PRESIDENTES DO TRT-2: NEBRÍDIO NEGREIROS

Em 14 de junho de 1944 Nebrídio Negreiros assumiu a Presidência do Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região, apenas dois anos após ter ingressando na magistratura trabalhista. Naquela época a Justiça do Trabalho ainda era formada pelos Conselhos Regionais, não era vinculada ao Poder Judiciário, e seus juízes e funcionários enfrentavam os desafios que todo início traz. Nebrídio completará seus dois anos de mandato e por mais 12 exercerá a magistratura. Seus últimos dias de vida serão nos corredores do Tribunal. Como atesta o presidente do TRT-2 em 1958, Hélio Tupinambá Fonseca, ano de falecimento de Nebrídio, sua “dedicação sem limites” o levou a trabalhar até onde a doença que o acometeu permitiu, deixando “uma vaga de impossível preenchimento na estima de seus pares” (Relatório anual de atividades do TRT-2 de 1958, fls. 02).

Terceiro magistrado a ocupar o cargo de presidente da Justiça do Trabalho Paulista, Nebrídio foi figura complexa e enigmática. Descendente de nobres portugueses, transitou por meios políticos libertários, mas também entre a aristocracia do interior do Estado. Foi festejado entre seus pares pelo seu conhecimento prático e teórico do Direito, mas também como um aluno boêmio da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que intercalava a pouca assiduidade nas aulas na Capital com o intenso exercício da advocacia no interior do Estado.

Ao retraçar a trajetória de Nebrídio Negreiros, o Centro de Memória do TRT-2 dá continuidade à série Presidentes do TRT-2, e resgata um pouco da história do Regional por meio desses personagens que foram importantes para a consolidação da Justiça do Trabalho em São Paulo.

Advogado competente, amigo para todas as ocasiões

Nebrídio Corrêa de Negreiros nasceu em 5 de maio de 1892, filho de Joaquim Corrêa de Negreiros e Escolástica Ferraz. Descendia diretamente da família Cardoso de Negreiros, que teve grande participação na vida econômica e política da região de Rio Claro, Piracicaba e Itu. Era bisneto do Capitão Mor Estevão Cardoso de Negreiros, um dos fundadores da cidade de Rio Claro e primeiro juiz de paz da localidade. Seu avô, o Capitão Lourenço Cardoso de Negreiros, também ocupará o mesmo cargo nessa cidade. Sua família era de ascendência portuguesa, tendo chegado no Brasil na primeira metade do século XVII, advinda da nobreza colonial. Instalaram-se no interior do estado de São Paulo, transitando entre as já citadas cidades, sendo muito influentes econômica e politicamente em toda a região.

Capitão Mor Estevão Cardoso de Negreiros, bisavô de Nebrídio e um dos fundadores da cidade de Rio Claro. Fonte: Arquivo Público Histórico de Rio Claro.

A tradição de advogados e juristas já estava estabelecida na família quando o jovem Nebrídio ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, na qual se formou na turma de 1923. Consta, entretanto, sua filiação ao Centro Acadêmico XI de agosto no ano de 1911, o que indica que Nebrídio já estava vinculado a essa faculdade desde o início da década de 1910. Sua permanência na Faculdade de Direito por mais de 10 anos, talvez se explique pelo fato de ele, em paralelo, e desde muito jovem, já exercer a advocacia.

Era envolvido com a política da época, associando-se às alas mais progressistas e democráticas. Em 1913, junto com alguns colegas, assinou um manifesto em prol da candidatura e eleição de Manuel Ferraz de Campos Salles à presidência da República, um documento representante das vontades dos acadêmicos da Faculdade de Direito de São Paulo, “inspirados, exclusivamente pelo patriotismo” desses jovens que viam em Campos Salles “um apóstolo da democracia”, “um veterano da República”, além de um “supremo magistrado da nação”.

