacho, o ministro afirmou serem “mais altos os interesses e os direitos inerentes às prerrogativas jurisdicionais do tribunal, impedido de desempenhar livremente todas as atividades” e cuja distribuição tinha ficado “estancada na sede adquirida”. No fim do dia, Nelson Virgílio do Nascimento retornava a São Paulo. No bolso, uma cópia da decisão proferida pelo TFR.
Era o fim daquela batalha. “Uma grande derrota para a advocacia”, como relembra o desembargador Arouca. E o início de uma nova fase para o TRT-2.

Apesar de a intenção de reabrir no dia 25 de agosto (havia até pauta de julgamento para esse dia), o prédio do TRT-2 foi mantido com expediente apenas interno até o dia 28. Quem informava era o vigilante Paulo José Costa de Lima. A sessão solene de inauguração aconteceria somente na sexta-feira, dia 29 de agosto.
A inauguração
No dia 29 de agosto, a nova sede do TRT-2 era inaugurada. A composição do Tribunal, naquela data, era:
- Nelson Virgilio do Nascimento (MPU – presidente)
- Bento Pupo Pesce (vice-presidente)
- Wilson de Souza Campos Batalha (classista representante dos empregadores)
- Antonio Pereira Magaldi (classista representante dos empregados)
- Affonso Teixeira Filho (classista representante dos empregados)
- Roberto Barretto Prado (togado)
- Roberto Mario Rodrigues Martins (togado)
- Henrique Victor (classista representante dos empregados)
- Marcos Manus (classista representante dos empregadores)
- Nelson Ferreira de Souza (togado)
- Antonio Lamarca (togado)
- Aluysio Simões de Campos (OAB)
- Bendito Dario Ferraz (classista representante dos empregadores)
- Pedro Benjamin Vieira (OAB)
- Octavio Pupo Nogueira Filho (togado)
- Rubens Ferrari (togado)
- Julio de Araújo Franco Filho (togado)
- Francisco Garcia Monreal Junior (togado)
- Délcio Trevisan (OAB)
- Fernando da Cunha Gonçalves (classista representante dos empregadores)
- Geraldo Santana de Oliveira (classista representante dos empregados)
- Fausto Gigliottti (classista representante dos empregadores)
- Francisco Pugliesi (classista representante dos empregados)
- Helder Almeida de Carvalho (togado)
- Vinicius Ferraz Torres (MPU – recém nomeado)
- Celso Mendes Peres Carpintero (MPU)
Naquele ano, por merecimento, ainda seria promovido, por antiguidade, José de Barros Vieira para a última vaga restante. Paulo Chagas Felisberto era o procurador regional do Trabalho. Com exceção de Barros Vieira, o nome de todos consta no painel que até hoje segue no ed. sede.
Segundo o jornal “Folha de S.Paulo” de 30 de agosto de 1980, “a cerimônia foi rápida”. Tão rápida que o desembargador aposentado Roberto Mário Rodrigues Martins, presidente do TRT-2 entre 1976 e 1978 (gestor anterior, portanto, a Nelson Virgílio do Nascimento), sequer se recorda de um grande evento: “Olha faz tempo, viu?”, comenta, entre risos, “não me lembro direito como foi feita a inauguração. Eu sei que houve a primeira sessão que se deu esse cunho de inauguração, mas nada de luxo, viu?“. Para Rodrigues Martins, toda aquela movimentação dos advogados contrários à mudança resultou em uma inauguração bastante discreta.

Segundo a Folha de S.Paulo, o evento contou “com o descerramento de uma placa” e “um breve discurso do presidente Nelson Virgílio do Nascimento” (que, por sinal, estava em seus últimos dias à frente do Regional. Em 31 de agosto, aconteceria a eleição para o novo presidente do TRT-2: o eleito seria Nelson Ferreira de Souza, magistrado de carreira, e primeiro presidente do Tribunal que havia começado suas atividades no TRT-2 como servidor – Ferreira de Souza não completaria seu mandato, falecendo no exercício de suas funções, em 1981). A sessão contou ainda com a “bênção das instalações, pelo bispo Dom Ernesto de Paula“.
O jornal não menciona, mas segundo o advogado Martins Cordeiro, houve ainda manifestação dos advogados em frente ao prédio: “A gente não pode chamar de festa a inauguração, foi uma apresentação. E nós advogados fizemos o nosso protesto”, comandado, se não lhe falha a memória, pelo advogado Agenor Barreto Parente.

