Preciso contar uma coisa antes de começar. Esta parte do texto não estava aqui quando enviei para meus colegas do Centro de Memória revisarem. Isso porque eu não sabia exatamente como começar esta publicação, mas, sobretudo, como justificá-la.
Na verdade, a história que está nos parágrafos abaixo era para ser contada de outra forma, em um outro momento. Mas senti que era necessário compartilhá-la agora e aproveitar o contexto em que estamos. Era a oportunidade que tínhamos para mostrarmos um lado tão bonito e humano das pessoas. Um legado tão especial que o trabalho deixou.
Espero que as pessoas que neste texto estão – ainda que não estejam citadas nominalmente – sintam-se homenageadas. Era essa, ao menos, a intenção.
Façamos um exercício de imaginação juntos: cerca de 40 pessoas. A maior parte delas com mais (algumas bem mais) de 60 anos. Pessoas que adoram viajar e que fazem isso com uma certa frequência. Pessoas que se conhecem há uns 30, 40 anos. Ou mais. Que se reúnem mensalmente em uma casa na região da Vila Mariana, alugada por eles. Há quase 20 anos.
Foi com essas informações (e muita curiosidade) que o Centro de Memória entrou em contato, no início do mês de março, por meio de um convite de nossa presidente, desembargadora Rilma Aparecida Hemetério, com esse grupo tão especial.
Não era, na verdade, a primeira vez que ouvíamos falar dele. Em 2019, uma colega que não faz mais parte da equipe, Tatiana Rysevas Guerra, já tinha realizado tal visita. Mas achamos que era hora de descobrir um pouco mais. Ou o suficiente para podermos contar essa história.

Voltemos a nossa digressão. Lembre-se daquele grupo. Mas pense agora que estamos ainda no começo de março, quando a pandemia do coronavírus ainda parecia algo distante da realidade brasileira, quando as pessoas ainda mantinham suas rotinas. Havia um certo cuidado já, é fato, mas os órgãos oficiais ainda não haviam emitido recomendações de isolamento. O que se tinha era um certo zelo embalado na esperança (talvez inocente) de que não seríamos atingidos pelo vírus nas mesmas proporções como alguns países foram.
Alguns cuidados, claro, foram tomados: pessoas com sintomas de gripe ou mais debilitadas não compareceram. Beijos e abraços foram substituídos por piscadelas, cotoveladas ou tchauzinhos distantes. Bem verdade que alguns poucos corajosos mataram a saudade de meses com apertados abraços (não houve reunião em janeiro ou fevereiro). De qualquer maneira, estavam todos ali pela amizade, pelo carinho, respeito mútuo e pela alegria, que imperou em uma tarde ensolarada de sábado.
A casa da Vila Mariana
Apesar de se reunirem mensalmente há quase 20 anos na mesma casa do bairro da Vila Mariana, o encontro dessas mais de 40 pessoas começou muito tempo antes. Parte do grupo se conhece desde a década de 70 (alguns até um pouco antes, quando o Tribunal ainda estava em um único prédio da rua Rêgo Freitas). Um grupo que aos poucos foi crescendo e reunindo colegas de outros prédios, que vieram depois: Ipiranga, Cásper Líbero, Consolação.

Os colegas de trabalho trouxeram seus cônjuges, seus filhos. E amigos. E assim o grupo foi crescendo. E olha que esses 40 não representam sua totalidade. O grupo, na verdade, conta com mais integrantes – alguns, como dito, não compareceram. Mas há ainda aqueles que já partiram e deixaram pela casa e em seus membros lembranças e saudades. E continuam sendo mencionados.