Campos Salles havia sido presidente do Brasil de 1898 a 1902, e seu governo ficou conhecido pela implantação da “política dos estados”, que buscou afastar os militares da política e dar protagonismo aos governadores. Apesar do teor federalista de suas medidas e da relativa estabilidade política alcançada, seu governo promoveu as oligarquias ao centro da política nacional e alavancou o que ficou conhecida como a Política do Café com Leite, que revezava no poder representantes dos estados de Minas Gerais e São Paulo. O referido manifesto assinado por Nebrídio em 1913, conclamava aos eleitores brasileiros o apoio a uma nova campanha de Campos Salles para a presidência nas eleições do ano seguinte. Contudo, meses depois da publicação do documento, Campos Salles faleceu, vítima de uma embolia cerebral.

O engajamento de Nebrídio com a política de sua época, era apenas um dos motivos que atraíam a atenção e apreço de seus colegas estudantes. Na obra “O Espírito das Arcadas”, Franscico Pati retraça os perfis de mestres e alunos da Faculdade de Direito de São Paulo, da época em que lá esteve como aluno. Por meio de situações anedóticas e nas palavras do próprio autor: “pitorescas”, fala sobre as relações entre os alunos e seus professores, assim como situações cotidianas da vida universitária. Entre os mencionados, surgem várias figuras ilustres do direito nacional e da política. Uma das passagens mais interessantes dedica cerca de duas páginas para descrever um pouco da personalidade e da presença de Nebrídio Negreiros.

Arcadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Fonte: acervo USP.

Nebrídio é descrito por Pati como “uma das figuras mais populares e mais estimadas da turma de 1923”, contudo, não era um dos alunos mais assíduos. Na época ele já atuava em processos no interior do estado de São Paulo, mesmo sem ainda ter concluído o curso de bacharel em direito na capital. Lembremos que nessa época vigoravam as licenças de rábula (ou provisionado), que permitiam que pessoas pudessem atuar em processos sem a posse de um título acadêmico. Por isso, tudo indica que Nebrídio já era advogado ativo em cidades do interior, onde sua família era conhecida como atuante na área do direito.

Apesar de só de vez em quando aparecer na Faculdade ele era uma das suas figuras mais queridas. Tinha, como o tem até hoje, aquele jeito de falar que é exclusivamente dele. Falava arrastado, como se a voz lhe saísse ora pelo nariz, ora pela garganta. Usava o linguajar caraterístico do interior, nas cidades em formação.

PATI, Francisco. O Espírito das Arcadas. 2008 [1950]

É provável que as obrigações relativas a sua atividade profissional o levassem a faltar por diversas vezes às aulas, e Pati narra episódios curiosos nos quais Nebrídio recorreu ao conhecimento de seus professores para poder fundamentar casos nos quais ele atuava como advogado:

Lembro-me de que numa dessas viagens inesperadas a São Paulo o estimado colega foi assistir a uma aula de Direito Civil e lá pelas tantas pediu a palavra. Estava na tribuna o santo Pacheco Prates. “Mas, seu moço, eu não estou fazendo um discurso, nem isto é uma assembléia. Não me consta, por outro lado, que hoje seja dia de festa nacional ou que os brasileiros tenham praticado algum ato heróico”, — disse o catedrático sem olhar para a classe e louco de vontade de continuar a exposição. Nebrídio insistiu. “Pode falar, seu moço”, respondeu, por fim, o professor.

Não era um discurso: era uma consulta.

Pacheco Prates ouviu o aluno pacientemente. Quando ele acabou de falar, explicou-lhe que não se tratava de questão pertinente à parte do programa que estava sendo lecionada naquele ano. “Nós estamos estudando Direito de Família e isso que o senhor me pergunta, moço, é Direito das Obrigações. Em todo caso, a solução parece-me que é a seguinte”. E resolveu, a contento de Nebrídio, o caso da consulta. Era, aliás, o que queria o esperto estudante. Levantou-se e agradeceu, dizendo textualmente:

— Muito obrigado, professor. Volto hoje à noite pra Bauru e amanhã mesmo vou sapecar na cabeça deles a opinião do senhor. Quero ver quem sabe mais.

PATI, Francisco. O Espírito das Arcadas. 2008 [1950]
Professor Manoel Pacheco Prates, catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito de São Paulo, falecido em 1938. Fonte: Revista da Faculdade de Direito/USP.