A reportagem, como não poderia deixar de ser, traz uma pincelada de polêmica: o jornal faz menção ao luxo do revestimento em mármore, a não ocupação total de todas as salas (com “um número reduzido de móveis”), e ao tamanho do auditório do Tribunal Pleno, então localizado no 2º andar do edifício, de acordo com o veículo, que era “pelo menos cinco vezes maior que o da antiga sede, na av. Rio Branco”.

Muito bem instalados
De fato, como aponta a “Folha de S.Paulo”, não havia muitos móveis pelo prédio. Nada de muito luxo mesmo. Apenas o suficiente para garantir uma boa instalação a servidores e magistrados.
Não são muitos os relatos quanto à disposição dos setores pelo prédio. Mencionam que, como ainda acontece, no segundo andar estava o Serviço Médico – e também a Procuradoria e a Corregedoria. A Diretoria de Pessoal ficava no 5º andar. A Diretoria-Geral, no 8º. Alguns comentam que a Presidência ficava no 10º andar. Nos andares onde ficavam as Turmas (18º e 19º foram mencionados), de um lado estavam as Secretarias, do outro os gabinetes dos magistrados. Na garagem, Telefonia, Almoxarifado e Arquivo.
Os setores, de fato, eram grandes, bem espaçados. Algo muito diferente do que aconteceu em todas as demais instalações do TRT-2, em especial para aqueles que pegaram os tempos de Rêgo Freitas, como lembra a servidora aposentada Dayse Conrado Bacchi: “Era tudo muito apertado, as salas eram muito pequenas, as mesas quase que batiam uma na outra. Às vezes você ia empurrar a cadeira para trás e batia na mesa da pessoa que estava datilografando. Incomodava”. Adilon também comenta o quanto eram acanhadas as instalações da Rio Branco: “Era bem pequeno. Não era confortável”. A servidora aposentada Corina Maria Leite, que trabalhava no Setor Médico, reforça essa ideia: “Eu me lembro que era muito apertado. Nós tínhamos uma secretaria que era uma caixa. Éramos em quatro servidores com mesas grudadas uma na outra”.

No novo prédio, porém, para alegria de servidores e magistrados, as instalações eram amplas (sem riscos de bater na mesa do outro). O único porém eram os móveis pesados, em especial aqueles armários grandes de metal, que não podiam ficar no centro do andar (como o prédio não foi projeto para isso, corria-se o risco de a laje não aguentar). Por isso, eles ficavam todos nos cantos, bem espalhados. Arouca recorda-se também que aos poucos o peso dos próprios processos começaram a ser um empecilho: “eles passaram a colocar os processos dos dois lados do andar para manter o equilíbrio do prédio – porque era muito papel”.




Segundo o desembargador aposentado Roberto Mário Rodrigues Martins, todos ficaram muito bens instalados: “Não era muito luxo, mas dava muito bem para os juízes do Tribunal, tão somente, não é?“, faz questão de frisar: “Os juízes do Tribunal tinham lá seus respectivos gabinetes. Em outro andar estavam as salas de sessões do tribunal. Então ficava fácil para os juízes”, relembra.
Dayse não era juíza (apesar de vez ou outra ser confundida com juíza aposentada), mas concorda. Segundo a servidora aposentada, demorou para que o Tribunal encontrasse um espaço adequado, que só veio com o novo – e derradeiro – prédio da Consolação: “Aí ficamos muito bem situados”.
Quem também gostou muito da mudança foi o servidor aposentado Adilon Arantes de Faria, na época secretário da 1ª Turma. Adilon, que havia mudado em 1979 para a rua Itambé, bem atrás do Tribunal, acompanhava de sua casa a construção do prédio. Foi com (uma grata) surpresa que descobriu que o Tribunal negociava a compra daquele edifício. Melhor ainda foi ver as instalações, amplas, quando se mudaram.
Aliás, uma constante em nossas conversas com servidores e magistrados que tenham participado da mudança do Tribunal para a Consolação é o quanto tudo foi organizado e o quão espaçoso e confortável era aquele prédio logo no início. Ainda que depois tenha começado a ficar bastante apertado, como observa o servidor aposentado Hermas Levorin: “Foi tanta falação para comprar aquele prédio e no fim ele ficou apertado para todo mundo, do mesmo modo. Porque o tribunal aumentou muito”. Dedé concorda: “A minha sala, vou te contar, era do tamanho desse apartamento. E eu sozinho lá”, conta entre risos. “Hoje está apertadinho, tudo quadradinho”, completa.