Outro fator interessante: nem todos são do TRT-2. E os que não são fazem questão de deixar a situação clara. Como se fosse um pedido de desculpas por estar ali. Quase que de imediato, chegam duas ou três pessoas para dizer que não são do Tribunal, mas que já fazem parte da família. E é assim, tantos anos depois, que eles se consideram: uma família.
Do início das reuniões à casa da Vila Mariana
Os encontros começaram a acontecer em 1973. Inicialmente, eram feitos em restaurantes. Alfama dos Marinheiros e La Tavola eram dois endereços recorrentes. Aos poucos, no entanto, os primeiros integrantes foram se aposentando. Simultaneamente, o grupo foi crescendo. Mas tinha um problema: os encontros em restaurantes não permitiam a conversa com todos os presentes. Além disso, gastava-se muito e o valor ia para o restaurante. Eles não conseguiam angariar recursos para os trabalhos de filantropia, como gostariam.
Até que chegou um momento em que se fez necessária a locação de um espaço físico para os encontros desse animado – e cada vez maior – grupo. Afinal, era preciso um espaço em que todos pudessem ficar juntos. E também um espaço em que fosse possível guardar doações. E esse é outro assunto que é preciso mencionar.
O grupo auxilia, atualmente, três instituições: uma de idosos, uma de crianças e uma de portadores de HIV. Além do valor mensal para a locação da casa, há uma taxa de contribuição, também mensal, para auxílio na compra de mantimentos e itens de limpeza e higiene para uma das instituições. A casa serve também para ponto de recebimento de itens a serem doados, inclusive móveis. “Onde guardaríamos um móvel se não fosse por essa casa? E se a pessoa não tem lugar para guardar?”, explica Cora.
Nos encontros, um tumultuado e divertido bingo é organizado para angariar fundos para doações. Além disso, há uma espécie de feirinha, na qual são vendidos itens de artesanato com renda revertida para as instituições. São produções em tecido feitas com muito zelo e acabamento impecável por Amélia Bernardi, a dona Amelinha, servidora aposentada do TRT-2 que, no auge de seus 92 anos, vai pessoalmente à 25 de Março comprar seus insumos – e sabe muito bem como não ser enganada por vendedores que acham que podem tirar proveito da simpática senhorinha. Aliás, dona Amelinha (que não estava no encontro) não vai sozinha. Quem a acompanha é Cora, servidora aposentada do TRT-2 e a pessoa responsável por tudo isso acontecer ainda hoje. Foi por meio dela também pude conhecer melhor a história desse grupo e o funcionamento da casa.