Essa desenvoltura de Nebrídio, em ser elogioso aos professores, ao mesmo tempo em que arrancava referências e soluções para seus casos, o fizeram ganhar fama entre os colegas, como alguém que conhecia os meandros da prática do Direito, e que apesar da pouca assiduidade, tinha vasto conhecimento sobre as leis e sua aplicação. Ainda, também era estimado por não se negar às incursões boêmias quando aparecia na Capital. Em meio a estudantes que ainda só enfrentavam os desafios teóricos de sua formação, sua experiência era motivo para que todos se aproximassem do colega para consultá-lo, ao modo como ele mesmo fazia com seus professores:

Às vezes, no meio do ano, Nebrídio Negreiros aparecia. Era uma festa. Todos nós o rodeávamos, enchendo-o de perguntas. Ele atendia a todos com a cortesia habitual. “Vim a serviço do meu escritório. — explicava. — Tenho de minutar um agravo no Tribunal”. Aquela história de “minutar um agravo” assombrava-nos. Nós conhecíamos o agravo no livro. Não o tínhamos visto ainda na vida prática. Nebrídio agigantava-se aos nossos olhos, mormente à noite, à mesa da chopada inevitável.

PATI, Francisco. O Espírito das Arcadas. 2008 [1950]

Competente advogado, com diferentes membros da família atuando no ramo do Direito no interior paulista, Nebrídio advogou em Rio Claro, Itu, Lins e principalmente em Bauru. Nessa última localidade, outra faceta enigmática de sua personalidade se expressava, pois chegou a ser correspondente e colaborador do jornal “O Combate: independência, verdade e justiça”, folhetim com viés libertário, destinado aos trabalhadores, que circulou nas décadas de 1910 e 1920. Nebrídio se envolvia nas discussões políticas relativas às relações de trabalho ao passo que se formava como advogado.

“O Combate” se aproximava dos movimentos operários e em suas páginas incentivava os trabalhadores a se organizarem em partidos políticos, mas não reunia apenas pessoas ligadas a posicionamentos revolucionários, como também democratas e republicanos radicais. Era um espaço aberto às manifestações de mulheres ligadas à política da época, entre elas Maria Lacerda de Moura, uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil. Nebrídio, portanto, estava ligado às alas políticas mais progressistas da época, ainda que pertencesse à aristocracia do interior do estado e transitasse entre os círculos da elite política e intelectual da Capital.

Maria Lacerda de Moura, intelectual feminista que lutou pelo sufrágio feminino no Brasil. Fonte: Wikimedia Commons.

Em fevereiro de 1924, meses após suas formatura, Nebrídio casou-se com Dulce Leme de Siqueira. A cerimônia foi noticiada na edição de 23 de fevereiro, no Jornal “O Combate”. Ela, descrita como “possuidora de finíssimos dotes de coração e espírito” e ele, como “um dos mais brilhantes espíritos da nova geração”, que “exerce a advocacia em Bauru, onde é ativo e diligente representante do ‘Combate’”.

Formado e casado, continuou atuando ativamente enquanto advogado no interior, mas sempre manteve estreita relação com a capital, onde residia oficialmente junto de sua esposa. No final da década de 1930, Nebrídio começou a atuar mais intensamente na cidade de São Paulo, fato passível de ser verificado pelo grande número de citações em editais e jornais da capital nessa época. Além disso, também se envolveu com causas republicanas, contribuindo para a criação do Centro Republicano do Bairro do Pari, fundado em 1929, onde atuou como secretário.

Nebrídio Negreiros (em destaque ao centro) em cerimônia de entrega de prêmio a formandos do curso da Faculdade de Direito de São Paulo. Era presença frequente nessas cerimônias como orador, representante da OAB-SP e ilustre egresso das “Arcadas”. Edição de 28 de março de 1940 do jornal “Correio Paulistano”. Fonte: Hemeroteca Nacional.

Sua atuação como advogado vai lhe permitir galgar lugar de destaque na Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, na qual foi conselheiro e idealizador do projeto da Caixa de Pensões dos Advogados, em 1940. Em 1942 também vai participar da comissão para formulação do Código Judiciário do Estado, que resultará no Decreto-Lei 14.234 de 1944, que organizou a Justiça Estadual. Na década de 1940 sua carreira deslanchava também na Capital.