Claro que, como toda história, são várias as divergências entre as memórias envolvidas, vide a lembrança de Mirna Loi, telefonista do Tribunal, que menciona ter ficado “jogada” no subsolo durante um tempo. Ou ainda a memória do também servidor aposentado Luiz da Silva Falcão, que contou, em seu depoimento para o projeto “Memórias Narradas”, que sonhava em trabalhar no prédio da Consolação, mas não exatamente no local em que acabou sendo lotado: “Eu imaginava trabalhando do térreo para cima, em qualquer um daqueles andares. Aí, ao ser lotado, eu fui para o Almoxarifado, que ficava no primeiro subsolo – e não tinha nenhuma das condições do primeiro andar para cima. Do primeiro andar para cima era carpete, ar condicionado, tinha cafezinho. E no primeiro subsolo não tinha nada disso“, relembra.
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Naquela época, no primeiro subsolo, existiam as duas rampas, mas todo o resto (onde hoje existem dezenas de divisórias) era aberto. Segundo Falcão, fazia muito frio no local (“chegava até a formar um redemoinho”, conta). Era um problema para quem era friorento: “Tinha uma colega, hoje já aposentada, que inclusive chegou a adoecer”, lembra. O servidor entrou no TRT-2 em 1982, e, segundo ele, mesmo naquela época o Regional continuava “acertando muitas coisas” no prédio.
Apesar de não ter participado da época da mudança, a história ouvida por Falcão é a mesma contada até hoje: “Eu não estava no TRT-2 ainda, mas tive conhecimento por vários colegas que o Tribunal mudou às pressas, assim, meio que na calada da noite”. Segundo ele, mesmo anos depois, “havia setores que ainda não estavam adequadamente ajustados. O Almoxarifado era um deles”. Servidores do Almoxarifado, por sinal, eram constantes alvos de “bullying” por parte dos colegas das Juntas: “Quando eu ia entregar o material nas juntas, a gente chegava no balcão, e o pessoal falava: ‘Material!’. E aí os colegas gritavam: ‘Chegou o pessoal do cemitério, chegou o pessoal do cemitério!’. Porque eles brincavam que, como estávamos no subsolo, nós trabalhávamos no cemitério, embaixo do cemitério”, conta entre risos. O prédio do TRT-2 fica a cerca de 300 metros do Cemitério da Consolação, o mais antigo de São Paulo, onde estão enterrados importantes nomes da sociedade paulista.
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E se aquele “descampado” na garagem era um problema para alguns, aquela era a solução para Dalmo Câmara. O garoto, que já transformava a garagem da Rio Branco em playground aos fins de semana, ganhava um parque de diversões na Consolação (mas um apartamento, no 21º andar, tão pequeno que fez com que seus pais tivessem que se livrar de vários de seus móveis, já que não cabiam na nova morada).
“UM LUGAR condigno de cumprir sua missão“
Foram essas mudanças de rumo e de porte do Tribunal que o presidente Nelson Virgílio do Nascimento quis evidenciar em seu discurso. Segundo a “Folha de S.Paulo”, Nascimento procurou relacionar as dimensões do edifício ao “elevado papel que a Justiça do Trabalho exerce na obra do desenvolvimento nacional” e à importância que o governo federal atribui à Justiça. Nascimento arrematou seu discurso, enaltecendo o novo edifício: “Eis o Tribunal Regional do Trabalho no lugar condigno de cumprir sua missão”. Era a primeira vez que a Justiça do Trabalho era vista com grandiosidade. A “justicinha”, como sempre foi conhecida, parecia ganhar espaço. Ou ao menos lutava para começar a ser reconhecida.

Um dos últimos a discursar foi o juiz Wilson de Souza Campos Batalha, que havia sido importante articulador durante os últimos dias, junto ao TFR. Em seu discurso, Batalha considerou indispensáveis as novas instalações, “de molde a não se tornarem insuficientes em uma década”. E relembrou que o Tribunal já tinha se instalado em cinco outros edifícios. Para ele, no entanto, as instalações do Tribunal atuais seriam “suficientes para as suas necessidades em várias décadas”. De certa forma, estava certo.
Quarenta anos depois, com 94 desembargadores (eram 27 quando da instalação), 18 Turmas (eram cinco), e com um prédio exclusivamente para os setores administrativos, o prédio da Consolação segue firme, ainda que precise de uma reforma ou outra, ocasionalmente.
Deixamos aqui nosso agradecimento à servidora Marina Paulelli Mariutti Engel, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que nos auxiliou na busca de dados e contatos referentes ao TRF-3, para a produção deste texto.

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