Cora, a pessoa por trás de tudo
Corina Maria Leite, a Cora, foi servidora do TRT-2 de 1973 a 1992. Antes de ser nomeada para o TRT-2, trabalhava na Secretaria da Fazenda. No Tribunal, atuou na Diretoria de Pessoal (a atual Secretaria de Gestão de Pessoas) até que, durante a gestão de Nelson Virgílio do Nascimento, presidente do Tribunal entre 1978 e 1980, assumiu a direção do Setor Médico, onde se aposentou. Falante, mas bastante briguenta (ela mesma diz isso), recebia no setor, no prédio da Consolação, pessoas que ali se abriam com ela. Foi assim que conheceu muita gente. E construiu muitas amizades.
Sua grande amiga e companheira de “aventuras” foi a colega de TRT-2 Clelia Checchia Carvalho Miranda. Clelia também foi servidora do Tribunal. Foi responsável pelo Setor de Concursos por muitos anos. Um incontável número de servidores e magistrados aposentados já a mencionaram nos últimos tempos, em contatos com nossa equipe. Dizem que era uma pessoa fantástica: zelosa em seu trabalho, preocupada com sua equipe. E com aqueles que a cercavam.
Já ouvimos histórias de Clelia tendo feito festas de despedida para quem ela mal conhecia – porque a pessoa se sentiria bem. Já ouvimos histórias de Clelia preparando o lanchinho do concurso para todos aqueles que trabalhavam. Com seus próprios recursos, alguns dizem. Clelia é mãe de dois de nossos colegas: Waldir Carvalho de Miranda, que foi juiz classista no TRT-2, e Vera Lúcia Carvalho Miranda, que se aposentou em 2013, como diretora da antiga Secretaria de Benefícios. Clélia faleceu em 2015.
Juntas, a dupla Cora e Clelia começou a reunir pessoas em seu entorno e a organizar os encontros e as reuniões fora do ambiente de trabalho. O primeiro encontro aconteceu em abril de 1973. Cora tinha entrado um mês antes, em março. E não foi um simples jantar em uma cantina, ou uma pizza em uma sexta à noite. Foi uma viagem de barco. Cora conta que seu ex-marido, também da Secretaria da Fazenda, locou, com alguns amigos, um barco na eclusa de Barra Bonita. Cora ficou responsável por vender metade do barco. E o fez. Junto com a nova amiga, Clélia, encheu a eclusa com colegas de TRT-2. E assim começaram as amizades – ou se ampliaram.
“Sempre fui de ter muitos amigos. De querer ter as pessoas por perto”.
(Cora)
Juntas, Cora e Clelia iam a festas e levavam consigo mais de 10 pessoas (apesar de serem as duas apenas as convidadas). Juntas, organizaram viagens, que reuniam cerca de 40 pessoas. Em uma das viagens à Europa, eram 48 pessoas. E nada era muito comum, “sem essa coisa de CVC”, como Cora faz questão de frisar. Elas próprias eram responsáveis pelos roteiros e por toda a organização. Os amigos viajaram por países da América, Europa e África. Viajaram de balão, atravessaram o Círculo Polar Ártico, pela Lapônia (com direito a certificado e tudo!). Mas foi na Turquia que o grupo ganhou, finalmente, um nome, Karavan, que permanece até hoje, inclusive nas comunicações espalhadas pela casa. Naquela época, no entanto, a casa era ainda apenas um sonho.

Em 2000, no entanto, Cora finalmente encontrou o espaço de que precisavam. No ano anterior, ela tinha se mudado para o bairro da Vila Mariana. E aquela casa, a poucos metros de sua própria, era perfeita. Apesar de todos os problemas.
“A casa estava detonada”, como ela relembra. Foi então que apareceu a figura de João Theodoro. Sob o olhar atento de Waldir, filho de Clélia, e com a ajuda de alguns pedreiros, colocaram a casa em ordem, enquanto o grupo viajava (estavam na República Tcheca dessa vez). Assim, em setembro de 2000, aconteceu a inauguração.
A casa continua a mesma. Mas muito bem cuidada por seu João, que hoje em dia ali reside. Cora é a pessoa responsável pelo pagamento dos funcionários da casa, e de todas as contas, como água, luz e aluguel. Eles até têm um motorista de táxi, o Pires, que os acompanha há 20 anos. Acaba trabalhando para o grupo todo. Inclusive levando itens da casa de uma para a casa de outra. E ajudando até com compras, quando uma ou outra fica doente.
O apoio, por sinal, é uma constante no grupo. Em todos os aspectos: de emocional a financeiro. É um grupo, afinal, que se conhece há muito tempo. E que conhece os filhos, os primos, os amigos de seus integrantes. Como em uma família. Que vive, convive, discute. Mas faz as pazes, no final. E está lá presente em todos os momentos necessários.
“Eu e a Clélia éramos arroz de festa. Éramos convidadas para umas festas boas. A gente levava umas dez pessoas junto. Mas só nós duas tínhamos sido convidadas”.
(Cora)
Pode parecer repetitivo para quem leu os textos que estamos escrevendo ou assistiu os vídeos do projeto “Memórias Narradas”, publicados nos últimos tempos. Mas não temos como negar que essa é uma das frases que mais ouvimos de servidores e magistrados aposentados (e alguns ainda na ativa, é verdade): “Era uma grande família”. E lá, naquela casa da Vila Mariana, é possível entender o significado disso.
O encontro com o grupo Karavan
Era pontualmente meio-dia quando cheguei naquela simpática casa da Vila Mariana, onde eu sabia que se reuniriam alguns amigos de outras épocas.
O trajeto em si, para mim, já tinha sido uma grande aventura em minha mente. Caminhei do metrô Paraíso até lá com um sorriso no rosto, em um misto de emoções. Era comum em minha infância e adolescência, nos finais de semana, eu ir com minha madrinha, falecida em 2006, percorrer aquelas ruas a pé.
Saíamos da casa da minha avó, ali perto, ao lado do metrô Paraíso, e íamos andando calmamente pelas ruas do bairro (coisa que ela amava fazer – e me ensinou a adorar) até o que hoje se chama Shopping Vila Mariana, mas que, anos antes, era o Multishop, algo que se parecia com o também extinto (e queridíssimo!) Stand Center, na avenida Paulista.
Só para explicar, o Stand Center foi um “shopping” repleto de stands de produtos chineses. Hoje em dia, existem muitos por aí. Mas por um bom tempo era uma das poucas alternativas à Galeria Pagé, no centro (a com melhor localização, com certeza). Ele ficava onde hoje está a loja da Renner, na avenida Paulista, ao lado do novo shopping Cidade de São Paulo, que, por sua vez, fica onde antes era a mansão dos Matarazzo – mas é melhor a gente nem entrar nesse assunto…