Entrada na Justiça do Trabalho

Em outubro de 1942, Nebrídio Negreiros se afastou do conselho da OAB para ingressar na Justiça do Trabalho, assumindo o cargo de Presidente da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo, que ficara vago após o pedido de transferência do magistrado Newton Lamounier para o TRT-3. Newton, por sua vez, havia sido nomeado para o lugar de Oscar de Oliveira Carvalho, segundo presidente do Regional.

Nebrídio já possuía renome na Capital, pela sua carreira como advogado e como alguém engajado tanto na política quanto nas causas relacionadas ao direito do trabalho. Eram os primeiros anos da Justiça do Trabalho, os concursos ainda não eram aplicados, e por isso, as nomeações se davam pela somatória das qualidades e características que Nebrídio possuía: era de uma família influente e de reconhecida tradição na advocacia, e gozava de apreço entre seus pares, pelo seu conhecimento e desenvoltura no trato das questões jurídicas.

Foto da ficha funcional de Nebrídio Negreiros. Fonte: acervo do TRT-2.

Durante sua atuação na 1ª Junta foi reconhecido como um grande conciliador, e de fato, ao olharmos para os números do Relatório de Atividades do CRT-2 do ano de 1943, primeiro ano completo de atuação de Nebrídio Negreiros na Justiça do Trabalho, a unidade presidida por ele foi a que mais realizou conciliações: 453, diante de uma média de 308 acordos entre as seis juntas instaladas até então.

Ainda na 1ª JCJ, em novembro de 1943, Nebrídio foi nomeado presidente da Comissão do Salário Mínimo da 14ª Região. Tais comissões foram criadas pela Lei 185 de 1936, e tinham entre suas incumbências a de: “fixar o salário mínimo que prevalecerá na região ou zona de sua jurisdição” (art. 8º). Essas comissões foram estabelecidas no intuito de cumprir o dispositivo que criara o salário mínimo no texto da Constituição de 1934 (art. 121), que deveria ser capaz de satisfazer as necessidades dos trabalhadores, conforme as condições da região na qual estavam estabelecidos. Além disso, também eram competentes para estabelecer salários mínimos para trabalhadores em funções consideradas insalubres e perigosas.

As comissões foram regulamentadas apenas em 1938, pelo Decreto-lei 399, de 30 de abril, sendo que as primeiras tabelas foram disponibilizadas apenas em 1940, por meio do Decreto 2.162, de 1º de maio de 1940, entrando em vigor em 2 julho, inaugurando a vigência da Lei do Salário Mínimo. A partir da instituição do salário mínimo, passaram a vigorar valores diferentes de piso, já que para a definição das tabelas foram instituídas 22 regiões, constituídas pelos 20 estados da época, mais o território do Acre e o Distrito Federal. Por isso, os integrantes das comissões enfrentavam o desafio de estabelecer o salário mínimo da região de sua jurisdição e ainda definir os pisos para determinadas categorias julgadas especiais.

Destaque da edição de 18 de outubro de 1942, do jornal “Correio Paulistano”, noticiando a posse de Nebrídio Negreiros como presidente da 1ª JCJ da Capital. Fonte: Hemeroteca Nacional.

Nebrídio atuou nessa comissão enquanto foi presidente da 1ª Junta, onde permaneceu até maio de 1944, quando é alçado a presidente do (então chamado) Conselho Regional do Trabalho da 2ª Região. Ainda como um órgão vinculado ao Executivo, o CRT-2 via as demandas crescerem a olhos vistos e isso também permitia que o grupo pequeno de magistrados que compunha a primeira instância ascendesse rapidamente. Com pouco mais de um ano como presidente de junta chegou à Presidência do Regional.

O falecimento precoce de Oscar de Oliveira Carvalho, em 13 de maio de 1944, presidente em exercício do CRT-2, exigiu uma nova nomeação. Em 18 de maio consta a nomeação de Nebrídio para o cargo, mas, curiosamente, em sua ficha funcional, a nomeação para juiz de Tribunal, atual cargo de desembargador, só se daria em 12 de novembro de 1946, após o término de seu mandato.

Essas informações levam à conclusão de que Nebrídio se tornou o terceiro presidente do CRT-2, ainda como juiz de primeira instância, situação que se explica pelas peculiaridades da época. O juiz presidente do Regional era nomeado pelo presidente da República e o Decreto 6596/1940 e o Decreto-lei 2851/1940 estabeleciam que o presidente e o suplente deveriam ser escolhidos entre juristas especializados em legislação social. Sendo assim, como os vogais classistas eram indicados pela respectiva categoria e não precisavam ser obrigatoriamente formados em direito, era necessário buscar na 1ª instância magistrados capacitados para ocupar o cargo. Por isso, assim como ocorreu com seu antecessor (Oscar), Nebrídio saiu da primeira instância para assumir a presidência do Conselho, tendo em vista que no CRT-2 restavam apenas vogais em sua composição, com exceção dele e de seu colega Hélio Tupinambá Fonseca (recém promovido), que ocupará o cargo de suplente do presidente.

Edição de 11 de junho de 1944, do jornal Correio Paulistano, com destaque para posse de Nebrídio Negreiros como presidente do CRT-2. Fonte: Hemeroteca Nacional.

Com o desafio de suceder Oscar de Oliveira Carvalho, o magistrado que havia se tornado o grande porta-voz da Justiça do Trabalho em São Paulo, Nebrídio não se esquivou da responsabilidade e passou a atuar em melhorias para o Regional, tanto em acomodações físicas, quadro de pessoal e mudanças de ordem legal.

No relatório de 1944, ao homenagear seu antecessor e relatar o pesar pela perda do colega, também fez questão de apontar o quanto ele, Nebrídio, havia ascendido, sem, contudo, deixar para trás trabalho por fazer na primeira instância. Nebrídio assumiu o cargo, apontando seu compromisso em enfrentar as “dificuldades decorrentes da falta de pessoal e material” nas Juntas de Conciliação onde atuava meses antes e também, no próprio Conselho, no qual faz questão de enfatizar o quanto encontrou um ambiente organizado e funcionários eficientes:

Vindo da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento, onde deixamos todos os serviços em perfeita ordem e absolutamente em dia, aqui encontramos uma repartição organizada e servida por excelente corpo de funcionários e extranumerários, sendo de se lamentar, apenas, o seu reduzido número.

Relatório Anual de Atividades do CRT-2 de 1944
Nebrídio Negreiros (ao centro) fazendo uso de suas competências como conciliador em um dissídio coletivo no CRT-2, em 1945. Fonte: Edição de 1º de setembro de 1945 do Jornal “Correio Paulistano”/Hemeroteca Nacional.

Devido ao seu engajamento em sugerir melhorias de ordem processual e de pessoal na Justiça do Trabalho, foi convidado em 1945 a participar de uma comissão para “aprimorar e melhorar a eficiência da Justiça do Trabalho”. Os trabalhos dessa comissão culminariam eventualmente no Decreto-Lei 9.797/1946, que reorganizou os órgãos da Justiça do Trabalho. Nesse mesmo ano, pela Constituição, a Justiça do Trabalho passou a fazer parte do Poder Judiciário Federal, o que foi festejado por juízes e funcionários.

Nebrídio Negreiros (primeiro da direita), ao lado de Geraldo de Menezes, presidente do CNT, durante sua visita ao CRT-2, às vésperas das alterações legais que integraram a Justiça do Trabalho ao Judiciário. Edição de 09 de abril de 1946 do jornal “Correio Paulistano”. Fonte: Hemeroteca Nacional.

Foi durante sua gestão, portanto, que ocorreu uma das transformações mais importantes da história da Justiça do Trabalho, que passou a integrar o Poder Judiciário e viu os Conselhos Regionais serem alterados para Tribunais Regionais, nos termos em que são denominados nos dias de hoje. Além disso, durante o seu mandato foram instaladas a 7ª JCJ da Capital e a 1ª JCJ de Santo André.