Quando cheguei àquela casa, o zunzunzum das conversas eram audíveis lá de fora. Quem abriu a porta foi o seu João, funcionário do grupo Karavan, pessoa que ali reside e que cuida com muito carinho da casa. É seu João que também faz diversos trabalhos artesanais, que enfeitam as paredes do local. É ele também o responsável pelas caipirinhas, que saem ao gosto do freguês (bem fraquinha ou mais forte), do jeito que só ele sabe.


A segunda pessoa com quem me deparei foi Cora, que me acolheu, sem beijos ou abraços, já demonstrando uma certa preocupação com o famigerado coronavírus, mas com muita simpatia.
Preocupada com o funcionamento de tudo, ela é a pessoa mais procurada por todos. Sabe exatamente o que acontece com cada coisa, qual o andamento, qual a ordem, qual a localização. É ela quem compra os brindes do bingo. É ela quem paga as contas. Que faz propaganda do artesanato. Que recolhe o dinheiro do almoço. E das demais contribuições. É ela que fala quando é hora de servir. Quando cantar os parabéns (todo encontro celebra os aniversariantes do mês – no dia em que fui, eram 14 aniversariantes, dos meses de janeiro, fevereiro e março. Aliás, uma folhinha, logo na entrada da casa, faz com que todos se lembrem do calendário de aniversários). É ela que verifica tudo. E que, de vez em quando, desaparece do nada, em busca de um pouco (um pouquinho, apenas) de descanso, no sofá da sala (mas logo já está novamente andando de um lado para o outro).






Em paralelo, tudo acontece. A comida é preparada. As bebidas são servidas. As conversas se entrelaçam em um clima de perfeita harmonia. O burburinho é grande. De repente, de um lado da casa, ouve-se uma voz mais alta. Na sequência, risadas. Em outro momento, a algazarra é do lado oposto.



Cada um tem um lugar fixo. Ainda que não seja exatamente assim. Ao longo do tempo, os grupos foram se montando e acostumaram a se sentar nos mesmos locais. Mas nada que seja obrigatório. Todo mundo sabe o funcionamento.
E assim, com a ajuda de sua maestra, a banda toca. A casa funciona. E as pessoas aproveitam aquele único dia do mês, que faz com que eles se relembrem o quanto tudo aquilo é especial. Não que o grupo do WhatsApp não funcione com regularidade, mas presencialmente sempre é melhor.
Ali é a oportunidade que eles têm de se confraternizarem. De contar e ouvir histórias, de falar sobre a vida, de relembrar momentos, de contar novidades sobre suas famílias, de planejar viagens. É momento também de relembrar os seus “eus” entre os amigos, aqueles “eus” de outras épocas. Que bebiam, fumavam, riam, contavam histórias, sacaneavam uns com os outros. Ali eles são tudo aquilo. Sem carapuças, sem personas. Sem o peso de cargos. Sem preocupações. Ali são todos amigos. As hierarquias que um dia existiram se dissolvem em meio às brincadeiras, aos gritos de “bingo”, e aos risos descontraídos. A diferença, como diz Cora, é que “agora todos precisam se sentar”.