JUNTAS DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO EXISTENTES DURANTE A PRESIDÊNCIA DE NEBRÍDIO NEGREIROS

JUNTA DE CONCILIAÇÃOCRIAÇÃOINSTALAÇÃOPRIMEIRO JUIZ-PRESIDENTE
1ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/194001/05/1941Oscar de Oliveira Carvalho
2ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/194001/05/1941Thelio da Costa Monteiro
3ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/194001/05/1941José Veríssimo Filho
4ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/194001/05/1941José Teixeira Penteado
5ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/194001/05/1941Décio de Toledo Leite
6ª JCJ de São PauloDecreto 6.596/194001/05/1941Carlos de Figueiredo Sá
7ª JCJ de São Paulo*¹Decreto-lei 8.087/1945*²16/03/1946João Rodrigues de Miranda Júnior
1ª JCJ de SantosDecreto-lei 5.926/194304/04/1944José Ney Serrão
1ª JCJ de Santo André*¹Decreto-lei 9.110/1946*²01/05/1946Antônio Felipe Domingues Uchôa
1ª JCJ de CampinasLei 5.926/194301/01/1944Abrãao Blay
1ª JCJ de JundiaíLei 5.926/194330/03/1944Homero Diniz Gonçalves
1ª JCJ de SorocabaLei 5.926/194331/08/1944Armando de Oliveira Netto
JCJ de CuritibaDecreto 6.596/194001/05/1941Jorge Ribeiro
JCJ de CuiabáDecreto 6.596/1940 01/05/1941José Adolpho de Lima Avelino
*¹ Unidades criada durante a gestão de Nebrídio Negreiros.
*² O Decreto-lei 8.087/1945 criou também a 8ª JCJ de São Paulo. Devido à impossibilidade de sua instalação, ela foi convertida na 1ª JCJ de Santo André.*¹

Porém, um dos principais legados da gestão de Nebrídio foi a criação da biblioteca do TRT-2, em 1945. Em um período no qual o acesso às obras de referência do Direito era muito difícil, ter um acervo de livre consulta trouxe uma inovação e uma enorme comodidade para os advogados que atuavam na Justiça do Trabalho. Como aponta o Relatório de 1945:

Nebrídio Negreiros (canto inferior esquerdo) em evento com magistrados e servidores do TRT-2 na década de 1950. Foto: fundo Mario Pimenta de Moura/ acervo TRT-2.

Graças à iniciativa e aos esforços do seu presidente, dr. Nebrídio Negreiros, conta hoje este Conselho com uma biblioteca selecionada e de muitos volumes, onde se encontram as principais obras sobre direito do trabalho, direito civil e processo, além de outras obras auxiliares. Conta atualmente com 139 obras, compreendendo 678 volumes. Entre estas, contam-se dez revistas jurídicas e jurisprudenciais e o “Boletim do Ministério do Trabalho”.

Relatório Anual de Atividades do CRT-2 de 1945

Um fato curioso, relativo à rotina da Biblioteca em seus primeiros anos de funcionamento, é que, além de ser lugar de leitura das obras disponíveis, também era onde os advogados realizavam as consultas processuais. Lá, o bibliotecário entregava os autos aos advogados e eles podiam se sentar com tranquilidade para analisar as peças, tendo ao seu alcance o acervo de volumes disponíveis na biblioteca.

Para comodidade das partes e dos senhores advogados, a vista dos autos lhes é dada na própria biblioteca, sob o controle do bibliotecário, e assim têm eles um local sossegado confortável e bem iluminado para o estudo dos autos, e onde dispõem das obras, revistas e acórdãos necessários ao seu trabalho.

Relatório Anual de Atividades do CRT-2 de 1945

Atualmente, a Biblioteca do TRT-2 está localizada no 10º andar do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa e conta com um acervo jurídico especializado na área de Direito do Trabalho com cerca de 160 mil registros bibliográficos, entre livros, periódicos, monografias e audiolivros. Recebe, como justa homenagem, o nome de Biblioteca Nebrídio de Negreiros e apesar de não ser mais o espaço para consulta de processos é referência para os advogados que circulam pelo fórum. Não foi possível localizar registros de quando a Biblioteca recebeu o nome de Nebrídio, contudo, consta no Relatório Anual do TRT-2 de 1947, a realização de cerimônia de instalação de um retrato seu, nas dependência do setor.