Outra diferença é que não estão mais todos ali. Não por falta de contato. Diversos do grupo já faleceram. É o caso da própria Clelia, falecida em 2015. Mas há outros. Que são também lembrados e homenageados pelos diversos cantos da casa. No meio da alegria, há espaço para saudosismo. Mas uma saudade que está sempre recheada de boas memórias. Alguns cantinhos da casa, inclusive, homenageiam amigas que já se foram. Clelia é uma delas. Dominguinhas é outra: a amiga servidora, que nunca chegou a ver a casa, mas que já fazia propaganda do que ela viria a ser.

No meio de tanta gente, nada mais natural que nem todos tenham trabalhado junto. Por isso, o momento é também de perguntar se viram outros antigos colegas, nos últimos tempos. Como na intersecção de conjuntos, das antigas aulas de matemática no primário (e mais uma vez cá estou revelando minha idade!), as pessoas deste grupo se conectam com outros e outros. O que nos faz pensar: quantos mais não existirão por aí, sem que tenhamos conhecimento?
Uma delas, por sinal, já por nós mencionada em tantos momentos aqui nesta página é Maria do Carmo Sacramento de Castro. Servidora aposentada do TRT-2, Maria do Carmo foi uma das primeiras pessoas que conhecemos aqui no setor, em 2018, e foi com quem começamos a descobrir detalhes que por nós eram ainda nebulosos. Foi ela que nos apresentou ao queridíssimo desembargador aposentado Julio de Araújo Franco Filho, que no auge de seus 102 anos esbanja disposição, boa memória e sabedoria (esperamos, dr. Julio, que o senhor esteja se protegendo). Foi ela que nos apresentou a personagens como Rosa, Regina, Malena, Adilon e Dedé (este último, por sinal, um poço de simpatia e também o último de nossos entrevistados nessa primeira fase do projeto “Memórias Narradas”). Todos eles, alguns mais, outros menos, fazem parte de um outro grupo, formado por servidores e magistrados aposentados, que também se reúnem com certa frequência.


Maria do Carmo é como um membro honorário de nosso setor. Por isso para mim foi uma alegria (e também uma surpresa) encontrá-la no encontro do grupo Karavan. Um rosto conhecido, uma pessoa que para mim era familiar. E foi exatamente assim que ela me fez sentir. Na hora do almoço, fez questão que eu me sentasse a seu lado. Com uma preocupação para que eu ficasse à vontade no meio daquela situação. Afinal, eu me sentia ali uma intrusa, não queria atrapalhar aquele encontro. Mas de forma alguma fizeram com que eu me sentisse uma intrusa. Fui muito bem recebida, muito bem tratada. Fui acolhida.
Foi Maria do Carmo também quem deixou uma delicada cartinha de despedida, ao final do encontro, relembrando os momentos mais marcantes daquele dia. E fazendo questão de mencionar os dois novos visitantes, esta que vos escreve, e o diretor-geral da Administração do Tribunal, Rômulo Borges Araújo, que, a convite da presidente, foi conhecer o grupo. Dra. Rilma é integrante ativa do grupo Karavan. É mais uma dentre tantos amigos que ali estão.


No fim, após bebidas, aperitivos, almoço, bingo, bolo, parabéns e café (e um leve acerto de contas), foi hora de ir embora. A sensação é de que tinha durado pouco, apesar de já terem passado mais de quatro, cinco horas de encontro. Talvez porque sendo apenas uma vez por mês (e, neste caso, depois de quase três meses da última reunião), havia um certo ar de “já acabou?”. Mas era visível, no rosto sorridente de cada um, o importante significado daquele momento.


Confraternização e amizade – mesmo depois da aposentadoria
Infelizmente, ouvir histórias sobre manutenção de amizades e encontros após a aposentadoria não é uma constante em nossos contatos com servidores e magistrados inativos. Por mais que eles reafirmem o quanto eram bom o ambiente, o quão familiar era o Tribunal e não deixem de mencionar amizades que foram construídas ao longo dos tempos de atividade. Mas não raro, durante a conversa, descobrimos que os últimos contatos com esses amigos foram feitos há cinco, seis, sete anos. A rotina do dia a dia parece que impede que isso aconteça. Quando param para observar, o tempo já passou.
Em muitas das entrevistas que realizamos para o projeto “Memórias Narradas”, foi comum escutar de colegas aposentados (alguns longe do TRT-2 há décadas) exatamente isso: as amizades que se perderam após a aposentadoria. Em alguns casos fomos responsáveis por colocar em contato velhos amigos e amigas, trocando seus telefones e contatos (o que nos deixa muito felizes, por sinal).
E isso nos faz pensar no quão importante é a existência de espaços de confraternização, capazes de realizar a manutenção das amizades construídas ao longo de anos de trabalho duro no TRT-2. O grupo Karavan é um claro exemplo.



Infelizmente, em nossa sociedade, a aposentadoria e o envelhecimento são vistos como processos graduais de isolamento e apartamento dos demais. Talvez por isso nos cause apreensão presenciar, nos últimos dias, idosos que, mesmo diante de uma pandemia, se recusam a ficar em casa. São exemplos e mais exemplos de depoimentos de filhos que tiveram que repreender os pais, nas redes sociais.







A necessidade de contato, de fortalecimento das amizades é algo que se torna ainda mais essencial, quando a rotina do trabalho não nos obriga mais a estarmos juntos. Os membros do grupo Karavan encontraram uma solução exemplar para esses problemas, que fazem até uma servidora, ainda com seus trinta e poucos anos (deixemos a idade dessa forma mesmo) e uma longa carreira no TRT-2 pela frente (são apenas oito anos de Tribunal – “Entrou ontem”, segundo a maior parte de nossos entrevistados), sentir uma certa pontinha de inveja (inveja boa, deixo claro) desses colegas que souberam valorizar suas amizades e carregá-las por toda vida.
A casa da Vila Mariana, no entanto, vai além. Ali é um espaço que permite muito mais do que o puro reencontro, a rememoração do passado. Ali é também desenhado o presente, manifesto no artesanato de dona Amelinha, no altruísmo engajado dos membros para com as pessoas necessitadas, no cuidado mútuo dos seus integrantes, mostrando que, ao contrário do que setores da nossa sociedade acreditam, a aposentadoria é espaço para muita produção e contribuição social. É também desenhado o futuro, nas programações de encontros, de visitas e viagens. Que não param – e nem podem parar (exceto por enquanto, durante o pedido de quarentena do governo, ok, grupo Karavan?).




Ali é um local de encontro de muitos “viajantes”, que, de alguma forma, tiveram como um de seus destinos o TRT-2. Encontrando uns nos outros cuidado e companheirismo, colocam-se lado a lado, formando uma família que não compartilha laços sanguíneos. Uma caravana alegre e unida, que compartilha entre si essa viagem surpreendente que é a vida.