Destaque do Relatório Anual de Atividades do TRT-2 de 1947. Fonte: acervo TRT-2.
Evento de instalação do retrato de Nebrídio Negreiros na Biblioteca do TRT-2, em 1947. Nela vemos Ernesto Mendonça de Carvalho Borges discursando. Ele foi o sucessor de Nebrídio na presidência do TRT-2. Fonte: acervo TRT-2.

Nebrídio, por sua vez, também faria parte da Comissão do Concurso da Magistratura do TRT-2 de 1953. Foi o responsável por aplicar as questões de Direito Penal e Direito do Trabalho aos candidatos nesse que foi o primeiro processo de seleção de juízes realizado no Regional.

Após terminar seu mandato em 1946, foi finalmente nomeado para juiz de tribunal e entregou o cargo a Ernesto Mendonça de Carvalho Borges, o primeiro presidente do TRT-2 (uma história para os próximos capítulos). Nebrídio seria o primeiro presidente do TRT-2, mas o novo Tribunal, agora vinculado ao Judiciário Federal, só foi oficialmente instalado em 24 de novembro de 1946.

Nebrídio ainda será vice-presidente do TRT-2 nos biênios de 1955-1957 e 1957-1959, acompanhando a gestão do presidente Hélio Tupinambá Fonseca, seu colega de longa data. Contudo, infelizmente, não terminará esse segundo mandato como vice.

Faleceu em 11 de outubro de 1958, aos 66 anos. Sua morte foi sentida por seus pares, e seria justamente Hélio Tupinambá Fonseca que prestaria as homenagens ao colega no relatório do Tribunal:

Sua Excelência, a par de um nome digno de ser apontado como exemplo, não só pelas suas virtudes de caráter, pela sua competência, pela sua cultura, mas também pela sua dedicação sem limites, levando-o mesmo a trabalhar enquanto a moléstia o permitiu, deixa vaga de impossível preenchimento na estima de seus pares.

Relatório anual de atividades do TRT-2 de 1958
#PRESIDENTES DO TRT-2 NOS ANOS DE ATUAÇÃO DE NEBRÍDIOMANDATO
1Eduardo Vicente de Azevedo1941-1942
2Oscar de Oliveira Carvalho1942-1944
3Nebrídio Negreiros1944-1946
4Ernesto Mendonça de Carvalho Borges1946-1948
5José Teixeira Penteado1948-1953
6Thelio da Costa Monteiro1953-1954
7Hélio Tupinambá Fonseca1954-1959

Nebrídio deixou um grande legado, elevando seu nome como brilhante advogado e magistrado, que militava por uma Justiça do Trabalho mais eficiente e célere. Também deixou boas lembranças em seus colegas, entre ex-alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, magistrados e servidores da Justiça do Trabalho. A biblioteca do TRT-2, fundada em 1945, leva o seu nome, homenageando e indicando o grande apreço que ele tinha pelo conhecimento. Foi o último presidente do CRT-2 e presenciou sua integração ao Judiciário Federal como TRT-2, marcando com sua gestão uma transformação histórica nessa Justiça especializada.

Memórias Trabalhistas é uma página criada pelo Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, setor responsável pela pesquisa e divulgação da história do TRT-2. Neste espaço, é possível encontrar artigos, histórias e curiosidades sobre o TRT-2, maior tribunal trabalhista do país.

Acesse também o Centro de Memória Virtual e conheça nosso acervo histórico, disponível para consulta e pesquisa.


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Publicado por Lucas Lopes de Moraes

Antropólogo, graduado em ciências sociais, possui mestrado e doutorado em antropologia no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da USP. Possui experiência em pesquisa e análise de dados qualitativos e em projetos de acervo. Colecionador de discos, apaixonado pela etnografia e pelo trabalho de campo, defende que as trajetórias de pessoas e coisas são a maior fonte de conhecimento. É servidor do TRT-2 desde 2015.

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