Uma pena que talvez eu tenha presenciado o único encontro do primeiro semestre de 2020 desse grupo que faz as coisas parecerem tão simples. Boas lembranças, doces sorrisos, companheirismo e a sensação de que ali estão verdadeiros amigos. Um clima familiar. Que traduz, na verdade, aquela frase tantas vezes por nós ouvida. E que mostram, na prática, o significado de “uma grande família”.
Três recados antes de finalizar
Como dito lá no início, este texto não era para ter sido escrito agora, ou dessa forma. A ideia era contarmos essa história em setembro, quando o grupo completa 20 anos de casa. As circunstâncias, porém, mudaram. E achamos que seria interessante trazer um relato bonito de companheirismo e respeito, envolvendo tantos colegas de Tribunal. Por isso mesmo, não temos fotos de todos. Aquele foi apenas um registro simples, feito amadoramente por mim. Porque acreditei que poderia ajudar a contar essa história. Por isso, peço desculpas a quem ficou de fora. Mas sintam-se homenageados. Essa era a nossa humilde intenção.
O segundo recado é, na verdade, um pedido, caso tenham chegado até aqui. Deixem um comentário aqui embaixo. Relembrem pessoas que não estavam presentes. Ou que já não estão mais. Relembrem momentos curiosos ou inesquecíveis com o grupo. Ficaremos muito felizes se deixarem aqui uma mensagem.
O último recado é para você, leitor: apesar de todo o trabalho e todo o stress que ocasionalmente pode acontecer, não pense que Cora fique reclamando. A foto aí embaixo foi a última tirada naquele dia, bem no fim da tarde. E esse era o sorriso que ela estampava no rosto. Junto a um orgulho grande por poder contar a sua história e a história desse grupo que ela ajudou a construir. Mas, sobretudo, a alegria por poder viver ainda intensamente ao lado de seus amigos.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.
Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.
Que lindo, Cris! Ficou linda a matéria! Trouxe-me uma sensação deliciosa de compartilhamento de carinho. Que aprendamos com o grupo Karavan!
Abraços!
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Oi, Alana! Muito obrigada pela visita à página e pelo elogio. Enfrentamos momentos de tamanho egoísmo e distanciamento em nossas relações interpessoais que acaba sendo difícil acreditar que existam exemplos tão bonitos de verdadeira amizade, construída ao longo do tempo e originada no ambiente de trabalho.
Abraços!
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Sem memória não há história. Parabéns pela reportagem e uma grande abraço a todas e todos do karavan.
Mostrou que a amizade é atemporal!
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Oi, Patrícia, obrigada pela visita. De fato, é um belo exemplo.
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Eu Waldyr C.Miranda Jr, filho de Clelia Checchia Carvalho Miranda , gostaria de deixar registrado que o inicio dessa historia maravilhosa iniciou-se com a linda amizade entre minha mãe e a Cora de personalidade forte e de pavio curto e outra conciliadora e pacificadora, o oposto que deu certo.Tudo começou com viagens de final de semana entre nossas famílias e amigos a lugares próximos como Litoral,Campos do Jordão, Monte Verde, Nordeste e muitas outras de perder a conta. São otimas lembranças que guardo com carinho. Surgiu a ideia de ampliar esse convívio e de estender as viagens, foram incontáveis viagens que deve ter faltado pouco para ter circundado a Terra. A empatia dessa dupla se espalhou e formaram um grande grupo chamado Karavan que infelizmente falta a minha querida mãe e outros amigos tão especiais.Um dos almoços fui convidado à cozinhar, fiquei tomando whisky e demorei para ir ao fogão, tomei uma bronca da Cleide ” com palavras doces” que voces conhecem, e falou voce esquece que aqui todos são velhos e almoçam cedo, conclusão a comida saiu crua.Enfim se ficar contando só algumas passagens com esse grupo de pessoas especiais esse pequeno espaço não será suficiente. Para finalizar quero deixar anotado que o bom humor e disposição que emana dessas pessoas que ultrapassaram a casa dos 70 anos é invejável, claro que devemos dar um desconto para a General Cora quando baixa o santo saia de perto.Saudades beijos .
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Muito obrigada pela visita e pelo depoimento, dr. Waldyr. Temos muita vontade de contar também a história de sua mãe, pessoa que é reiteradamente mencionada em diversos depoimentos.
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